(Mau começo. Um bom contador de casos jamais ri primeiro. Os mais
tarimbados não riem nem depois das gargalhadas da plateia. Toffoli
foi em frente. “Um amigo nosso, o Vlad… Não vamo dizê o nome dele. O
Vladimir… o Vlad… não vamo dizê o sobrenome.” Outra pausa. O
pequeno público tentava convalescer os socos no Código Penal,
pontapés na linguagem culta e reticências bêbadas que prenunciaram
o fiasco do desfile do bloco de vogais e consoantes. Já na passagem da
comissão de frente, constatou-se que Toffoli não sabia o que sabe
qualquer bedel da São Francisco: roubo é uma coisa, furto é outra.)
Roubo é o ato de subtrair um bem material de outrem por meio de violência
ou ameaça. O furto é caracterizado pela tomada de um bem material sem
que haja violência ou ameaça contra a vítima. Vladimir, com ou sem
sobrenome, não roubou um processo. O que fez foi furtar o papelório
que tratava de uma ação de despejo. De qualquer modo, documentos
do Poder Judiciário foram afanados.
Os atentados aos códigos legais e
ao idioma não pararam por aí. Em pouco mais de três minutos, o
ministro trocou um “onde” por “aonde”, ensinou que invasores de
prédios alheios devem ser qualificados de “ocupantes” e festejou o
final feliz: Vladimir escapou de punições graças ao pronto socorro de
uma juíza amiga.
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Em outubro de 2009, Lula resolveu que, aos 42 anos, o advogado impedido
de comandar a menor comarca paulista tinha ilibada reputação e notável
saber jurídico para agir no Supremo por mais 33
Tudo somado, tanto o parceiro Vlad quanto todos os colegas que
participaram da ação criminosa cometeram crimes. Pior: ficou claro
que um ministro do Supremo acha muito engraçadas delinquências
que prejudicam e desmoralizam o Judiciário. Por essas e outras,
Toffoli fracassou em 1994 e 1995 na dupla tentativa de virar juiz de
Direito. Por outras como essas, Lula enxergou num incapaz capaz de
tudo o bacharel que procurava desde criancinha.
De lá para cá, esse
paulista de Marília fez o que pôde para livrar do perigo de cadeia o
próprio presidente da República, os amigos do presidente e seus
filhos, os figurões do PT e seus comparsas homiziados em outras
siglas.
A folha corrida informa que, antes de ganhar a toga, Toffoli foi
consultor jurídico da CUT, assessor parlamentar do PT na Assembleia
Legislativa de São Paulo, assessor jurídico da liderança do PT na
Câmara dos Deputados, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa
Civil da Presidência, chefe da equipe jurídica das campanhas presidenciais do PT em 1998, 2002 e 2006 e, a partir de março de
2007, chefe da Advocacia-Geral da União.
Em outubro de 2009, Lula
resolveu que, aos 42 anos, o advogado impedido de comandar a menor
comarca paulista tinha ilibada reputação e notável saber jurídico para
agir no Supremo por mais 33.
É como se o treinador da Seleção
Brasileira de Futebol escalasse como titular um jogador da categoria
sub-20 reprovado em duas tentativas de subir para o time principal. Toffoli parecia pouco à vontade no Pretório Excelso até a divulgação do
vídeo que registra o que disse o empreiteiro Marcelo Odebrecht no
depoimento colhido pela Operação Lava Jato. A certa altura, um dos
inquisidores pergunta quem é o personagem que aparece com o
codinome “Amigo do Amigo do Meu Pai” no departamento de propinas
da Odebrecht (hoje Novonor).
“É o Toffoli”, responde Marcelo. Essa
revelação ajuda a compreender a imediata e feroz contra-ofensiva
movida pelo então presidente do STF. Sempre de costas para a
Constituição, as leis e a sensatez, foi ele quem tentou censurar a revista Crusoé, inventou o inquérito do fim do mundo, promoveu revista Crusoé, inventou o inquérito do fim do mundo, promoveu revista Crusoé, inventou o inquérito do fim do mundo, promoveu Alexandre de Moraes a chefe de Polícia do Supremo Poder e
proclamou informalmente a ditadura do Judiciário.
No momento, o amigo do Vladimir faz o diabo para entregar a
empresários içados pela Lava Jato do pântano do Petrolão o produto
do roubo bilionário que prometeram devolver em acordos de leniência
que os livraram da gaiola. O valor total das multas que Toffoli
suspendeu soma quase R$ 14 bilhões. O calote da J&F alcança cerca de
R$ 10,5 bilhões, e a Novonor deixou de devolver R$ 3,5 bilhões.
A
sangria só começou. Confiantes nesse surto de compaixão dolarizada,
dezenas de delatores premiados reivindicam o mesmo perdão.
Nenhum deles teve de reduzir despesas com jatinhos, banquetes e
mansões. Só não querem ficar longe do gabinete que faz chover
dinheiro. E já estão de olho no que foi recuperado pela Lava Jato. Até
2022, segundo o Ministério Público Federal do Paraná, 43 acordos de
leniência e 156 delações premiadas garantiram a devolução aos cofres
públicos de R$ 24,5 bilhões.
Nesta semana, caprichando na pose de quem ainda no berçário leu O
Capital (em alemão), o ministro Fernando Haddad voltou a lamentar a
insensibilidade dos super-ricos. “Está complicado taxar as grandes
fortunas”, admitiu. Contou que essa turma vive inventando truques para livrar-se do Fisco, do qual não escapa um único e escasso
brasileiro situado no universo que vai da classe média alta à
imensidão de gente abaixo da linha da miséria.
Igualmente criativo,
Haddad pretende convencer os integrantes do G20 a se unirem num
esforço internacional pela taxação dos multibilionários.
Há uma opção menos cansativa e mais sensata. Haddad deveria pedir
a Lula que o ajude a taxar a dinheirama que Toffoli vem devolvendo
aos ricaços gatunos. Ou, então, pedir uma doação ao ministro que
virou padroeiro dos pecadores multimilionários. O adjutório pode
financiar uma campanha publicitária que elimine a dúvida
angustiante: “arcabouço fiscal” é um novo videogame ou outro sistema
defensivo criado por um técnico de futebol português?