sexta-feira, 20 de setembro de 2024

J.R. Guzzo: 'A celebração do nada'

 

Notem a imagem dessas três figuras - Foto  Tóri Molina - Estadão



N ão há nenhum momento melhor para se avaliar o que é o governo Lula-STF no mundo das realidades do que quando aparece um problema concreto para se resolver. Está se falando, aqui, de coisas que o cidadão consegue entender — incêndios, por exemplo —, e não das angústias metafísicas do “arcabouço fiscal”, da coragem de lutar contra a anistia para motoboys, barbeiros e encanadores “golpistas” ou do “racismo estrutural”. 

Nessas horas, quando é realmente preciso chamar alguma autoridade que saiba fazer alguma coisa útil, qualquer coisa, nunca há ninguém no local de trabalho. Em compensação, Lula sempre aparece para se exibir, fingir que está na linha de frente das ações e escolher a pior entres todas as alternativas erradas. 

\É uma questão de princípio, para ele e seu governo, só pensar em alternativas que não apresentem risco nenhum de dar certo. Os incêndios que se espalham pela Amazônia, o Pantanal e várias outras regiões do Brasil, incluindo o Estado de São Paulo, são um desses momentos de opção compulsiva por fazer a coisa errada. É a obsessão de sempre, para Lula: diante de qualquer dificuldade, jamais pense em desperdiçar sequer um minuto com a ideia de “trabalho”. 

Todo tempo deve ser dedicado a falar sobre o problema, com as coisas mais idiotas que passam pela cabeça do presidente, dos seus marqueteiros e do pensamento estratégico de Janja. Fica garantido, aí, que não vai se resolver nada e, enquanto não se resolver, Lula continuará tendo à sua disposição a única ferramenta de governo que realmente conhece: um demônio em tempo real para ele culpar por tudo que está errado, esconder a sua incompetência fundamental para o exercício de qualquer atividade produtiva e simular combates que não existem. 

O demônio titular de Lula tem sido Jair Bolsonaro. 

Neste momento, para descansar um pouco o seu astro, ele tirou o fogo do banco e pôs para jogar. As previsões de que iria acontecer o que está acontecendo estavam aí há oito meses. De acordo com o protocolo obrigatório hoje em observância no governo, ninguém fez nada. É como na história do ministro que cuidava dos Direitos Humanos e assediava mulheres. O homem era um perigo, mas também é negro, deu para ser radical de esquerda e se tornou o Grande Mestre da Ku Klux Klan antibranca do Brasil — quer dizer, no manual de princípios do governo Lula, que ele é infalível e não podia ser tocado. 

Só foi posto na rua quando não deu mais para esconder o que fazia, até porque teve a má ideia de crescer para cima de uma colega de Ministério. Da mesma forma, só quando os incêndios começaram a fazer fumaça em Brasília o presidente se mexeu. O ex-ministro Silvio Almeida foi demitido pelo presidente Lula depois de denúncias de assédio sexual 

Queimada, pelo mesmo manual, é coisa exclusiva de Bolsonaro, e não poderia existir em seu governo. Mas existe — na verdade, nunca houve tanto incêndio florestal neste país quanto no ano e meio em que Lula esteve fazendo turismo de paxá com a mulher, traficando “emendas” no Orçamento com o centrão e governando o Sul Global. Quando se mexeu, não deu erro. Foi para subir no palanque mais uma vez, fazer cara de bravo e anunciar curas no estilo João de Deus — no caso, uma “Autoridade Climática” que vai acabar com o fogo na base da canetada, da “vontade política” e do jornalismo da Secom. 

Acredite ou não, deram para essa coisa o nome oficial de “Plano Nacional de Enfrentamento aos Riscos Climáticos Extremos”. Tem a palavra que fascina a junta Lula-STF: “enfrentamento”. Tem um pedaço de papel com moldura verde, amarela e vermelha, a última das nossas cores infalível e não podia ser tocado. Só foi posto na rua quando não deu mais para esconder o que fazia, até porque teve a má ideia de crescer para cima de uma colega de Ministério. Da mesma forma, só quando os incêndios começaram a fazer fumaça em Brasília o presidente se mexeu. 

Mas existe — na verdade, nunca houve tanto incêndio florestal neste país quanto no ano e meio em que Lula esteve fazendo turismo de paxá com a mulher, traficando “emendas” no Orçamento com o centrão e governando o Sul Global. Quando se mexeu, não deu erro. Foi para subir no palanque mais uma vez, fazer cara de bravo e anunciar curas no estilo João de Deus — no caso, uma “Autoridade Climática” que vai acabar com o fogo na base da canetada, da “vontade política” e do jornalismo da Secom. 

Acredite ou não, deram para essa coisa o nome oficial de “Plano Nacional de Enfrentamento aos Riscos Climáticos Extremos”. Tem a palavra que fascina a junta Lula-STF: “enfrentamento”. Tem um pedaço de papel com moldura verde, amarela e vermelha, a última das nossas cores nacionais. Só não tem a Autoridade Climática propriamente dita. 

 Não se julgou necessário até agora nomear ninguém para exercer o cargo, nem dizer de onde vai sair o dinheiro para pagar as contas e, sobretudo, contar ao público o que a Autoridade Climática vai fazer de concreto para apagar o fogaréu. As prioridades reais do governo Lula, porém, foram rigorosamente atendidas. 

Em primeiro lugar, o presidente deixou claro que a ministra oficial do Meio Ambiente, Marina Silva, não vai ser a tal Autoridade Climática — ou seja, a questão ambiental mais grave do país neste momento não vai ser tratada pela ministra que é paga para tratar das questões ambientais. Não se tocou em absolutamente nada relativo à nova repartição, mas já está decidido que ela vai ter “status de ministério”. O ministro Flávio Dino, que não tem coisa nenhuma a ver com o problema, já autorizou Lula a gastar dinheiro que não está no Orçamento, e não será fiscalizado por ninguém, para o “enfrentamento” dos incêndios.

Além e acima de tudo, o governo se lança a uma desesperada operação para apontar culpados. Até há pouco, o judas a ser malhado era Bolsonaro. O seu governo já acabou há 18 meses, mas na versão oficial a culpa das queimadas de hoje era dele Dá para se notar bem, só por aí, qual é o espírito da coisa: vamos aproveitar a tragédia do momento para fazer marketing, torrar dinheiro do Erário e rasgar a lei. Nesse mesmo embalo, os duques e arquiduques do regime Lula-STF se lançam à outra das suas atividades preferidas: chamar a polícia. 

Não é tanto o ministro Dino, que hoje cumpre dupla jornada de trabalho, no Judiciário e no Palácio do Planalto, e continua fascinado com as facilidades de convocar a Polícia Federal, prender, indiciar, condenar e reprimir quem considera inimigo. Esse é o seu novo e velho normal, como “comunista graças a Deus”. Mas o resto do governo, com Lula à frente da turba do linchamento, se jogou de cabeça na ideia de apagar o fogo nas florestas botando gente na cadeia. Querem polícia, Exército e “medidas de força”. Querem penas mais pesadas. Querem confiscar propriedade privada, como Alexandre de Moraes expropria os depósitos bancários de uma empresa para pagar multas que socou em outra.

Além e acima de tudo, o governo se lança a uma desesperada operação para apontar culpados. Até há pouco, o judas a ser malhado era Bolsonaro. O seu governo já acabou há 18 meses, mas na versão oficial a culpa das queimadas de hoje era dele — a ministra Marina, por exemplo, alega que o ex-presidente teria “destruído” o sistema de proteção ambiental do Brasil. Que sistema? E por que raios ela não fez nada a respeito no seu um ano e meio no governo? A ministra, durante esse tempo todo, ficou falando no disparo de “nanomísseis” na atmosfera e outros prodígios da mesma gravidade. Foi a Davos, serviu como dama de companhia para herdeiras bilionárias com “pegada social” e fez figura na ponta-esquerda, como diziam os antigos narradores de futebol. No momento, deixando Bolsonaro de lado, dedica-se a combater o “terrorismo ambiental”, como diz, através do seu próprio terrorismo. 

“No momento, todo incêndio é criminoso”, denunciou a ministra numa das homilias que tem feito sobre o assunto. Ou então: “Num contexto como esse, se as pessoas não pararem de atear fogo”, o desastre vai se tornar incontrolável — ou seja, o problema são “as pessoas”. Marina ameaça a todos com uma previsão de que “60%” do território nacional, ou “5 milhões de quilômetros quadrados”, pode ser destruído pelo fogo. A alma de KGB do governo vem à tona com a incitação da ministra para que “o Exército, a Marinha, a Aeronáutica” tomem parte no “enfrentamento” das queimadas. Ela quer esse esforço militar todo para a “investigação” do que está ocorrendo — a ministra diz que “com o trabalho de inteligência, a gente consegue pegar inclusive quem são os articuladores, os mandantes”. 

Não fica claro quem está mandando tocar fogo em 60% do Brasil, e nem como um governo que leva 90 dias para prender dois fugitivos de uma prisão federal em Mossoró conseguiria desmontar uma quadrilha com com esse potencial de fogo. Até lá Marina vai estar flambada, e o resto do governo com ela. Não se sabe quem é o responsável por queimar 60% do Brasil, nem como um governo que demorou 90 dias para capturar dois fugitivos em Mossoró conseguiria desarticular uma quadrilha tão poderosa. 

Nesse ritmo, Marina Silva e o governo podem acabar consumidos pelas chamas. Depois de criar a “Autoridade Climática” (ele já havia nomeado, em fevereiro, um “embaixador extraordinário para a mudança do clima”; o diplomata até hoje não cumpriu nenhuma missão) e de tirar foto numa sala com ar-condicionado no Amazonas, está indo para Nova York em sua 23ª viagem ao exterior desde que foi declarado vencedor das últimas eleições presidenciais pelo TSE. Lá ele vai jogar na “crise climática” a culpa pelos incêndios registrados em seu governo, tirar foto com Janja e dizer que nunca antes na história deste planeta alguém lutou tanto como ele para salvar a natureza. 

É a grande celebração do nada.


Revista Oeste