Bruno Rosa e Ramona Ordoñez - O Globo
Como reflexo da Operação Lava-Jato, Petrobras não alcançará meta de autossuficiência em derivados fixada para 2020
O escândalo de corrupção na Petrobras criou um novo efeito colateral: adiou a meta de autossuficiência na produção de derivados (diesel e gasolina), que a Petrobras previa atingir até 2020. O cancelamento e o adiamento de quatro refinarias da Petrobras vai resultar já neste ano em um aumento de mais de 27,5% nas importações de diesel, de acordo com estimativa feita pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Em 2016, a balança comercial do setor será ainda mais negativa, quando se prevê uma alta de 43% nas compras do combustível, aumentando a dependência do Brasil, na avaliação de especialistas do setor.
Na semana passada, a Petrobras anunciou o cancelamento das refinarias Premium I (no Ceará) e II (Maranhão), além de ter suspendido a segunda unidade da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que estava com 91% das obras concluídas e tinha previsão de entrada em operação em meados deste ano, com capacidade para processar 115 mil barris/dia. No Rio, o Comperj terá seus investimentos reduzidos.
Haroldo Lima, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, lamentou a suspensão dos projetos, destacando que o país volta à era pré-Lula:
- O ex-presidente Lula tentou fazer quatro refinarias. Agora voltamos à situação anterior, quando o país passou 33 anos sem novas refinarias.
O cancelamento dos projetos ocorre num momento em que a demanda por combustíveis segue forte. A expectativa é que o consumo aumente entre 3% e 5% neste ano, após crescer 5,6% em 2014. Segundo um especialista do setor, o Brasil importa 15% do total consumido, de 2,4 milhões de barris por dia. Sem esses projetos, o Brasil correria o risco de elevar a dependência acima de 20%, o que deixaria o país vulnerável em termos estratégicos. Mesmo com a retração da economia no curto prazo, a expectativa é de que a demanda continue em alta nos próximos anos.
- Sem esse projetos, o Brasil passa a ser um importador enorme, não só de gasolina e diesel, mas de nafta petroquímica e querosene de aviação (QAV). E, com isso, corre o risco de se tornar um México ou um Irã, exportador de petróleo, já que teremos aumento de produção com o pré-sal, e importador de derivados - disse Alexandre Szklo, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.
Segundo o cronograma original da Petrobras, se todos os projetos estivessem de pé, o Brasil chegaria à autossuficiência em cinco anos, com o processamento de 3 milhões de barris por dia, o mesmo que estaria consumindo. Segundo Szklo, mais grave que o cancelamento das refinarias Premium - que teria custo de cerca de US$ 30 bilhões cada e capacidade conjunta para processar 900 mil barris por dia -, é a suspensão da segunda unidade de Abreu e Lima e as incertezas em relação ao Comperj:
- Se considerar apenas Rnest (Abreu e Lima) e Comperj, projetos vitais para o país, o Brasil vai precisar ainda de mais duas refinarias (com capacidade para processar 200 mil barris por dia cada) entre 2030 e 2035, já que a demanda por diesel e derivados vai aumentar. Assim, teríamos uma autossuficiência somente em 2030 no diesel, o derivado mais importante para o país devido ao transporte rodoviário.
A redução nos investimentos em refinarias é reflexo da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal (PF). Na semana passada, a Petrobras anunciou que, somando o custo da corrupção, ineficiência em projetos e variação cambial, entre outros fatores, calculou um ajuste de R$ 88,6 bilhões em seus ativos. Desse total, 94% vêm da área de Abastecimento, onde estão as refinarias e que era liderada por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal que revelou um esquema bilionário de propinas. O Comperj que tem custo estimado em US$ 13,2 bilhões e está com 81% das obras concluídas, valeria zero se fosse vendido hoje, segundo a estatal.
A Petrobras informou que está reavaliando o mercado com a perspectiva de que a demanda possa ser atendida "pelo rearranjo do sistema de processamento das refinarias existentes". Isso levará em conta os ajustes no Comperj e em Abreu e Lima.
Apesar do aumento da dependência externa de derivados, alguns especialistas dizem que a decisão da Petrobras foi correta. Para Adriano Pires, diretor do CBIE, o adiamento mostra que a escolha dos projetos foi política e não econômica.
- A suspensão desses projetos é um sinal inequívoco de que que os critérios usados para sua construção eram políticos e não técnicos e econômicos. A Petrobras tem que concentrar seus investimentos na produção de petróleo no pré-sal. Quem tem que ampliar investimentos no refino é o setor privado - disse.
David Zylbersztajn avalia que para isso ocorrer, porém, o país precisaria de uma política clara de preços para os derivados, com regras estáveis e sem a ingerência do governo federal, que define os preços de combustíveis, usados na política de controle da inflação:
- Quem vai investir num país que permite uma estrutura de monopólio, que permite uma contração de mercado?