'Tem muita gente a prender ... Stalin, Hitler e Fidel se remexem... no inferno -Reprodução
E quitutes em Limeira (SP) para juntar-se ao acampamento montado em Brasília por manifestantes revoltados com a volta de Lula à Presidência. Acomodada sob uma barraca nos arredores do Quartel-General do Exército na capital federal, ali permaneceu até a manhã do dia 9, quando foi desfechada a operação autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e cumprida pela Polícia Federal (PF). Embora soubesse que, na véspera, uma turba de vândalos havia atacado o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e a sede do STF, dormiu em berço esplêndido, por nada ter feito de errado — afinal, ela nem saíra do acampamento quando o surto de violência atingiu o clímax na Praça dos Três Poderes. Mas não conseguiu achar alguém disposto a examinar o argumento. Enfiada à força em um ônibus por agentes da PF, a comerciante acabou enjaulada na Colmeia, em companhia de alguns culpados e centenas de inocentes metidos na multidão de 1,5 mil brasileiros capturados. Durante três meses, a viajante desorientada com os acontecimentos dividiu banhos frios e comida de péssima qualidade com algumas parceiras de infortúnio uma cela apertada na Colmeia, penitenciária feminina da capital federal. Ao ser contemplada com a liberdade provisória, descobriu que teria de obedecer a restrições que incluem o uso de tornozeleira eletrônica, a entrega do passaporte e a proibição do uso de redes sociais. Já nos primeiros dias que sucederam à volta da presa, o marido e o filho de 13 anos perceberam que a paulista andava muito diferente da mulher que existia até o embarque que culminou no protesto. Ela retornou completamente transformada em uma prisioneira do medo. Há um ano e meio, a ambulante ainda teme caminhar na rua em frente de casa, por receio de desrespeitar ordens de Moraes, e fica paralisada quando ouve o barulho de um helicóptero. Quando vai trabalhar de manhã, aguarda religiosamente o ponteiro do relógio chegar ao número 7 para abrir a porta, visto que não pode deixar as cercanias do imóvel antes disso. Caso contrário, é ameaçada por oficiais da PF que se revezam em turnos para vigiá-la 24 horas por dia e não perdem uma oportunidade de ligar em seu celular com advertências constrangedoras. A mulher tem também hora para voltar: às 19h30, precisa estar na residência.
Com horário e limite geográfico reduzidos, não consegue chegar a locais com mais público ou ficar até tarde para ganhar um dinheiro extra, tampouco entregar os lanches que faz em casa. “Perdi boa parte da minha clientela”, lamenta. “Atendia muita gente que saía do trabalho enquanto esperava ônibus ou abastecia o carro em algum posto. O horário do rush me ajudava bastante.” Dessa forma, agora precisa recorrer a motoboys que abocanham boa parte do dinheiro das vendas. “Para não perder o freguês, divido com ele o valor da corrida e mantenho algum lucro”, conta. Sem casa própria, com menos recursos e muitas contas a pagar, não consegue ajudar o marido como gostaria. O homem, que trabalha como atendente em uma rede de fast-food, acaba arcando com a maior parte das dívidas do casal, que chegam a aproximadamente R$ 30 mil, incluindo aluguéis atrasados da época em que ela ficou presa. “Cortaram a nossa energia muitas vezes”, desabafou. “Tenho medo de bloquearem as minhas contas, onde depositam o dinheiro dos lanches, e também de levarem o meu carro, que, apesar de bem velho, é meu meio de transporte.” Recentemente, a vendedora decidiu expor o seu trabalho na internet, para fins meramente profissionais, no intuito de aumentar as vendas, mas ela própria não consegue fazer postagens porque fica com ansiedade sempre que lembra das restrições judiciais. As consequências das crises emocionais são visíveis em seu corpo: as unhas quebram com facilidade e o cabelo não só cai, como fica cada vez mais branco.
Por causa da prisão, ela não conseguiu dar continuidade ao tratamento dos pais, que lutam contra o vício em drogas. O irmão, que enfrenta o mesmo problema, chegou a morar na rua por um tempo. Após muita luta, amenizou o drama dessa parte da família. Atualmente, ela lida com outros capítulos tristes no purgatório dos inocentes. O filho da mulher emagreceu 10 quilos. Hoje, o adolescente faz terapia para tentar diminuir os problemas psicológicos que apareceram enquanto a mãe esteve presa. “Pago a terapeuta do meu filho com pães e bolos 27/09/2024, 11:49 O purgatório dos inocentes - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-236/o-purgatorio-dos-inocentes-2/ 4/7 Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes Polícia Federal (PF) porque não tenho condições de dar o que ela cobra em dinheiro”, relata a vendedora, ao mencionar que não é raro o menino acordar no meio da noite perturbado com pesadelos nos quais vê a mãe ser presa. O tormento do jovem é também o da vendedora, que levanta na madrugada suando frio e tem dificuldades para voltar a dormir, sobretudo quando se lembra das vezes em que a tornozeleira eletrônica parou de funcionar sozinha. “Agentes da PF me deram uma bronca”, diz. Por isso, antes de deitar, ela se certifica de que a bateria extra está carregada e a acopla ao equipamento. “Assim, a tornozeleira não desliga e eu tenho um pouco mais de conforto. Apesar da minha fé em Deus e de seguir na minha religião, não vejo a hora de acordar desse pesadelo.
Cristyan Costa, Revista Oeste