O Supremo vem ampliando o número de decisões que atendem à cartilha “progressista”
N a mesma proporção em que escalou nas decisões abusivas dos últimos anos, especialmente nos casos ligados à liberdade de expressão de conservadores e na condução dos processos do 8 de janeiro, o Supremo Tribunal Federal também vem ampliando o número de decisões que atendem à pauta woke da Corte, alinhada à Agenda 2030, cartilha “progressista” das Nações Unidas. Temas como aborto, políticas de diversidade e inclusão, igualdade de “gêneros”, liberação das drogas, ambientalismo e racismo estão o tempo todo no radar. Nos últimos anos, quase sempre o STF decidiu a favor desses temas.
O primeiro desses casos polêmicos, em claro ativismo woke, foi o reconhecimento da união estável entre homossexuais, em 2011, e a imposição aos cartórios da celebração do casamento, feita de maneira administrativa, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013. Sem entrar no mérito das decisões, o fato é que ambas afrontam a Constituição Federal, que descreve o casamento como a união entre homem e mulher.
Nesse caso, a evidente inconstitucionalidade da decisão poderia ter sido evitada com a prática da autocontenção judicial — como fez o Judiciário do Japão em 2022, ao reconhecer que a proibição do casamento homossexual era compatível com a Constituição. Em vez de reescrever a Carta Magna, os juízes japoneses apontaram que cabe ao Parlamento promover mudanças constitucionais e, enquanto isso não ocorre, o país tem buscado meios legais de assegurar direitos patrimoniais a casais homossexuais sem afrontar o texto constitucional.
A constitucionalização da união homossexual no Brasil “foi um passo decisivo para o Estado Pantocrático de Direito” (do grego pantokrátor: todo-poderoso, ou que tem poder sobre tudo), definiu o professor de Direito Penal Cleber de Oliveira Tavares Neto em artigo no livro Inquérito do Fim do Mundo.
A decisão seguinte, que atende à agenda global, foi a que validou as cotas raciais nas universidades. O Democratas, partido que depois da fusão com o Partido Social Liberal (PSL) tornou-se o União Brasil, foi ao STF em 2009 para invalidar uma decisão da Universidade de Brasília que criava as cotas raciais para ingresso de calouros.
O partido argumentou que havia dificuldade técnica de decidir quem era negro, que as cotas eram racistas, já que separavam as pessoas por raça, que o modelo era copiado dos Estados Unidos e que a seleção deveria ser baseada apenas no mérito. No entanto, em 2012, por unanimidade, o STF julgou o sistema constitucional.
Em 2023, a Suprema Corte dos EUA analisou o ingresso de estudantes por cotas e julgou o modelo incompatível com a 14ª Emenda da Constituição americana, que proíbe a discriminação com base na raça. Na contramão, o STF brasileiro, em 2024, validou uma lei que prorrogou a política implantada pelo PT.
Aberração jurídica
Uma das decisões mais controversas, que subverteu os princípios mais básicos do Direito, foi tomada em uma ação do Cidadania (antigo Partido Popular Socialista), em junho de 2019, quando a Corte, por maioria, criou os crimes de “homofobia” e “transfobia”, equiparando ofensas racistas a ofensas por orientação sexual. Uma das regras básicas do Direito Penal é a da reserva legal: não há crime sem que lei anterior o descreva.
Ou seja, nenhum crime pode ser criado por entendimento judicial. O caso foi analisado em dezenas de artigos e livros. “Esse julgamento (que criou a “homofobia”) disputará com o inquérito 4.781 (das fake news) como lembrança da maior aberração jurídica de toda a história das nossas cortes supremas, como o momento em que houve a quebra das maiores garantias do cidadão em um Estado democrático em nome da pura ideologia”, avaliou Tavares Neto.
Para Gustavo Lopes, ex-secretário nacional do Audiovisual e autor de Guerra cultural na prática, um dos principais problemas dessas decisões, desconectadas do que a maioria deseja, é o efeito cascata, já que são repetidas pelas instâncias inferiores e impactam a vida das pessoas.
Recentemente, esse entendimento do STF repercutiu no caso da feminista Isabella Cêpa, que pediu asilo na Europa depois de ver a possibilidade de pegar 25 anos de prisão por falar que a deputada federal e transexual Erika Hilton era “homem”, como mostrou a reportagem de Edilson Salgueiro na Edição 283 da Revista Oeste. Lopes lembra que há uma falsa legitimidade nessas decisões do STF, já que “em sua maioria, a sociedade brasileira é contrária à imposição de pautas identitárias e às diretrizes da Agenda 2030”, e instituições como o Judiciário, a mídia e a academia é que tentam dar “uma aparência de legitimidade” a essas bandeiras da esquerda.
Redução das desigualdades e igualdade de gênero
Em cumprimento à agenda de “redução das desigualdades”, o STF autorizou travestis e mulheres trans (homens biológicos) a cumprirem pena em penitenciárias femininas. A Corte foi alertada dos casos de violência contra mulheres, inclusive estupros, praticada por trans em diversos presídios femininos, mundo afora. O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) lembrou que a própria Constituição “prevê que os presos sejam separados de acordo com a natureza do delito, idade e sexo” e a Lei de Execução Penal “assegurou às mulheres o cumprimento das penas em estabelecimentos próprios”.
A contrariedade à Carta Magna foi ignorada e o alerta, em vão. Travestis e mulheres trans tiveram reconhecido “o direito de opção por cumprir pena em estabelecimento prisional feminino ou masculino, porém em área reservada, que garanta a sua segurança”, conforme o voto do relator, Luís Roberto Barroso, hoje presidente do STF. A segurança e a integridade física das mulheres presas não foram mencionadas.
Também em razão de decisão da Corte, que atendeu a um pedido do PT, os hospitais, na Declaração de Nascidos Vivos, não podem mais ter um campo com o termo “mãe”, que deve ser substituído por “parturiente”. Para a ONG Mulheres Associadas, Mães e Trabalhadoras do Brasil (Matria), o novo termo é “tecnicamente inadequado, generalizante e desumanizante”.
Não se pode ignorar a realidade de que as “parturientes”, embora se reconheçam como homens, “necessitam de tratamentos de saúde adequados ao seu sistema reprodutor, que é determinado por seu sexo biológico”. Além disso, a decisão do STF ordena que o SUS elimine quaisquer “procedimentos burocráticos que possam causar constrangimento ou dificuldade de acesso às pessoas transsexuais”.
No segundo semestre, o STF deve julgar uma ação que pede a liberação de banheiros em espaços de uso comum para utilização conforme o gênero com o qual a pessoa se identifica. Dessa forma, uma mulher trans poderia usar os banheiros femininos. Aliás, essa foi outra conquista da comunidade trans no STF, que passou a reconhecer a identidade de gênero independentemente de cirurgia de redesignação sexual. “É reconhecido aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais, ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil”, decidiu a Corte, por maioria, em 2018.
Ao longo dos últimos anos, o STF também barrou dezenas de leis municipais e estaduais que queriam proibir o ensino e o uso em documentos públicos do que se chama de “linguagem neutra”. A Corte também impediu que Estados e municípios barrassem o ensino da ideologia de gênero nas escolas.
“Foram julgadas inconstitucionais uma lei de Alagoas que instituiu o programa ‘Escola Livre’ e três normas municipais que proibiam o ensino sobre questões de gênero e sexualidade na rede pública”, contabiliza o Supremo. Quase sempre essas ações chegam ao STF por partidos de esquerda, pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público. Aborto, pauta permanente no STF Outra pauta woke que paira sobre a Corte é o aborto (o STF já descriminalizou o aborto de fetos anencéfalos em 2012).
Agora, a intenção é — atendendo a pedido do Psol — liberar o aborto até a 12ª semana de gestação. A ex-presidente da Corte Rosa Weber, dias antes de se aposentar, em setembro de 2023, deu um voto favorável à prática. Ela fundamentou a decisão em princípios como “a dignidade da pessoa humana, a autodeterminação pessoal, a liberdade, a intimidade, os direitos reprodutivos e a igualdade como reconhecimento”, parafraseando argumentos semelhantes aos da Agenda 2030 da ONU, que usa os eufemismos “saúde sexual e reprodutiva” e “direitos reprodutivos” para defender a legalização do aborto no mundo sem qualquer restrição.
Barroso, pressionado pelo Congresso, não pautou o tema, embora já tenha dado indícios de que é favorável à descriminalização. Em 2016, com Weber e Edson Fachin, ele concedeu habeas corpus a três acusados de crimes de aborto. Relator do caso, o agora presidente do STF entendeu que os funcionários de uma clínica de aborto não cometeram crimes porque a “interrupção voluntária da gravidez” realizada até o terceiro mês não é crime com base na legislação de outros países. “A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade”, defendeu o ministro no habeas corpus. O voto, contrário ao texto legal vigente no país — que criminaliza o aborto —, ensejou um pedido de impeachment de Barroso, que, assim como outros quase 40 requerimentos, está engavetado no Senado.
Recentemente, quem passou a militar a favor do aborto foi Alexandre de Moraes, que cassou uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que vedava o aborto por assistolia fetal, método extremamente doloroso para o bebê, não recomendando nem para animais, que consiste na aplicação de uma injeção de cloreto de potássio na criança. É o método que a OMS, braço da ONU para a saúde, e o Ministério da Saúde aprovam para abortar quando a gravidez passa das 22 semanas e o bebê já tem condições de viver fora do corpo da mãe.
Esse tipo de aborto costuma ocorrer em caso de gravidez resultante de estupro e, então, não é penalizado. Para Moraes, a resolução do CFM, para evitar sofrimento ao bebê, é “uma restrição de direitos não prevista em lei, capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres”. A liminar, concedida ao Psol, não foi referendada. André Mendonça votou contra, e Nunes Marques pediu destaque, levando o caso ao plenário.
Maconha e ambientalismo woke
Outra polêmica na qual o STF se envolveu foi a descriminalização do porte de drogas: quem é flagrado com até 40 gramas de maconha não é considerado traficante e, sim, usuário. Isso permitiu a efetivação de outra agenda da esquerda: o desencarceramento em massa de pessoas antes condenadas por tráfico. A decisão, segundo juristas e congressistas, favorece o tráfico e representa mais uma invasão da competência do Congresso. Com a decisão do STF, o CNJ começou um mutirão carcerário para tirar da cadeia traficantes presos com até 40 gramas de maconha que agora são “usuários”.
Seguindo a cartilha woke da ONU, o STF também “legisla” sobre a pauta ambiental, como foi o caso da declaração de inconstitucionalidade do marco temporal das terras indígenas, em setembro de 2023. A despeito do que estava explícito na Constituição Federal, a Corte, por nove votos a dois, entendeu que qualquer terra, não apenas as reivindicadas até 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas e entregues aos indígenas. “É uma decisão muito encorajadora”, disse o alto comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, na ocasião.
Em outubro, porém, em reação à invasão de competência pelo STF, o Congresso aprovou a Lei 14.701/2023 que estabelece o marco temporal na mesma data prevista anteriormente. A questão também foi judicializada e, agora, a ONU cobra pressa do STF para analisar as ações. “Grande parte da violência contra pessoas defensoras de direitos humanos no país está enraizada no conflito pela terra”, arriscou Mary Lawlor, do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
STF - A decisão do @STF_oficial sobre o amianto crisotila reforça compromissos globais, como os que são parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (@ONUBrasil) #PraTodosVerem: contém descrição da imagem
Para os cabeças da Corte, a conduta “ativista” do STF eleva o “grau de civilidade do Brasil”, como gosta de afirmar Barroso. Para os brasileiros, no entanto, parecem decisões arbitrárias, à revelia do tipo de candidato que escolheram para o Congresso, por exemplo. “A Suprema Corte age como um governo paralelo”, afirma Gustavo Lopes. “Com agenda própria e um acentuado viés ideológico, sem qualquer nível de representatividade social”.
Loriane Comeli - Revista Oeste