Duas tentativas de assassinato em 2 meses...
A BBC diz que a última suspeita de atentado à vida de Donald Trump é a prova de que a “violência política” é a “nova regra” nos Estados Unidos. O que está meio certo. Parece haver de fato um “novo normal” por lá, mas não se trata de algo abstrato chamado “violência política”. Não é um desprezo brutal e generalizado que se aplica a todos os governantes da sociedade. É mais direcionado do que isso. Há um político específico na mira. Se existe um novo normal nos Estados Unidos, parece ser um novo normal de uma cultura do descontentamento cada vez mais militante contra o 45º presidente dos Estados Unidos, que aspira a ser o 47º: Donald Trump.
Atualmente, há uma relutância palpável nos meios de comunicação em discutir a natureza específica, que tem a ver com Trump, dos recentes atos de terror político. Muitas pessoas preferem demonstrar preocupação com a “cultura armamentista”.
“O serviço secreto não falhou com Trump no domingo”, afirmou a MSNBC sobre a última suposta tentativa de assassinato. “Foi a cultura das armas dos Estados Unidos.” Os comentaristas sofrem com o fato de que o suposto criminoso envolvido na confusão de domingo estava de posse de uma AK-47. Isso é que é loucura, dizem eles. Outros se concentram no veneno da “polarização”. A mesma BBC afirma que foi a mistura de um discurso nacional “grosseiro” com uma “epidemia de violência armada” que tornou ataques como esse “inevitáveis”.
É claro que podemos fazer perguntas sobre a grande disponibilidade de armas letais nos EUA. Até mesmo os defensores da Segunda Emenda se sentem inseguros com o fato de que qualquer um pode comprar rifles de assalto inventados pelos soviéticos e entrar em um campo de golfe na Flórida com um deles no carro. E a vida pública está cada vez mais agitada no momento. A política parece uma disputa de gritos entre polos opostos, alheios às preocupações uns dos outros. No entanto, o foco atual na “cultura das armas” e na “polarização” parece uma atividade de distração: colocar o foco no método da violência (armas) e no pano de fundo da violência (polarização), em um esforço de evitar olhar para o cerne da violência, que é o estranho e turbulento desprezo por Trump.
O fato de ter havido duas supostas tentativas de assassinar um dos candidatos da eleição presidencial é extraordinário. É algo sem precedentes. “Não existe um manual político para lidar com outra aparente tentativa de assassinato de um candidato à Presidência de um partido importante, a poucas semanas de uma eleição”, disse Stephen Collinson, na CNN. Clichês sobre a “cultura das armas” e as “guerras culturais” são uma verdadeira traição à gravidade da situação, desse momento único e inquietante na vida da república dos Estados Unidos, em que um candidato ao cargo mais alto chegou perto de ser assassinado duas vezes.
‘A democracia está na cédula de votação’
A segunda suposta tentativa ocorreu no clube de golfe particular de Trump, em West Palm Beach, na tarde de domingo, 15. Agentes do Serviço Secreto viram o cano de um rifle atravessando os arbustos a cerca de 300 a 500 metros de onde Trump estava jogando golfe. Eles perseguiram o suspeito e o prenderam. Tratava-se de Ryan Wesley Routh, um homem de 58 anos da Carolina do Norte com fortes convicções políticas, algumas delas bastante excêntricas. Isso ocorreu depois que Thomas Matthew Crooks atirou em Trump durante um comício em Butler, na Pensilvânia, em 13 de julho.
A orelha de Trump foi atingida de raspão. Se ele não estivesse virando a cabeça naquele momento, poderia estar morto. As pessoas estão investigando os hábitos de votação e o histórico das redes sociais de Routh em busca de um motivo. Mas é difícil identificálo. Ele é totalmente pró-Ucrânia. Certa vez, Ryan Wesley Routh afirmou que “precisamos queimar o Kremlin até não sobrar nada”. Portanto, talvez ele tenha ficado chateado com a insistência de Trump de que precisamos de um acordo entre Rússia e Ucrânia para acabar com essa guerra terrível. Ele também parece ser israelofóbico. E questionou as reivindicações dos judeus sobre o território de Israel, compartilhando um mapa da região com o texto: “Parece que, historicamente, tudo é palestino”.
Então, talvez tenha odiado a postura pró-Israel de Trump. Parece que ele já foi apoiador do candidato republicano, mas depois perdeu a fé, chamando Trump de “idiota”, “bufão”, “estúpido” e uma ameaça à democracia. “A DEMOCRACIA está na cédula de votação e não podemos perder”, ele postou no X no começo do ano, marcando Joe Biden.
Alguns republicanos e líderes de direita estão citando tudo isso como prova de que os democratas e seus defensores na mídia liberal criaram um nível psicótico de animosidade contra Trump. Afinal, as declarações de Routh parecem familiares, certo? “A democracia está na cédula de votação” — repita isso em um sarau do New York Times, e 20 pessoas vão aplaudir e concordar animadamente. Não me sinto confortável com esse argumento. Mesmo sendo alguém preocupado com a “Síndrome Disfuncional de Trump” (“Trump Derangement Syndrome“, termo que ele mesmo criou para se referir a seus críticos) das classes intelectuais, acho cinismo traçar uma linha direta entre a retórica democrata e a violência de um atirador. E censura. “A menos que Kamala diminua suas farpas, alguém vai se machucar” — esse é o tom de chantagem por trás dessa pressa em atribuir a culpa da violência às palavras.
Também parece fácil demais. Assim como aqueles que se preocupam com a cultura das armas e a polarização parecem incapazes de lidar com a seriedade do que está acontecendo, aqueles que dizem “É TUDO CULPA DA CNN” claramente preferem explicações fáceis a um questionamento profundo. A ideia de que Kamala xingar Trump de algo grosseiro pode fazer um louco querer matá-lo é tão louca quanto dizer que ter uma AK-47 é o primeiro passo lógico para querer matar um candidato à Presidência. Em ambos os cenários, muitas etapas são ignoradas. Muitas nuances são descartadas.
Boa parte da profundidade da crise moral e política que aflige os EUA — e grande parte do Ocidente — é sacrificada para ganhar um ponto de forma rápida contra seus oponentes com base em uma violência horrível. Estamos vivendo não apenas um momento de fervura política, mas também um descarte total das antigas normas de deliberação democrática, das normas civilizadas de argumentação e escolha
O desejo intolerante de silenciar
Parece-me que o ódio em ebulição por Trump, que se manifestou em dois eventos terríveis e quase assassinos, aponta para uma cultura cujas raízes são mais profundas do que conhecemos e mais difíceis de discernir do que gostaríamos. É uma cultura de intolerância latente, uma cultura de descontentamento, uma cultura em que a pessoa expressa sua angústia menos pelas antigas normas civilizatórias da discussão e discordância do que por meio do lamento de uma raiva implacável e do instinto de destruir aquilo que considera ofensivo.
É possível que as tentativas de assassinato de Trump não sejam atos ideológicos de fato, como o assassinato de Martin Luther King ou o de Robert Kennedy, e sim a ala militante de nossa amorfa cultura do cancelamento?
Uma manifestação apocalíptica de algo que se tornou quase corriqueiro: a hostilidade gritante da alta sociedade contra o que desvia da narrativa do pensamento politicamente correto? Talvez os dois atentados sem precedentes contra a vida de um candidato à Presidência pareçam estranhos e familiares porque são chocantes, mas também… não são chocantes.
Certo? É possível, provável até, que a retórica da mídia tenha contribuído para essa cultura do descontentamento. Mas há muito mais em jogo. Estamos vivendo não apenas um momento de fervura política, mas também um descarte total das antigas normas de deliberação democrática, das normas civilizadas de argumentação e escolha. Em seu lugar, surgiu um desejo intolerante de silenciar, em vez de se envolver com aqueles que têm visões alternativas para a sociedade.
E Trump, por uma infinidade de motivos, tornou-se o principal alvo desse desejo incivilizado de destruir o outro. Eu me pergunto se a relutância das classes intelectuais em olhar honestamente para o “novo normal” da violência anti-Trump vem do medo de que possam se reconhecer nele — ou, pelo menos, vislumbrar seu fracasso no decorrer dos anos em chamar a atenção para o desvio de democracia para o irracionalismo da nossa sociedade. Mesmo assim, precisamos falar sobre o desprezo violento por Trump e o que isso nos diz sobre o nosso mundo.
Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro,
Brendan O'Neill da Spiked, Revista Oeste