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A faz planos, sugere meios, motiva e mobiliza pessoas. Já a economia coloca preço nas coisas. Ao colocar preço, impõe limites ao indicar os caminhos viáveis para transformar o projeto em realidade. Ou seja, não é porque é caro para a economia que é impossível. Mas métodos devem ser seguidos com disciplina e conexão com a realidade. A política sabe disso. Quando ignora, dá errado. Na terça, 24, durante a abertura da 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York, viram-se exemplos de como a agenda ideológica desprovida de realismo e de apoio popular desmonta políticas que se pretendiam alentadoras para a humanidade.
A ONU foi criada porque a Liga das Nações não foi capaz de evitar a Segunda Guerra Mundial. Não há propósito maior e mais nobre. E, na sua história, a organização colecionou intervenções bemsucedidas na mitigação de conflitos e na assistência a perseguidos e refugiados, até ceder a uma agenda de bilionários e burocratas deslumbrados que tentam moldar o mundo de acordo com suas crenças, e de cientistas que concordam com eles.
A caricatura disso foi representada no primeiro discurso da assembleia, o do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que, na véspera, fora agraciado com um prêmio da Fundação Bill e Melinda Gates, um desses muito ricos desconectados do mundo real e com bilhões a gastar. De rapapé diplomático a grandiloquências sem sentido, ninguém com um mínimo de consciência dos fatos acreditou no presidente brasileiro. Seja pelo histórico, pela profusão de contradições, seja pelo manjado papo-furado de Lula em seu terceiro mandato. A baixíssima repercussão na mídia internacional, até com certo desprezo, é a evidência da irrelevância da diplomacia lulopetista.
Por outro lado, ao longo do dia, em um discurso enfático, o presidente argentino Javier Milei foi ao ponto ao denunciar a implosão da ONU ancorada na imposição da tal agenda 2030. Agenda esta que impõe objetivos econômicos, sociais e ambientais para todos os países. E quem não seguir corre o risco de ser cancelado globalmente pelo beautiful people de Hollywood, os bilionários da Europa e dos EUA que acordaram para o mundo depois de ficar ricos, as fundações que ofendem o Terceiro Mundo com seu paternalismo e a mídia financiada por toda essa gente. Mas Milei não tem tempo para essa turma.
Aliás, tem. Justamente para colocar luz no absurdo: “A Agenda 2030, apesar de bem-intencionada em suas metas, não é mais que um programa de governo supranacional de caráter socialista”. E continuou na sua crítica ao dizer que a agenda “pretende resolver problemas da modernidade com soluções que atentam contra a soberania dos Estados em que se quer resolver a pobreza, a desigualdade e a discriminação com legislação que só as aprofunda”.
‘A realidade é que libertamos milhões’
avier Milei tem recuperado econômica e socialmente uma Argentina em ruínas e ganhou a capa do Wall Street Journal no dia seguinte ao seu discurso na ONU. Convidado para abrir a sessão da Bolsa de Valores de Nova York, tocou o lendário sino e viu o reconhecimento do mundo à sua gestão de austeridade fiscal, redução do peso do Estado e de garantia das liberdades de expressão e econômica como valores inegociáveis. De dependente e devedora contumaz do FMI, durante a administração de seus antecessores, a Argentina de Milei hoje molda a forma de seu futuro promissor.
Por fim, sem deixar de denunciar as ditaduras “sangrentas” de Venezuela e Nicarágua, o que faltou a Lula, deu um grito de independência: “A Argentina não acompanhará nenhuma política que implique a restrição das liberdades individuais, do comércio, nem da violação dos direitos naturais dos indivíduos. Não importa quem a promova e que consenso essa instituição tenha”. Foi um tapa na cara do sistema globalista.
A rebelião contra a agenda das Nações Unidas também teve no presidente de El Salvador, Nayib Bukele, outra voz que se distancia de pretensos consensos globais para se dedicar a atender aos anseios mais básicos e necessários de seu povo, antes refém da violência. Criticado por entidades de direitos humanos brasileiras e internacionais pela forma como combateu o crime organizado em seu país, Bukele não se intimidou na sua fala mais eloquente ao mundo em plena Assembleia Geral:
“Alguns dizem que prendemos milhares, mas a realidade é que libertamos milhões. Agora são os bons que vivem livres, sem medo, com suas liberdades e direitos humanos totalmente respeitados.” E deu a receita: “Hoje, o mundo está olhando para o exemplo de El Salvador e se pergunta: ‘Como um país pode se reerguer tão rapidamente?’ Mas talvez deveriam fazer uma pergunta diferente: ‘Como o resto do mundo está desmoronando tão rapidamente?
Em El Salvador, não encarceramos nossa oposição, não censuramos opiniões, não confiscamos bens de quem pensa diferente, não prendemos pessoas por expressarem suas ideias.” Sem dar nomes, deu um recado direto ao Brasil de Lula, à Venezuela de Maduro e à Nicarágua de Ortega, de democracias que não garantem liberdades e de líderes que não protegem seus cidadãos.
Fato é que Milei e Bukele não se intimidam em defender o certo com o olhar voltado para seu povo, para o bem-estar de sua sociedade. Na ONU, as nações são unidas, não iguais. E, como defendem esses presidentes, jamais deveriam ser submissas a uma agenda feita por burocratas e bilionários sem espírito público e distanciados da realidade local ou mundial. Talvez por isso eles se incomodem tanto com Elon Musk, que defende incondicionalmente a liberdade de expressão das pessoas.
A defesa que fez da democracia brasileira sob as leis do Brasil, da nossa Constituição, contra o arbítrio e os abusos de direitos fundamentais, é exemplo inquestionável disso. Nota de R$ 3 Este contexto me leva ao decepcionante discurso do presidente Lula. Sob um país cujas liberdades democráticas estão sendo vilipendiadas pelo Supremo Tribunal Federal com anuência do Palácio do Planalto — num consórcio que assombra a separação dos Poderes e esvazia o Legislativo —, sem entidades de direitos humanos que reclamem de prisões ilegais e abusos das garantias fundamentais dos perseguidos políticos do dia 8 de janeiro de 2023, em que as florestas batem recordes de queimadas e destroem a falácia de sua pífia agenda ambiental, diante do caos fiscal e de casos crescentes de corrupção no governo que fulminam a credibilidade do país e a ascensão socioeconômica das pessoas, do que Lula fala na ONU?
De qualquer coisa, mas sempre pondo a culpa no intangível ou no indeterminado: a “crise climática” — seja lá o que isso quer dizer — e o mundo, que significa todo mundo no coletivo e ninguém no individual.
Nada mais conveniente, até porque foi incapaz de condenar as atrocidades do golpe eleitoral da ditadura de Maduro, na Venezuela, mas expôs a diplomacia brasileira uma vez mais ao ser crítico à democracia israelense na sua luta contra o terrorismo do Hamas e do Hezbollah. Mas um assunto é caro a Lula na mesma medida em que ninguém mais o leva a sério: o combate à fome. “A fome decorre sobretudo de escolhas políticas”, disse ele.
Se em 2003 Lula apontava os dedos ao mundo e pretendia dizer a todos como fazer as coisas, os escândalos de corrupção e a ineficiência de seus governos escancararam como suas supostas crenças diferem das suas ações. Afinal, o que mais pode ser tão perverso para o combate à pobreza quanto a corrupção e que gasta mais do que pode com má gestão e privilégios? Ou quando afasta investidores e ataca justamente um dos esteios da garantia alimentar do mundo, o tecnológico e competente agronegócio brasileiro? A franqueza, a coragem e a conexão com a realidade de Milei e Bukele deveriam inspirar Lula. Porque o mundo inteiro sabe que a nota de R$ 3 do seu discurso não compra credibilidade, não vale nada.
Adalberto Piotto, Revista Oeste