sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Ladrão, genocida e xenófobo: a liberdade de expressão seletiva, por Andre Marsiglia, advogado

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É comum pessoas, juízes e governantes dizerem que é muito simples exercer sem risco a liberdade de expressão no país, sob a ponderação de que, para isso, basta ter responsabilidade. Muito bonito na teoria, mas e na prática? Vamos aos fatos: o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) está sendo processado, no Supremo Tribunal Federal (STF), em caso sob os cuidados do ministro Luiz Fux, por chamar, durante discurso realizado na Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Lula de “ladrão”. 

Já a deputada federal Júlia Zanatta (PL) processou um comunicador que se referiu a ela como praticante de xenofobia, e o Judiciário, no último dia 5, entendeu que se tratava apenas de uma opinião, não de imputação de um crime. Ué, mas pode imputar crime à deputada e, ao presidente, não pode? A opinião de um vale mais que a do outro? Não sei o leitor, mas estou confuso. 

Como explicar que um deputado pode usufruir menos que os outros da liberdade de expressão, mesmo com a imunidade parlamentar disposta no artigo 53 da Constituição considerando as palavras dos políticos “invioláveis”? Entendo que opiniões devem ser compreendidas de forma elástica e recepcionadas sempre pela liberdade de expressão, mas, acima de tudo, entendo que o Judiciário precisa mostrar coerência. 

E, antes que alguém zombe de minha inteligência, afirmando que a referência à Lula merece maior punição por se tratar da honra de um presidente da República, de um chefe de Estado, lembro que, em 2022, a Justiça Eleitoral decidiu que chamar o então presidente Bolsonaro de “genocida” seria conduta coberta pela liberdade de expressão. 

 sido chamado de genocida. Se parte da opinião pública dedicou a Bolsonaro, à época, este adjetivo, a Lula o mesmo também ocorreu. Se a honra de um presidente é intocável, a de todos deve ser. Uma provável explicação para tudo isso é que o pensamento de direita vem sendo visto como nocivo e extremista pela imprensa tradicional e por formadores de opinião, no Brasil. Fica na cabeça das pessoas, e dos magistrados, que aqueles que se alinham a tal ideologia devem ter menos direito à expressão que os demais. 

Isso não quer dizer necessariamente que nosso Judiciário todo seja ideológico, mas que se normalizou na cultura nacional, introjetada em todos, que o pensamento de direita é criminoso. Se for isso, é péssimo, pois o próprio debate público se inviabiliza e a voz da esquerda fica sendo a única. Nada mais tirânico. Se não for, pior ainda. Significa que não há critério algum. A coerência é não ter coerência. E as decisões sobre liberdade de expressão acabam se tornando pura subjetividade, uma biruta de aeroporto, gerando medo de se expressar e autocensura em todo mundo. 

Andre Marsiglia é advogado constitucionalista especialista em liberdade de expressão. Professor de Direito Constitucional e doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Andre Marsiglia, Revista Oeste