Com salários que furam o teto constitucional e uma lista de
privilégios, magistrados compõem a elite do funcionalismo, mas
entregam pouco aos pagadores de impostos
O
olhar atento para as dezenas de itens que aparecem nos
contracheques dos 18 mil juízes brasileiros ajuda a explicar
por que o funcionalismo público virou um problema no país.
Os dados disponíveis na base do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) mostram que o teto constitucional — hoje de R$ 44 mil —
não é respeitado quando se trata dos magistrados. Pelo contrário: os
salários chegam a dobrar com benefícios e penduricalhos que,
seguramente, os pagadores de impostos nem sequer sabem que
existem.
Os números compõem um estudo feito pela Transparência Brasil
com os contracheques de juízes estaduais entregues ao CNJ. No ano
passado, foram gastos pelo menos R$ 4,5 bilhões acima do teto
constitucional — que, na época do estudo, era de R$ 41,3 mil. O país
tem 91 tribunais. Esses bilhões, contudo, são subestimados porque só
18 Estados abasteceram a base do CNJ com todas as informações.
Estão incompletos os cadastros de Mato Grosso, Amapá, Pará, Paraíba,
Ceará, Tocantins, Sergipe e Distrito Federal. O Piauí não publicou os
contracheques. Além disso, não foram contabilizados pagamentos de
13º salário e adicional de um terço de férias. As Cortes superiores de
Brasília e os tribunais eleitorais não entram nessa conta.
De largada, algumas informações são alarmantes: todos os tribunais
pagam salário médio acima do teto constitucional; o campeão é Mato
Grosso do Sul, com R$ 85,7 mil; e um grupo de 565 juízes espalhados
pelo país ganha mais de R$ 100 mil por mês. O estudo encontrou ainda
78 juízes que furaram o teto no ano passaado em mais de R$ 1 milhão
por causa de benefícios indenizatórios.
Fonte Transparência Brasil
Em relação aos 18 tribunais analisados
Esse drible no teto foi “legalizado” por meio de uma emenda
constitucional aprovada no Congresso em 2005, no primeiro mandato
de Lula. Diz o texto que “não serão computadas, para efeito dos limites
remuneratórios, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”.
O resultado é uma chuva de penduricalhos. O malabarismo é tamanho
que, ao detalhar os valores pagos, descobre-se a excrescência de 2,6
mil rubricas distintas de benefícios — sim, o número é este: 2.600.
Outra informação relevante é que não há padronização nas folhas de
pagamento. Ou seja, elas mudam de um Estado para outro. Há dezenas
de nomenclaturas genéricas, como “Pagamentos retroativos” ou
“Gratificação por acumulação de acervo”. E casos ainda piores, com o
uso de números no campo descritivo: “13.022,34”. O que esses
números significam? Só quem recebe o benefício sabe dizer do que se
trata. A própria Transparência Brasil chegou a assinar um termo de
cooperação com o CNJ para tentar padronizar e abrir os dados do
painel de remuneração dos juízes, mas até agora não houve resultado.
O período de férias dos magistrados é de 60 dias por ano, com a
possibilidade de “vender” 20 dias e ficar com o dinheiro. Há regalias
conhecidas, como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, plano de
Olá,Jose
20/09/2024, 10:46 Sindicato de juízes - Revista Oeste
https://revistaoeste.com/revista/edicao-235/sindicato-de-juizes/ 4/11
saúde, gratificação de Natal, pré-escolar para quem tem filhos — há
prêmio quando o bebê nasce —, adicional noturno, “licença para
capacitação”, passagens aéreas, entre outras benesses
impressionantes.
Por exemplo: provavelmente, a maioria dos brasileiros não sabe que os
magistrados recebem uma “licença compensatória” por sobrecarga de
trabalho ou acúmulo de serviço. Traduzindo: eles ganham um terço de
adicional no salário se, por exemplo, substituem um colega durante a
semana ou acumulam muitos processos na mesa. Logo, ganham “dias
de folga”, que podem ser convertidos em dinheiro extra — como se
trata de verba compensatória, está liberada para furar o teto
constitucional. Os magistrados podem acumular até dez dias de folga por mês.
Não para por aí. A partir de janeiro do ano que vem, passarão a receber
adicional de R$ 7 mil — ou poderão tirar folga a cada quatro dias de
trabalho — se despacharem em cidades do interior do país. A regra vale
para municípios com menos de 30 mil habitantes, em zonas de fronteira
internacional ou se estiverem lotados a 400 quilômetros da capital do
Estado. O nome desse benefício é quase um parágrafo: “Política Pública
de Estímulo à Lotação e à Permanência de Magistrados(as) em Comarcas
de Difícil Provimento”.
“Esse volume de dinheiro em pagamentos de benefícios e outros
penduricalhos do Judiciário seria suficiente para cobrir políticas públicas
relevantes para a sociedade”, afirma Marina Atoji, diretora da
Transparência Brasil. “A Constituição determina o teto, mas os próprios
atores é que legitimam ou não o que vem na legislação — e eles atuam
para legitimar benefícios para si próprios”
Judiciário mais caro do mundo
Em janeiro, um relatório da Secretaria do Tesouro Nacional mostrou que o
Brasil desembolsa 1,6% do produto interno bruto (PIB) com o Judiciário,
algo em torno de R$ 160 bilhões. Desse montante, 84% são usados para
bancar salários e aposentadorias. É a Justiça mais cara do mundo
num ranking com 53 países, ladeada por concorrentes que não causam
inveja, como Costa Rica, El Salvador e Guatemala. A média em economias
mais vistosas pelo planeta é de 0,3% do PIB.
O jornal O Estado de S.Paulo tratou do tema em editorial na semana
passada. O texto chamou a atenção para o discurso, em tom de
sindicalismo de chão de fábrica, do novo corregedor nacional de Justiça, o
ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell. Embora o
cargo seja dedicado a cuidar de denúncias contra os próprios magistrados,
ele parece empenhado em ampliar salários e gratificações. O magistrado
disse que “pautas remuneratórias ingentes [enormes] precisam ser equacionadas como forma de conter a perda de bons quadros”.
Loriane Comeli e Sílvio Navarro, Revista Oeste