Danilo Fariello - O Globo
Planejadas como complemento às hidrelétricas, usinas estão em uso ininterrupto, exigindo mais manutenções
Pense em uma pessoa contratada para entregar pizzas durante seis horas por dia. Para prestar o serviço, levando em conta o salário e a jornada, ela compra uma bicicleta. Algum tempo depois, com a mesma bicicleta e o mesmo salário, essa pessoa passa a entregar as refeições 24 horas por dia. E ainda tem de pagar pela pizza que, eventualmente, não consegue levar até o destino final. A história fictícia remete a uma situação bem real nas usinas termelétricas do Brasil. Contratadas pelo governo para operar, em média, quatro meses por ano, estão há um ano e meio ligadas ininterruptamente.
Como ocorreria no caso do entregador de pizza, essas usinas - movidas a gás natural, carvão, diesel ou demais combustíveis - têm sofrido com a fadiga. E o trabalho excessivo não permite gerar a energia esperada pelo governo todos os dias para fazer frente à falta de água nos reservatórios das hidrelétricas.
Segundo levantamento feito pela Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget) a pedido do GLOBO com dados oficiais do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o percentual médio das usinas paradas, em manutenção, saltou no segundo semestre do ano passado. Se em 2013 esse índice oscilou entre 2% e 5%, em 2014 essa parcela variou entre 4% e 11% - o pico foi registrado em setembro, quando seis usinas pararam. Segundo a Abraget, o padrão mundial considerado tolerável é de 5%. Este limite foi alcançado em agosto e superado nos dois meses seguintes.
Nos 12 meses encerrados em novembro do ano passado, as termelétricas responderam por 22% da energia produzida no Sistema Interligado Nacional (SIN) - mais que o dobro dos 10% no mesmo período de 2012, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Essas usinas, hoje, geram um recorde de 17 mil MW por dia, diante de uma capacidade total de 21,6 mil MW no SIN. O trabalho intensificado significa mais manutenções.
- Hoje, quem está suportando o sistema interligado são as termelétricas. É uma quantidade considerável, em sua maioria em gás natural. Quando ficam muito tempo em uso contínuo, aumenta-se a necessidade de manutenção em relação ao previsto na época do leilão. Você precisa fazer mais manutenções e tem penalizações indevidas para os períodos de parada não programada, porque tem de comprar a energia não gerada no preço spot (do mercado de curto prazo) - explicou o presidente da Abraget, Xisto Vieira Filho.
Quando as paradas para manutenção das usinas extrapolam o previsto no contrato de concessão, as usinas são obrigadas a comprar energia de terceiros para entregar no mercado de curto prazo. Essa realidade levou a associação à Justiça no ano passado, quando os preços estavam mais altos.
Apesar dos contratempos, sempre que os empreendedores informam o ONS sobre a necessidade de parar, suas solicitações são atendidas. E, nos últimos meses, esses apelos por pausas para manutenção corretiva têm sido mais frequentes. O setor e o governo negam pressões para manter as máquinas ativas. Mas o Ministério de Minas e Energia afirmou ao GLOBO, por meio de nota, que, no plano anunciado há dez dias para reforçar o atendimento ao Sudeste, contou-se com o fato de que a Petrobras - controladora da maior parte das termelétricas no país - iria "acelerar" a manutenção das usinas. Elas somam 867 megawatts (MW), mais da metade do plano de reforço de 1.500 MW.
Mesmo com o aumento das paradas para manutenção, Xisto exalta o desempenho dos operadores das termelétricas e do próprio ONS. Isso porque nos últimos meses conseguiu-se manter o percentual de usinas em manutenção em torno de padrão de 5%.
- Quando algumas dessas termelétricas foram contratadas, havia um cenário indicado pelo governo de que algumas seriam necessárias por até 3% do tempo ao longo do ano, e elas indicaram seus preços nessa linha. Eu teria que montar outra estrutura para operar 100% do tempo. Tenho que ter outro pessoal, mais peças, e escolheria outro equipamento mais resistente - afirmou Marco Tavares, consultor da Gas Energy.
Apesar das dificuldades de manutenção, as termelétricas são consideradas fonte de energia mais confiável por serem perenes - ou seja, não dependem de intempéries climáticas como as fontes eólica, solar e hidrelétricas sem reservatório. Além disso, a construção dessas usinas é mais barata que a de hidrelétricas, e sua implantação é mais rápida (em geral, três anos, contra cinco das hidrelétricas). E, por esses motivos, continuarão a puxar a expansão do parque gerador no país, como indicado nos últimos leilões do governo.
Governo e empresários, porém, concordam que as condições de contratação das termelétricas precisam mudar para incluir previsões de operação ininterrupta, a chamada "operação na base". Dessa forma, teriam de ser alterados modelos de remuneração e manutenção de empreendimentos. A boa notícia é que, para se aproveitar parte do gás natural do pré-sal em termelétricas, seria mais viável que elas estivessem acionadas o tempo todo, porque não haveria como armazenar esse combustível.
Na quinta-feira, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, anunciou um programa para viabilizar a substituição do óleo diesel por gás natural nas termelétricas nacionais. Assim, o preço de geração de muitas dessas usinas, que vem pressionando as tarifas, também cairia pelo uso contínuo de um combustível mais barato, apesar dos resultados ambientais menos favoráveis do que em uma eventual expansão maior por hidrelétricas.
- É preciso que os preços de leilão sejam compatíveis com o uso contínuo das usinas. É uma ponderação entre custo imediato e custo futuro. Às vezes, querem economizar nos preços do leilão, e no futuro ficam sem confiabilidade no sistema - disse o presidente da Abraget.