Enquanto a filha do ministro Alexandre Padilha não pode viajar para a Disney, mães e avós presas nos atos do 8 de janeiro estão separadas de seus filhos e netos, sentenciadas a penas desproporcionais e politicamente motivadas
Recentemente, uma jornalista da Globo News, em tom de indignação, classificou como “crueldade” a revogação dos vistos de entrada nos Estados Unidos da esposa e da filha de 10 anos do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em meio a sanções relacionadas ao programa Mais Médicos — um esquema criminoso para enviar dinheiro dos pagadores de impostos do Brasil à ditadura cubana.
A palavra “crueldade” foi jogada ao vento e usada para descrever o impacto de sanções diplomáticas sobre uma família abastada, como se a perda de um privilégio de viagem fosse o ápice do sofrimento humano.
Enquanto isso, mães, avós e cidadãs comuns, presas após os eventos de 8 de janeiro de 2023, enfrentam uma realidade infinitamente mais brutal: anos de prisão, separação de seus filhos e condições desumanas, sob decisões judiciais desproporcionais e politicamente motivadas.
Desde 8 de janeiro de 2023, centenas de pessoas foram presas, muitas sem acusações formais imediatas, e enfrentam processos carentes de transparência e proporcionalidade. Entre os detidos estão pessoas que, em muitos casos, sequer participaram de atos de vandalismo, mas foram condenadas a penas de até 17 anos de prisão.
Sim, ouvimos isso mesmo. Diante de toda a barbárie que estamos vivendo, uma apresentadora resolveu dizer, quase aos gritos, que revogar o visto americano — que é um privilégio, e não um direito — de uma criança de 10 anos é uma “crueldade sem tamanho”.
globon\news - ANÁLISE – “Que absurda essa decisão. Todas as decisões. É uma perseguição implacável. O que que é isso?”, indagou @sadiandreia no #Estúdioi desta sextafeira (15) após os Estados Unidos cancelarem o visto da mulher e da filha, de 10 anos, de Alexandre de Padilha, ministro da Saúde do governo Lula (PT). As duas estão no Brasil. “É impossível você imaginar que essas pessoas vão trazer esse tipo de prejuízo, esse tipo de sanção. É cruel. É tão absurdo isso que eles estão fazendo”, seguiu a apresentadora. A família de Padilha foi informada dos cancelamentos nesta manhã por View more on Instagram 22/08/2025, 18:11 Condenados pela verdadeira crueldade - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-284/condenados-pela-verdadeira-crueldade/ 4/18 comunicados enviados pelo consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo. Nesta quinta-feira (14), a embaixada americana em Brasília publicou uma mensagem em uma rede social afirmando que o “Mais Médicos” foi um "golpe diplomático" e que o governo de Donald Trump continuará "responsabilizando os indivíduos ligados a esse esquema". O programa foi criado em 2013, quando Padilha comandava a pasta da Saúde, no governo Dilma Rousseff. @valdocruz também repercutiu a suspensão e disse que “não faz sentido nenhum”. ➡ Acompanhe as atualizações na #GloboNews #jornalismo #notícias #política View all 20,898 comments Add a comment...
Na mesma hora, enviei uma mensagem para Edilson Salgueiro, meu colega aqui na Oeste e responsável por várias reportagens sobre as vítimas, e pedi a lista da verdadeira crueldade do atual regime de Alexandre de Moraes. Entre os nomes, estão mulheres como Débora dos Santos, cuja história exemplifica o que muitos chamam de perseguição judicial. Essas mães não são apenas números em uma lista; são mulheres arrancadas de suas famílias, privadas de ver seus filhos crescerem, enquanto a narrativa midiática foca em “crueldades” como a perda de vistos para os EUA e a impossibilidade de ir para a Disney.
Débora dos Santos é uma das faces mais emblemáticas dessa tragédia — a Débora do “batom”, como ficou conhecida. Mãe de duas crianças, Rafael, de 8 anos, e Caio, de 10 anos, Débora foi condenada a 17 anos de prisão. Sua “culpa”? Estar presente em Brasília no dia 8 de janeiro, em um protesto que muitos consideram um exercício de liberdade de expressão. Não há evidências públicas de que Débora tenha participado de atos de violência ou depredação, mas isso não impediu o STF, sob a relatoria de Alexandre de Moraes, de impor uma pena desproporcional, ilegal e desumana.
Enquanto a Globo News chora pela “crueldade” de uma criança de 10 anos não poder viajar aos EUA, onde está a indignação pela separação de Débora de seus filhos?
Outras mães, outras histórias de dor
E Débora não está sozinha. A lista enviada por Edilson Salgueiro inclui outras mulheres em situações igualmente devastadoras. Enquanto muitos veem apenas números em uma lista macabra, aqui vemos mães e inocentes que estão pagando pelo fetiche da perseguição política do sistema – nomes e sobrenomes de pessoas e famílias marcadas para sempre pela injustiça de quem prometeu honrar nossas leis.
– Rieny Munhoz Mácula – Condição: gravidez de alto risco (oito meses). Motivo da prisão: condenada por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Situação: condenada a 17 anos e 6 meses de prisão.
– Diovana Vieira da Costa, 23 anos – Condição: filho recémnascido. Motivo da prisão: ré por crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e associação criminosa. Situação: aguarda julgamento destacado para o plenário físico do STF.
– Juliana Gonçalves Lopes Barros, 34 anos – Filhos: Davi, 9 anos, com asma severa, e Eva, 7 anos. Motivo da prisão: denunciada por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa. Situação: condenada a 17 anos de prisão. Segue presa.
– Ana Flávia de Souza Monteiro Rosa, 37 anos – Filhos: Isaac Daniel, 7 anos. Motivo da prisão: acusada de incitar e participar da depredação de prédios públicos; denunciada por associação criminosa e dano qualificado. Situação: condenada a 17 anos de prisão. Segue presa
Ilustração: Shutterstock
– Jaqueline Freitas Gimenez, 40 anos – Filhos: Isabelle, 10 anos, e um menino mais novo, de 7 anos (nome não informado). Motivo da prisão: acusada de participar da invasão e depredação, enquadrada em abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa. Situação: condenada a 16 anos de prisão. Segue presa.
– Josilaine Cristina Santana, 43 anos – Filhos: um menino de 9 anos (nome não divulgado). Motivo da prisão: acusada de participação ativa na invasão, denunciada por golpe de Estado, associação criminosa e dano qualificado. Situação: condenada a 16 anos e 6 meses de prisão. Segue presa e sofre de depressão no cárcere.
– Débora Chaves Caiado, 43 anos – Filhos: um menino de 8 anos, com TDAH (nome não informado). Motivo da prisão: denunciada por incitar e financiar atos do 8/1; acusada de associação criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Situação: condenada a 14 anos de prisão. Segue presa desde junho de 2024.
– Ednéia Paes Silva dos Santos, 38 anos – Filhos: Maria Fernanda, 10 anos, e um filho maior de idade (nome não informado). Motivo da prisão: denunciada por participar da invasão e destruição de patrimônio, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Situação: condenada a 17 anos. Alternou períodos de prisão domiciliar e cárcere fechado. Segue presa.
– Camila Mendonça Marques, 37 anos – Filhos: Clara, 7 anos, e Vinícius, 13 anos. Motivo da prisão: condenada por participação nos “atos golpistas”, denunciada por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa. Situação: condenada a 17 anos de prisão. Segue presa.
E as filhas de Cleriston da Cunha que morreu na Papuda depois do mais absoluto descaso de Alexandre de Moraes, que ignorou oito pedidos de habeas corpus com atestados médicos e até sustentação da própria Procuradoria Geral da República (PGR) para que sua prisão fosse revertida para domiciliar? Clezão sofria de problemas cardíacos graves e precisava de cuidados médicos diários. Morreu nas mãos do Estado. Uma crueldade, claro, mas bem menor do que “perder o visto para os EUA”
Mais Médicos e mais hipocrisia
O caso de Alexandre Padilha e as sanções dos EUA ilustram a desproporção na narrativa midiática. O programa Mais Médicos, criado em 2013, foi criticado e sancionado pelos EUA por sua parceria com Cuba, que explorava médicos cubanos, retendo grande parte de seus salários. A Globo News, por sua vez, amplificou a narrativa de “crueldade” contra a família do socialista Padilha, que agora perdeu o privilégio de visitar a terra dos ianques malvados e do capitalismo selvagem.
A palavra “crueldade” parece ter pesos diferentes dependendo de quem a pronuncia. Para a torcida de pompom na imprensa desconectada da realidade, perder um visto é uma tragédia digna de manchetes e faniquitos na TV. Para as mães do 8 de janeiro, a destruição de suas vidas e famílias é apenas uma nota de rodapé. Essa seletividade não é apenas hipocrisia; é uma afronta à justiça e à dignidade humana. A criança de 10 anos de Padilha não poderá visitar os EUA, mas os filhos de Débora, Josilaine e outras enfrentam um futuro sem suas mães, em meio a condições de saúde precárias e abandono emocional.
Qual dessas situações merece o rótulo de “crueldade”? A resposta é clara, mas não para a elite midiática que escolhe suas causas com base em conveniências políticas e interesses nos jogos de poder.
A promessa traída dos direitos humanos
A humanidade alcançou um marco grandioso em 10 de dezembro de 1948, com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU. Esse documento, nascido das cinzas da Segunda Guerra Mundial, prometeu proteger a dignidade, a liberdade e o direito à família para todos, sem distinção. Artigos como o 3º (“Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança”) e o 9º (“Ninguém será submetido à prisão arbitrária”) foram celebrados como pilares de uma nova era. No entanto, a história mostra que essas promessas são frequentemente traídas quando o poder político busca silenciar dissidentes.
Eleanor Roosevelt segurando um cartaz da Declaração Universal dos Direitos Humanos (em inglês), em Lake Success, Nova York, EUA (1949) | Foto: Wikimedia Commons
As mães do 8 de janeiro são exemplos vivos dessa traição. Presas sem evidências claras de crimes graves, separadas de seus filhos e submetidas a penas desproporcionais, elas enfrentam uma realidade que contradiz os ideais da Declaração. Historicamente, casos semelhantes ocorreram em regimes que usavam a justiça como ferramenta de repressão.
Na África do Sul do apartheid, mulheres foram presas e separadas de suas famílias por resistirem ao regime. No regime stalinista (1929- 1953), milhões de pessoas foram enviadas a campos de trabalhos forçados (Gulags) como parte da repressão política. Muitas mulheres, acusadas de serem “inimigas do povo” por motivos muitas vezes vagos (como oposição ao regime ou laços familiares com dissidentes), foram separadas de seus filhos. O regime nazista (1933-1945) separou inúmeras mães de seus filhos, especialmente em campos de concentração e extermínio. A desumanização das mães nos campos nazistas, arrancadas de seus filhos por um regime que as via como inimigas, ecoa a dor das mães do 8 de janeiro, presas e separadas de seus filhos por acusações que muitos questionam quanto à proporcionalidade.
Esses episódios, embora distintos, mostram como o poder pode distorcer a justiça para punir quem o desafia, traindo os princípios de humanidade que a Declaração de 1948 buscava proteger.
No Brasil de 2025, as condenações do 8 de janeiro ecoam essa traição. Alexandre de Moraes, ao liderar os processos, é acusado por críticos — e agora pelos Estados Unidos – de conduzir uma perseguição política disfarçada de defesa da democracia. As penas de 12, 15 ou 17 anos impostas a mães como Débora, Josilaine e outras violam o espírito da Declaração, que exige proporcionalidade e respeito aos direitos fundamentais. A verdadeira crueldade está em ignorar esses princípios em nome de uma narrativa que serve a interesses políticos.
Na esteira das listas da barbárie no Brasil de 2025, em uma similaridade de arrepiar os cabelos com as piores páginas da humanidade, encontramos também idosos com condenações e penas de dar um nó na garganta.
Com a imputação de crimes como golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, ler os nomes das pessoas que deveriam estar cuidando de seus netos, mas que estão encarceradas por puro abuso da injustiça, é de apertar o coração. Aqui em Oeste, eles jamais serão apenas “estatísticas” do 8 de janeiro:
– Vildete Ferreira da Silva Guardia, 74 anos – condenada a 16 anos e 6 meses em regime fechado.
– Iraci Megumi Nagoshi, 73 anos – condenada a 16 anos e 6 meses em regime fechado.
– Maria de Fátima Jacinto, 70 anos – condenada a 17 anos em regime fechado.
– Sônia Teresinha Possa, 67 anos – condenada a 16 anos e 6 meses em regime fechado. – Jair Domingues de Morais, 67 anos – condenado a 13 anos e 6 meses em regime fechado. – José Carlos Galanti, 66 anos – condenado a 16 anos e 6 meses em regime fechado.
– Luís Carlos de Carvalho Fonseca, 64 anos – condenado a 16 anos e 6 meses em regime fechado. – Ana Elza Pereira da Silva, 64 anos – condenada a 14 anos em regime fechado.
– Maria do Carmo da Silva, 63 anos – condenada a 14 anos em regime fechado. – Francisca Hildete Ferreira, 63 anos – condenada a 13 anos e 6 meses em regime fechado.
– Antônio Teodoro de Moraes, 71 anos – condenado a 14 anos em regime fechado.
– Cláudio Rubens da Costa, 73 anos – condenado a 13 anos e 6 meses em regime fechado.
– Jamildo Bomfim de Jesus, 62 anos – condenado a 14 anos em regime fechado.
– Moisés dos Anjos, 63 anos – condenado a 13 anos e 6 meses em regime fechado.
– Nelson Ferreira da Costa, 61 anos – condenado a 16 anos e 6 meses em regime fechado.
– Marco Afonso Campos dos Santos, 62 anos – condenado a 13 anos e 6 meses em regime fechado.
E esta nem é uma lista completa. Se, assim como eu, você chegou até aqui diante desses nomes, condenações e penas absurdas com o estômago embrulhado, que façamos juntos uma oração para que o socorro também venha dos céus. Afinal, já ficou óbvio que essa guerra é também entre o bem e o mal.
Crueldade é arrancar uma mãe ou uma avó de seus filhos e netos, condená-las a anos de prisão sem provas claras de crimes graves e ignorar o sofrimento de famílias destruídas sob o pretexto de defender a democracia. Enquanto a mídia dá chiliques por Alexandre Padilha e sua família, as vozes dessas famílias permanecem silenciadas.
É hora de mostrar com todas as letras o que significa, de fato,
crueldade. É hora de exigir justiça para as pessoas do 8 de janeiro e
expor a hipocrisia e maldade de quem ignora a cruel realidade. Que a
história julgue e condene aqueles que, por ação ou omissão,
perpetuam esse ciclo de dor.
Ana Paula Henkel - Revista Oeste