A inutilidade dos 40 ministérios ajuda a explicar por que o Executivo respira por aparelhos manuseados pelo STF
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista no Palácio da Alvorada | Foto: Montagem Revista Oeste/REUTERS/Adriano Machado
Picanha e cervejinha para todos, pleno emprego e desenvolvimento social. Essas foram as principais promessas que, durante a posse, o presidente Lula reafirmou que cumpriria. Na campanha eleitoral, o petista acusou seu maior adversário, Jair Bolsonaro, de ter “quebrado o Brasil” e deixado uma “herança maldita” para a população. Lula garantiu ainda que, para “recuperar o que está aí”, teria de ter um grupo de “gente capaz” a fim de pôr o país nos eixos e atender a todos os espectros da sociedade, sobretudo negros, indígenas, mulheres e LGBTs.
A narrativa, contudo, não resiste aos fatos. Pouco mais de dois anos depois, o contraste entre o discurso e a prática revela um governo em estado terminal: ideias que não saíram do papel, programas sociais malsucedidos, inflação galopante, índices educacionais e ambientais alarmantes e obras paradas. Em síntese, as cerca de 40 pastas não se destacam pelos resultados, mas pela incompetência.
Executivo em coma
A Secretaria de Relações Institucionais resume a tragédia do Executivo. A pasta, que deveria articular maioria no Congresso Nacional, acumula derrotas estratégicas, sem conseguir consolidar uma base confiável. Parlamentares de centro e até aliados históricos do PT reclamam da falta de diálogo efetivo, da lentidão na liberação de emendas e da incapacidade de cumprir acordos. Em vez de construir pontes, a secretaria multiplicou arestas, expondo um governo que depende cada vez mais de favores do Poder Judiciário para conseguir qualquer tipo de sobrevida política.
A dança das cadeiras não trouxe resultados. O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) deixou a cadeira fragilizado e Gleisi Hoffmann, mesmo com histórico de liderança partidária nas fileiras do PT, não tem conseguido reverter a situação. Medidas provisórias caducaram, comissões foram dominadas pela oposição e projetos considerados vitais pelo governo seguem travados. A derrota mais recente ocorreu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A presidência e a relatoria eram tidas como certas pelo governo. No entanto, o Executivo perdeu esses principais postos para a oposição.
Outras pastas que escancaram o desastre de Lula são a Fazenda e o Planejamento. Fernando Haddad transformou-se em fiador de um arcabouço fiscal que não se sustenta e de uma política econômica refém do aumento de impostos. O ministro prometeu equilíbrio, mas entregou déficit e insegurança. Em 2023, o governo registrou rombo de R$ 230,5 bilhões nas contas públicas, o pior resultado desde 2020. A promessa de zerar o déficit em 2024 já foi abandonada, diante de uma arrecadação que cresce menos que o previsto e de gastos que disparam. A economia patina: o PIB brasileiro avançou apenas 2,9% em 2023 e desacelerou para 2,1% em 2024, abaixo das expectativas vendidas pelo Planalto. A inflação voltou a pressionar alimentos e combustíveis, e investidores apontam falta de credibilidade da política fiscal, sustentada por remendos e apostas em mais carga tributária que corrói toda a economia.
Simone Tebet, braço direito de Haddad, não conseguiu imprimir marca própria. Seu ministério ficou conhecido mais pelos episódios pitorescos. O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, subordinado à sua estrutura, virou piada nacional ao apresentar um mapa-múndi de ponta cabeça em cerimônia oficial. Além disso, o Censo 2022, divulgado sob sua gestão, revelou uma população menor do que a projetada e com lacunas estatísticas, reforçando a percepção de falhas técnicas. Tebet, que entrou como promessa de “racionalidade” em meio a uma gestão notória por gastar, virou mera figurante.
No Meio Ambiente, Marina Silva prometeu recuperar a imagem internacional do Brasil, mas enfrenta números que desmentem o discurso. Em 2024, o país registrou um aumento de 150% na área queimada em relação a 2023, o equivalente ao território de Roraima, e as emissões de carbono bateram recordes. O desmatamento na Amazônia, embora tenha oscilado em alguns períodos, voltou a avançar em ritmo preocupante, pondo em xeque a narrativa oficial. Para agravar, a preparação da COP30 em Belém virou motivo de críticas: obras de infraestrutura estão atrasadas, a rede hoteleira não comporta a demanda prevista e ambientalistas acusam o governo de vender uma vitrine internacional sem garantir condições mínimas para o evento. O resultado é uma ministra mais eficiente no palanque global do que no combate real à destruição das florestas no Brasil.
Nos Povos Indígenas, Sonia Guajajara entrou com a promessa de acelerar demarcações. A realidade mostrou outro cenário. A emergência humanitária entre os Yanomami escancarou a falta de coordenação: denúncias apontam que o próprio governo dificultou operações de socorro, atrasando a entrega de alimentos e o apoio logístico. Enquanto indígenas sofriam com fome e doenças, o governo se perdia em disputas internas de poder. No Congresso, a situação não foi melhor. Guajajara viu a base governista ser derrotada na votação do marco temporal.
À frente da Igualdade Racial, Anielle Franco anunciou em 2023 um pacote de R$ 956 milhões para enfrentar o “racismo estrutural”. Dois anos depois, não há transparência sobre a execução desses recursos. Conforme o mais recente Atlas da Violência, volta e meia citado pela esquerda, aproximadamente 80% das vítimas de mortes violentas no país são negras — índice semelhante ao registrado antes da criação da pasta.
A Educação, que foi lema da administração Dilma, acumula promessas frustradas. Apesar de discursos sobre a retomada de investimentos, o país segue com escolas sucateadas, universidades em crise orçamentária e indicadores de aprendizagem em queda. Em 2023, apenas 56% das crianças brasileiras estavam alfabetizadas na idade certa, segundo dados oficiais do MEC, um índice pior do que em 2019, antes da pandemia. Ou seja: quase metade dos alunos chega ao 3º ano do ensino fundamental sem saber ler e escrever plenamente.
O Pé-deMeia, criado para pagar uma espécie de “poupança” a estudantes do ensino médio, também virou exemplo de improviso. Vendido como política inovadora para combater a evasão, nasceu cheio de entraves: falhas de cadastro, critérios confusos de elegibilidade e repasses demorados. O governo prometeu atingir milhões de beneficiários, mas a execução ficou aquém e escolas relataram alunos sem acesso ao benefício.
Enquanto as vitrines do governo esbanjam incompetência, outras sequer são de conhecimento do público. Entre elas está o Ministério do Microempreendedorismo, criado para abrigar o ex-governador Márcio França, que precisou sair às pressas dos Portos e Aeroportos para afagar o centrão. A Secretaria de Assuntos Estratégicos, ressuscitada por Lula como órgão auxiliar do Planalto, também virou exemplo de irrelevância e desconhecimento dentro da Esplanada. Surgiu para formular cenários, planejar o futuro e oferecer diagnósticos de médio e longo prazo, mas passou os últimos dois anos sem apresentar uma única proposta de impacto. Não entregou relatórios consistentes, não guiou decisões estratégicas e tampouco marcou presença em debates centrais sobre economia, tecnologia ou geopolítica.
Além disso, nem todos os ministros conseguem audiência com Lula. A agenda oficial escancara a distância entre o Planalto e parte significativa de sua própria equipe. Conforme levantamento do site Poder360 publicado em março deste ano, dos quase 40 ministros, pelo menos seis não eram recebidos em audiências privadas há mais de cem dias. O general Amaro, do Gabinete de Segurança Institucional, era quem amargava o maior hiato (322 dias), sem uma única reunião desde abril de 2024. Na lista de esquecidos constam ainda Margareth Menezes (Cultura), Celso Sabino (Turismo), André Fufuca (Esportes), Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e André de Paula (Pesca).
De lá para cá, não há registros de encontros particulares entre esses ministros e o petista. Paralelo ao descaso com seus próprios ministros, Lula esnoba os problemas internos do Brasil. Ainda segundo a pesquisa, do início do governo até maio de 2025, o petista passou 106 dias fora do Brasil, em quase 50 viagens.
Respirando por aparelhos
O que a gestão Lula 3 revelou até agora é que sobrevive não pela força de suas próprias entregas, mas pelo socorro de agentes externos. A vitalidade do Executivo não vem de resultados concretos, e sim da força motriz fornecida pelo Supremo Tribunal Federal e pelo establishment político e empresarial que controla Brasília e o país inteiro.
No Parlamento, a dependência fica ainda mais evidente. Lula recorre a figuras como Hugo Motta (Republicanos-PB), herdeiro de um clã político marcado por escândalos de corrupção, que teme acordar com a Polícia Federal em sua porta. Para demonstrar fidelidade ao Planalto, Motta aprovou em apenas cinco segundos a urgência do PL da Adultização Infantil — projeto que interessa ao governo por ampliar instrumentos de censura na internet. São muletas parlamentares que prolongam a sobrevida de uma gestão sem musculatura própria. O saldo é o de um Executivo entubado, incapaz de respirar sozinho.
Cristyan Costa - Revista Oeste