Ex-assessor no tribunal denunciou, há um ano, a ordem para investigar redes sociais de 1,5 mil presos pelo 8 de janeiro
Quatro dias depois de o ex-assessor da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Eduardo Tagliaferro confirmar a Oeste que o ministro Alexandre de Moraes havia o encarregado de investigar os detidos do 8 de janeiro, a chefe do gabinete do ministro no Supremo Tribunal Federal (STF), Cristina Kusahara, tentou apagar os vestígios da operação em um dos grupos onde as ordens eram dadas.
A informação está presente em uma reportagem dos jornalistas David Ágape, Eli Vieira e Michael Shellenberger. Na publicação, divulgada nesta segunda-feira, 4, os profissionais expõem que o STF usou publicações encontradas nas redes sociais dos detidos para embasar as prisões.
Em 27 de agosto de 2024, Cristina alterou o nome do grupo para “Audiências de Custódia”, restringiu as permissões de postagem e começou a remover discretamente os participantes. Para os jornalistas, as mudanças indicam uma tentativa de apagar os rastros da operação poucas horas depois de sua confirmação pública por um dos envolvidos.
Como funcionava a “investigação” no TSE
De acordo com a reportagem, a pedido de Moraes, funcionários da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, criada para monitorar conteúdo eleitoral, servidores foram mobilizados para classificar os manifestantes com base em postagens em redes sociais e outros indícios considerados “antidemocráticos”.
A triagem foi feita de forma improvisada e com pressa. Cada detido recebia uma “certidão” — positiva ou negativa — a partir de uma varredura digital que incluía fotos, comentários políticos, memes e interações em aplicativos como Facebook, X, Telegram e WhatsApp.
As certidões positivas, mesmo sem valor jurídico formal, foram decisivas para manter pessoas presas, segundo os próprios envolvidos. Nenhuma delas foi incluída oficialmente nos autos dos processos ou compartilhada com as defesas.
A operação era coordenada por meio de grupos no WhatsApp liderados por Cristina Kusahara, chefe de gabinete de Moraes no STF, que dava ordens diretas aos servidores do TSE. Mesmo sem cargo formal no tribunal eleitoral, ela determinava prazos, conteúdo das certidões e cobrava produtividade.
A entrevista de Tagliaferro a Oeste
A entrevista de Oeste foi publicada em 23 de agosto de 2024. Nela, Tagliaferro relatou como era o trabalho com o ministro. Na época, ele explicou que as demandas mais urgentes eram repassadas para ele e sua equipe, e que ele ficou responsável por analisar cada um dos 1,5 mil nomes repassados pelo STF.
“Eu recebia o material por WhatsApp, porque o ministro era tanto do STF quanto do TSE”, explicou Tagliaferro, na época. “Existia certa urgência para atuar, para intervir, porque o discurso sempre era de que iria ter golpe, que iria ter alguma coisa desse gênero. Então, o medo era de que, se não fosse ágil, algo poderia acontecer ao país. O trabalho era muito rápido. O relatório, de minha parte, era oficial. Se havia mensagens de ódio, informava. Havia denúncias anônimas, mas também houve denúncias que vinham do próprio ministro.”
O depoimento de Tagliaferro é reforçado pelo conteúdo das mensagens obtidas pelos jornalistas. Em um dos trechos, Cristina Kusahara pressiona o servidor e sua equipe por mais agilidade, alegando que o ritmo exigido por Moraes era diferente do “tempo do TSE”. As conversas revelam que ela desconsiderava alertas sobre legalidade e falhas técnicas, alegando que não havia “tempo para filosofar”.
Rachel Diaz - Revista Oeste