domingo, 1 de fevereiro de 2015

"Perto de Cuba, longe dos dominicanos", Ezra Fieser

O Globo


Abertura deve abocanhar pedaço do domínio dominicano à medida que americanos visitarem Cuba para ver país famoso por carros dos anos 1950


Quer entender por que a República Dominicana está preocupada com a melhora das relações entre EUA e Cuba? Basta ver “O poderoso chefão 2”.

As cenas em que aparecem Don Michael Corleone dirigindo pelas ruas de Havana às vésperas da Revolução Cubana foram filmadas na capital dominicana, Santo Domingo. Os charutos que tornaram o país caribenho o maior exportador mundial trazem em seus selos avisos informando que eles foram feitos a partir de “sementes cubanas”.

Com o presidente Barack Obama afrouxando o embargo de cinco décadas sobre Cuba, nenhum país no Caribe tem tanto a perder quanto a República Dominicana, a maior economia da região. Cada turista americano que visita uma praia cubana afeta a posição do país como maior destino turístico da região. Cada vez que uma franchise da principal liga de beisebol assina contrato com um cubano, significa menos dinheiro para os jogadores dominicanos, o maior fornecedor de jogadores estrangeiros para as principais ligas.

Como disse Arturo Martinez Moya, ex-economista do Banco Central dominicano, “os cubanos produzem as mesmas coisas que nós. O desenvolvimento deles será baseado nos mesmos setores que o nosso porque vivemos em duas ilhas idênticas”.

A Ilha de São Domingos, lar tanto da República Dominicana como do Haiti, está apenas a 80 quilômetros da costa de Cuba. As ex-colônias espanholas têm uma população de cerca de 11 milhões de pessoas e uma topografia caracterizada por cadeias de montanhas, planícies férteis e praias de areia branca.

Com restrição apenas dos EUA, três milhões de estrangeiros chegaram a Cuba no ano passado, de acordo com dados oficiais. Isso tornou o país o segundo mais visitado no Caribe, atrás apenas da República Dominicana, que atraiu mais de cinco milhões de visitantes. Essa liderança ajudou a economia dominicana de US$ 61 bilhões expandir 7,1% no ano passado, o melhor desempenho na América Latina. Segundo a Moody’s Investors Service, a economia cubana cresceu 0,8% em 2014.

A abertura vai provavelmente abocanhar um pedaço do domínio dominicano à medida que os americanos começarem a visitar Cuba para ver um país famoso por seus carros dos anos 1950 e um Centro Histórico que evoca uma era do Caribe há muito desaparecida.
Segundo Jorge Salazar-Carrillo, especialista em Cuba e professor de Economia da Universidade Internacional da Flórida, em Miami, “é um destino de que todos já ouviram falar, mas que ainda mantém um certo mistério”.

Desde os dias do “Poderoso chefão 2”, Santo Domingo se tornou um confiável dublê para Havana. O filme de 1990 do diretor Sydney Pollack, “Havana”, e “A cidade perdida”, de Andy Garcia, em 2005, mostram as ruas de Santo Domingo no lugar da capital cubana.
Indagadas, as autoridades do Ministério do Turismo dominicano repetiram a declaração do ministro Francisco Javier García feita em dezembro, afirmando que a concorrência com Cuba “não é novidade”, uma vez que o país vem competindo com seu vizinho há décadas por turistas da Europa e do Canadá.

Mas a maior ameaça de uma melhor relação entre EUA e Cuba recai sobre os charutos dominicanos, um setor avaliado em US$ 500 milhões. Há muito tempo, os charutos cubanos são uma commodity valorizada entre os aficionados. Antes de assinar a lei estabelecendo o embargo, o presidente John F. Kennedy pediu ao então secretário de Imprensa, Pierre Salinger, para comprar o máximo possível de charutos cubanos. Segundo Salinger, o ex-presidente recebeu 1.200 Petit Upmanns em 6 de fevereiro de 1962.

Hoje, a República Domincana é o maior produtor mundial de charutos, segundo o Centro de Exportação e Investimento do país. “Veremos mais competição em setores como o de charutos”, confirma Pavel Isa-Contreras, pesquisador de economia do Instituto Tecnológico de Santo Domingo. “Podemos perder fatia de mercado porque os EUA são os maiores importadores de charuto.”

De qualquer modo, o embargo não vai acabar agora. Como parte do avanço das relações entre os dois países, Obama e o presidente cubano, Raúl Castro, disseram no mês passado que trabalhariam primeiro para restaurar relações diplomáticas. E nenhum evento extraordinário ocorreu na semana passada, após a visita oficial à ilha de Roberta Jacobson, secretária assistente de Estado.

Apenas o Congresso americano, onde a oposição ao regime de Castro permanece afiada, pode acabar com o embargo. Obama usou sua autoridade executiva para afrouxar algumas restrições comerciais e de viagem, inclusive permitindo que os turistas usem cartões de crédito na ilha. A maioria dos americanos não pode voar para Havana por conta própria a partir dos EUA, mas as empresas de turismo que arranjam tais viagens pode fazê-lo mais facilmente agora. Além disso, um projeto de lei apresentado na última quinta-feira por um grupo bipartidário aos senadores americanos, elimina a proibição de viagem aos americanos.

Ezra Fieser é jornalista da Bloomberg News