quinta-feira, 7 de agosto de 2025

'O exorcista no Céu', por Tiago Pavinatto

 Guzzo tinha como propósio dar o inferno aos demônios que possuíam e possuem o seu amado Brasil. Esse é, afinal, o propósito de todo jornalista verdadeiro


Foto: Shutterstock

U m exorcista foi ao Pai: neste mundo dominado pelo Direito, ele estaria, ainda, no purgatório. Está, agora, no plano celestial, onde não existe Direito, mas a verdadeira Justiça. 

Contudo, nos últimos 6 anos (seis: número tão estimado pela Besta e por bestas), esse exorcista residia no Inferno, espaço tropical conhecidíssimo pela propaganda enganosa sobre Direito e Justiça, mas sem o direito ao Direito nem à Justiça. Sorte dele que está no Céu. 

Repetindo uma das famigeradas frases dos marqueteiros desse plano quente, desse regime que engorda glutões e emagrece quem passa fome, eu apenas posso lamentar e dizer: “Ainda estou aqui!”. 

E você também. Todos nós estamos aqui; inclusive os analfabetos insensíveis, as prostitutas que nunca fizeram amor e todos os incautos que acreditam cegamente na cegonha, que, aniquilada a soberania gramatical e amaldiçoada a semântica (em falimentar dívida histórica pelo pecado original “pedofilológico”), torna-se sinônimo de cegante. 

Sentirei falta do nosso exorcista, que ainda não apresentei ao leitor, embora ele dispense apresentações. Nenhum desconhecido pode apresentar o conhecido, afinal. 

Exorcista? Ora, um exorcista é um homem de fé; é um homem de Deus. Um exorcista sabe reconhecer, como ninguém, o diabo; é soldado de uma espécie de infantaria solitária no exército do Bem, pois, por instinto, esse “sommelier” do enxofre contribui para evitar a carnificina do exército rival: ele, a quem não interessam nem joio, nem joias, tem o intrigante interesse de libertar soldados possuídos pelo Inimigo. 

O exorcista, em suma, aos demônios dá o Inferno.


Aos 82 anos de idade recém-completados, José Roberto Dias Guzzo, nosso J. R. Guzzo, tão nosso quanto a jabuticaba, morreu na madrugada do último sábado, 2 de agosto. Sim! O exorcista em tela é o maior jornalista do Brasil; meu chefe em Oeste; meu amigo nestes últimos anos; meu ídolo. Guzzo transformou a criança Tiago no leitor Tiago, que se tornaria o escritor Pavinatto. Ninguém, em nosso tempo, é capaz de escrever de forma tão sublime; o que prova vivermos no dantesco Reino da Mentira: enquanto a melhor pena do nosso tempo é criativamente perseguida, temos uma Academia de Letras tão sem sentido quanto a sigla LGBTQIAPN+ e, ainda, um sujeito “patético e medíocre” finalista do Jabuti — particularmente, penso que premiar um autor com problemas de concordância, crase, vírgula e confusão entre “mas” e “mais”, equivale a expor os quadrinhos toscos do pintor Hitler ao lado da Monalisa. 

Não tenho dúvida: Guzzo, o exorcista da política nacional, foi dessa pra melhor. 
Foto: Shutterstock.


Guzzo tinha como propósito dar o inferno aos demônios que possuíam e possuem o seu amado Brasil. Esse é, afinal, o propósito de todo jornalista verdadeiro… mas sabem como funciona no Estado da Mentira, não? Ainda mais onde “verdadeiro” rima com “dinheiro”.

“Keep giving them hell, my friend.” (Em português: “Continue lhes dando inferno, meu amigo.”)


Foto: Shutterstock 

Essa era, assim mesmo em inglês, a mensagem que Guzzo sempre me escrevia quando eu fazia as minhas críticas mais ferozes e as estripulias mais impensáveis para criticar alguém ao vivo no Faroeste à Brasileira. “Give them hell”, ele me dizia em aprovação a cada artigo que submeti à publicação na Revista Oeste.

Nunca perguntei ao Guzzo sobre o motivo da frase em inglês. Imagino que sua predileção vinha de Give ‘em Hell, Harry!, que chegou às telas do cinema em 1975. 

Escrito pelo dramaturgo Samuel Gallu, trata-se de um monólogo fictício do 33º presidente dos Estados Unidos (1945-1953), Harry Truman (interpretação que rendeu ao ator James Whitmore a sua segunda indicação ao Oscar e outra ao Globo de Ouro), no qual ele relembra e ri de fatos da sua vida pública e pessoal. “Give ‘em Hell”, pois, afinal, o presidente Truman era conhecido como o único político de seu tempo com culhão para dizer, sem filtro, tudo o que pensava diretamente ao povo americano. 

Truman implementou o Plano Marshall depois da Segunda Guerra Mundial e estabeleceu, além da Otan para conter a expansão do comunismo soviético, uma doutrina que leva seu nome: a Doutrina Truman. Enfim: Truman deu inferno aos demônios comunistas. 

Guzzo, o exorcista da política brasileira, deu aos demônios da República o inferno que lhes compete (o inferno que mereciam e ainda merecem). A este aprendiz de exorcista ensinou e cravou, com sucesso, a doutrina do bom combate jornalístico nestes tempos insanos e hipócritas em que a mentira vence pelo poder de compra: aos demônios da República, o inferno.

Mestre Guzzo, prometo engolir a minha tristeza e continuar a cumprir sua ordem… não importa se o tinhoso é careca ou dama emergente e vulgar: darei a ele, enquanto puder, o círculo mais quente do Inferno.

Tiago Pavinatto - Revista Oesto