Elas morrem quando se troca a imparcialidade pela militância, quando o ódio por um espectro ideológico fala mais alto do que a defesa dos valores republicanos
E m palestra no Senado esta semana, o escritor americano Steven Levitsky, autor de Como as Democracias Morrem, afirmou ser “irônico” o fato de o governo de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, punir o Brasil por “fazer o que os americanos deveriam ter feito”. “Como cidadão americano, eu sinto vergonha dessa situação”, disse nesta terça-feira, 12, durante seminário em Brasília.
“O que sobressai no caso do Brasil é a Suprema Corte. A Suprema Corte americana atrapalhou os esforços para pararem o Trump. Já a brasileira está agressivamente tentando processar Bolsonaro. Essencialmente, eles são super-heróis que ficaram de pé defendendo a democracia contra Bolsonaro”, afirmou Levitsky. Ou seja, o autor lamenta, em essência, que a Suprema Corte americana não foi tomada por um ativismo político como foi a brasileira.
Ironicamente, é exatamente assim que as democracias morrem: quando o viés político justifica a instrumentalização da Justiça para perseguir opositores. Elas morrem quando se troca a imparcialidade pela militância, quando o ódio por um espectro ideológico fala mais alto do que a defesa dos valores republicanos.
O escritor pode tentar se convencer o quanto quiser de que Trump representa uma ameaça terrível à democracia, mas ele não apresenta fatos — apenas uma opinião subjetiva. Mencionar a invasão ao Capitólio é somente uma narrativa, pois ficou claro que Trump não teve qualquer participação direta naquilo, e que coisas estranhas aconteceram para permitir ou mesmo facilitar a ação dos invasores. Não obstante, e todos condenaram o evento, a democracia seguiu inabalada ali. Mas não sobreviveria se os juízes da Suprema Corte virassem agentes políticos, como ocorreu no Brasil.
Talvez Levitsky não conheça os detalhes no Brasil, e por ignorância aplaude o que não entende. Talvez ele não saiba que o STF sequer tem competência para julgar o ex-presidente Bolsonaro. Talvez ele não tenha noção de que Alexandre de Moraes virou vítima, procurador, investigador e juiz, tudo ao mesmo tempo, nesse julgamento parcial. Ou talvez ninguém tenha dito ao escritor que tudo se baseia na colaboração de Mauro Cid, repleta de contradições e sem qualquer prova concreta sobre o tal “golpe” que seria dado.
Pode ser ainda que Levitsky não tenha conhecimento de prisões arbitrárias, como a de Débora, cabeleireira sem antecedente criminal, condenada a 14 anos de prisão por escrever com um batom na estátua da Justiça. Pois, assumindo que o escritor saiba dessas coisas, seria muito estranho concluir que é assim que se “salva” uma democracia, em vez de matá-la de vez. Democracias morrem, afinal, quando o devido processo legal é jogado para escanteio e o arbítrio toma conta do Poder Judiciário.
Chamar os ministros do STF de “super-heróis” chega a ser constrangedor quando até o esquerdista The New York Times admite que Moraes “prendeu pessoas sem julgamento por ameaças feitas online, bloqueou veículos de imprensa de publicar conteúdo crítico a políticos e ordenou a remoção de contas populares nas redes sociais, recusando-se a explicar como elas ameaçavam a democracia”.
Talvez seja o “preço” a ser pago para salvar a democracia? Os heróis do escritor praticaram um golpe de estado, segundo a coluna de Mary O’Grady em The Wall Street Journal. Mas, novamente, deve ser o preço aceitável para “pegar” Bolsonaro, a verdadeira ameaça à democracia, segundo o escritor. Eis como as democracias de fato morrem: quando você define seu adversário político como “fascista” e passa a justificar todos os métodos fascistas para derrotá-lo.
As democracias morrem quando jornalistas são censurados em nome do combate à “desinformação” ou ao “discurso de ódio”, criando-se o crime de opinião por canetada da Suprema Corte. As democracias morrem quando se criminalizam as críticas ao processo eleitoral. Elas sucumbem quando somente um lado ideológico é alvo de inquéritos, e pior: por suas opiniões, não por crimes cometidos!
Morrem as democracias quando quem deveria ser juiz imparcial se gaba de ter derrotado um dos lados políticos. “Derrotamos o bolsonarismo”; “Perdeu mané, não amola”: essas são frases que atestam o óbito da democracia se ditas por quem deveria cuidar com isonomia do processo eleitoral. Talvez Levitsky não saiba de nada disso. Ou talvez ele saiba e não ligue, o que o coloca como alguém perigoso para a própria democracia que tanto diz defender.
Às vezes, as democracias são ameaçadas por figuras populistas autoritárias, gente caricata com um perfil fascista. Mas muitas outras vezes as democracias se veem ameaçadas justamente por lobos em pele de cordeiro, por “democratas” que juram defendê-las, mas que pregam métodos autoritários sob o pretexto de que é preciso fazer de tudo para combater os “fascistas” imaginários.
Não há nada tão perigoso para a democracia como o aparelhamento do Estado por militantes, a instrumentalização da Justiça por agentes políticos. Foi o que a turma democrata tentou fazer nos Estados Unidos, e quase conseguiu. Foi o que a turma tucanopetista conseguiu efetivar no Brasil. E por isso nossa democracia morreu de fato, enquanto a americana continua viva.
Rodrigo Constantino - Revista Oeste