sexta-feira, 15 de agosto de 2025

'A descrença na imprensa', por Ubiratan Jorge Iorio

A percepção — translúcida como um cristal tcheco — é de que a mídia atua como porta-voz e instrumento do regime em curso no país





É manifesto que a imprensa tradicional brasileira vem perdendo credibilidade a passos largos. Sua relação com os detentores do poder, tanto no Executivo quanto no Judiciário, tem sido um desfile alarmante de subserviência, um préstito inquietante de conivência, um cortejo sufocante de cumplicidade, um corso inquietante de desinformação, enfim, uma parada preocupante que compromete a independência jornalística e abala a saúde democrática. A percepção — translúcida como um cristal tcheco — é de que a mídia atua como porta-voz e instrumento do regime em curso no país, suavizando ou escondendo críticas, promovendo as narrativas enganadoras do governo e fazendo vista grossa aos abusos que vêm sendo cometidos no âmbito do Judiciário. 

Há uma infinidade de exemplos a atestar a parcialidade, seletividade, complacência e subserviência da cobertura jornalística tradicional. Vamos apontar apenas quatro dentre os que chamam mais atenção. O primeiro é a reação da mídia tradicional ao rol de denúncias graves trazido à tona pela série investigativa Vaza Toga 2: Os Arquivos Secretos do 8 de Janeiro, publicada em 4 de agosto de 2025 pelos jornalistas Michael Shellenberger, David Ágape e Eli Vieira, revelando documentos e áudios que apontam para a existência de uma forçatarefa no Judiciário, incluindo grupos no WhatsApp, que teria produzido “certidões de inteligência” para incriminar bolsonaristas após os eventos de 8 de janeiro de 2023. Trata-se de acusações — verdadeiras ou falsas — gravíssimas e que, se a imprensa tivesse de fato a preocupação de informar e fiscalizar, deveriam gerar muitas manchetes, para que sejam devidamente investigadas. No entanto, os veículos mais importantes da imprensa tradicional optaram por um silêncio sepulcral sobre o caso.




Outro exemplo lamentável é o do escândalo, revelado em abril, da tungada colossal aplicada nos aposentados no âmbito da Previdência, um esquema de fraudes e desvios de aposentadorias e pensões do INSS, em que sindicatos cadastravam pessoas sem autorização, com assinaturas falsas, para descontar mensalidades dos benefícios pagos pelo instituto. O prejuízo entre 2019 e 2024 pode ter chegado a R$ 6,3 bilhões. A imprensa estampou o fato durante alguns dias (já que não poderia mesmo deixar de fazê-lo), o então ministro da Previdência e o presidente do INSS foram demitidos, o governo prometeu que os aposentados seriam ressarcidos, mas eles continuam até hoje a ver navios, enquanto a imprensa parece ter mergulhado no mar do silêncio para esconder-se. 

O terceiro diz respeito à narrativa estapafúrdia do governo de que Trump, ao abolir vistos e aplicar a Lei Magnitsky a brasileiros, está se metendo em nossa soberania, baboseira apresentada por jornalistas arrogantes e “especialistas” pedantes naquelas rodas de estúdios como se fosse uma verdade inquestionável, embora eles próprios saibam que é apenas um expediente sem qualquer fundamento do presidente do país para ganhar popularidade explorando um falso nacionalismo. 


O presidente dos EUA, Donald Trump, responde a uma pergunta da imprensa durante uma visita ao Kennedy Center em Washington, D.C., EUA (13/8/2025) | Foto: Reuters/Kevin Lamarque

Por fim, temos a cobertura dos vários protestos realizados pela oposição, que levaram multidões às ruas, sempre minimizados como se fossem “atos isolados”, sob a proteção supostamente científica de misteriosos “especialistas em contar manifestantes da USP”. 

Para simplificar, a regra parece ser: elogiar sem qualquer laivo de vergonha tudo o que o governo e seus aliados no Legislativo e Judiciário dizem ou fazem e ser tímido como uma criança obrigada a falar em público quando se trata de criticá-los. É importante recordar que essa timidez contrasta com a cobertura agressiva dos mesmos veículos durante o governo de Bolsonaro, quando a imprensa destacava intensamente polêmicas como a gestão da pandemia e criticava praticamente todas as declarações do então presidente, chegando até a repercutir com seriedade aquela acusação inacreditável de que ele teria “importunado” uma baleia. 



Artigo do jornal O Globo veiculado em 27/2/2024 | Foto: Reprodução O Globo 


Causas estruturais 

Quais são as causas estruturais, históricas e culturais desse fenômeno? Por que existe um domínio da esquerda no jornalismo? Ou, reformulando sem papas na língua, por que a imprensa tem mentido e desinformado tanto, ao ponto de sacrificar a própria credibilidade? 

Essa conformidade subserviente da imprensa tradicional à pauta esquerdista tem causas profundas. A primeira diz respeito à guerra cultural, que remonta a Gramsci e aos teóricos de Frankfurt, que levou, desde os anos 1960, as ciências humanas, em geral, e o jornalismo em particular, a ser moldado por uma intelligentsia acadêmica (ou, mais adequadamente, uma “burritzia”) marxista e progressista. Desde então — e cada vez com maior intensidade — o que se observa não é a formação de jornalistas comprometidos com a informação, mas verdadeiros militantes completamente ignorantes em economia e sem qualquer embasamento filosófico, porém treinados para defenderem mecanicamente as pautas de “justiça social”, “combate às desigualdades”, “defesa das minorias” e qualquer crítica ao capitalismo em geral. 

Em segundo lugar, a imprensa tradicional depende financeiramente do Estado. Na verdade, a relação entre mídia e governo é historicamente problemática no Brasil. Ainda nos anos 1950, o jornal Última Hora, de Samuel Wainer, foi acusado por Carlos Lacerda de receber favores do Banco do Brasil, na forma de empréstimos e facilidades. O episódio, que em 1953 transformou-se em um escândalo contra o governo de Getúlio Vargas, foi central na discussão sobre o uso de recursos públicos para sustentar veículos de comunicação. Recentemente, em 2023, segundo o TCU, o governo destinou cerca de R$ 1,7 bilhão para publicidade, mas a opacidade dos critérios de distribuição desperta suspeitas de favorecimentos: veículos que recebem fatias significativas dessas verbas naturalmente evitam críticas e passam até a agir como porta-vozes do governo. Afinal, como Thomas Sowell observou, “quem paga a conta determina a música”. Dependência financeira compromete a independência jornalística.


Carlos Lacerda, em 1954 - Foto: Domínio Público/Arquivo Nacional


A terceira causa é o clima de intimidação institucional, típico de ditaduras, que vem ocorrendo desde 2019 no país, em que ações de membros do STF, como perseguições a jornalistas e a remoção de conteúdos no X de formadores de opinião — todos, curiosamente, da dita direita —, criam um ambiente de medo. Em 2024, vários perfis conservadores foram suspensos na rede X mediante alegações no mínimo discutíveis, mas a imprensa tradicional, além de não questionar as medidas, tratou-as como se fossem a coisa mais natural do mundo. Em um ambiente assim, é lógico que a mídia evita confrontar as autoridades, por medo de sofrer represálias. 

Em quarto lugar, prevalece em nível mundial uma espécie de monocultura ideológica nas redações, como mostrou um estudo do Manhattan Institute de 2023 sobre redações ocidentais, revelando que 80% dos jornalistas se identificam com pautas progressistas, um padrão que certamente se aplica também ao Brasil. Embora veículos tradicionais até publiquem artigos de colunistas conservadores, suas linhas editoriais gerais e manchetes priorizam pautas de esquerda. Assim, por exemplo, a imprensa dedica amplo espaço ao discurso identitário, sem questionar suas implicações sociais e respeitar a Biologia; em 2024, a cobertura da Lei de Cotas Raciais foi majoritariamente favorável, ignorando as justas críticas sobre o desestímulo à meritocracia e as divisões provocadas na sociedade; por sua vez, muitas matérias exaltam o ambientalismo globalista que caracteriza a agenda do governo, sem menção aos custos econômicos que impõe ao agronegócio e tratando — quando chegam a ser tratadas — as críticas de produtores rurais como coisa de reacionários.

Essa verdadeira monocultura jornalística, imposta por uma elite que se acha ungida e quer impor sua visão de mundo como verdade absoluta, vem pagando o preço das suas mentiras: o descrédito. A cumplicidade da imprensa com o regime oficial tem consequências graves, entre as quais a erosão da liberdade de expressão, fatal para o Estado de Direito; a perda da credibilidade, comprovada por pesquisa do Datafolha de 2024 mostrando que apenas 30% dos brasileiros confiam na imprensa tradicional, um recorde de baixa a comprovar a insatisfação popular; e a desconexão entre a mídia e o público, uma vez que o povo já não acredita no que os velhos órgãos de imprensa noticiam.


Foto: Shutterstock 

Como restaurar a credibilidade? 

A subserviência da imprensa tradicional às pautas progressistas é, portanto, um reflexo da hegemonia esquerdista enraizada na cultura, da dependência financeira e da intimidação institucional, em uma dinâmica perversa que compromete a liberdade de imprensa e a pluralidade democrática e alimenta a desconfiança pública. A liberdade exige permanente vigilância e a imprensa deve ser um bastião contra o avanço do Estado sobre as liberdades dos cidadãos. Restaurar sua independência e neutralidade exige transparência, pluralismo e um retorno aos princípios de verdade e responsabilidade. Uma imprensa verdadeiramente livre é essencial para preservar a democracia e os ideais de liberdade individual e ordem social. 


Combater a subserviência ao poder e o quase monopólio esquerdista que prevalece na imprensa exige transparência nas verbas públicas de publicidade, com auditorias públicas pormenorizadas de gastos e sanções severas para favorecimentos; ausência de obstáculos para que a mídia independente possa desenvolver o seu trabalho, competindo com os veículos tradicionais na busca por informar melhor; leis que limitem a intervenção estatal em conteúdos jornalísticos e impeçam que vozes dissidentes sejam perseguidas; adoção de um jornalismo informativo e baseado em dados concretos; e, no longo prazo, uma reforma substancial nos currículos dos cursos de jornalismo, com a erradicação da doutrinação marxistaprogressista e a abertura para o pluralismo. Não se trata de calar a mídia independente a pretexto de “regulá-la”, isto é, censurá-la, mas de garantir a existência de competição no mercado de informações, de maneira a permitir que vença quem informa com correção e compromisso com a verdade. 


Ao abdicar de seus papéis de informar e fiscalizar, a imprensa tradicional trai a democracia e força o público a buscar a verdade em fontes alternativas. Restaurar a independência jornalística exige transparência, pluralismo e coragem para confrontar o Deep State. Uma imprensa verdadeiramente isenta e livre é essencial para preservar a liberdade individual e a ordem democrática.

 

Foto: Shutterstock 

A continuarem as coisas do jeito que estão, a credibilidade vai desaparecer totalmente. Todavia, ainda há, infelizmente, quem, mesmo não sendo esquerdista, por se informar apenas pelos canais de mídia tradicionais, age como um “isento” saudosista dos tucanos, acredita que Trump está errado e que a “extrema-direita” quer mesmo prejudicar o país. Algumas pessoas — talvez por conseguirem (com certo esforço) pensar um pouco por conta própria — chegam até a admitir, embora timidamente, “excessos” da parte de membros do STF. Mas parece difícil abdicarem do conforto de receber, no sofá da sala, três ou quatro minutos de informações devidamente filtradas e embaladas e parece muito mais aflitivo admitirem que — durante a vida inteira — foram enganadas e manipuladas, que não devem mais acreditar nos “especialistas” de TV e que continuam sendo feitas de idiotas diariamente.

Em suma, a imprensa tradicional perdeu a credibilidade porque deixou de ser imprensa para virar um partido político disfarçado. Vive de verbas públicas, repete mantras e estribilhos progressistas, substitui notícia por militância, informação por manipulação e fatos por narrativas e não admite erro nem quando a prova é evidente. Fechada em suas redações ideologizadas, mantém um solilóquio contra o país real, aquele que valoriza a família, a vida, a liberdade, a propriedade, a honestidade, o império da lei e a meritocracia. Sorte que inventaram a internet, que nos ensinou a viver sem a velha mídia e sem sentir a sua falta. 

Ubiratan Jorge Iorio - Revista Oeste