O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante reunião com presidentes de países da América do Sul, no Palácio Itamaraty | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Lula e Maduro espancam os fatos para ocultar o verdadeiro rosto da ditadura venezuelana
Abatido pelo câncer, Chávez avisou meses antes da morte que seu sucessor seria Nicolás Maduro. Em 2 de abril de 2013, descobriu-se que continuava por aqui, mas em forma de ave. “Eu estava sozinho numa sala quando, de repente, entrou um passarinho pequenininho que me deu três voltas por cima”, contou Maduro, girando o anular sobre a cabeça. “Parou numa viga de madeira e começou a cantar. Então eu disse: ‘Se você canta, também canto’. Comecei a cantar. O passarinho me estranhou? Não. Cantou mais um pouquinho, deu uma volta e foi embora. Eu senti o espírito de Hugo Chávez.” O fenômeno alado foi reprisado pelo menos cinco vezes. Não é pouca coisa. Mas não seria tudo: graças aos conselhos do padrinho, Maduro sentiu-se pronto para façanhas muito mais audaciosas. Em 20 de janeiro de 2019, por exemplo, procurou tranquilizar venezuelanos atormentados pelo presente com a informação animadora: “Já fui ao futuro. Vi que tudo estava bem e voltei. A união cívico-militar garante a paz e a felicidade ao nosso povo”.
Conversa de vigarista. A taxa de miséria é desesperadora, a inflação alcança dimensões siderais, milhões de habitantes cruzaram as fronteiras em busca da sobrevivência. A consolidação da ditadura chavista eliminou direitos humanos, liberdades democráticas, partidos de oposição, imprensa independente. Centenas de adversários do regime foram executados, outros continuam encarcerados sem julgamento. O que parecia sólido nos anos 1970 desmanchou-se no ar. Conheci a Venezuela Saudita. Não existe mais. Decidido a permanecer no trono até o fim, Maduro recorre ao petróleo para assegurar o apoio de militares corruptos, milícias homicidas, burocratas assassinos, policiais. O país está subordinado a uma ditadura sórdida. Sabem disso até os ossos de Simón Bolívar. Só Lula não sabe de nada. Nesta semana, enquanto procurava um ângulo que aumentasse seu 1,68 metro de altura, e reduzisse a diferença de 22 centímetros que acentua o status de anão diplomático, o presidente brasileiro repetiu a obscenidade: tudo o que se diz de ruim sobre a
“Narrativas” são versões. Há muitas. A verdade é uma só, e se ampara em fatos. O animador de auditório fantasiado de presidente não sabe disso — ou finge não saber, o que dá na mesma. De cinco em cinco minutos, reiterava o convite: “Apresente a tua narrativa, Maduro”. O visitante mentia: tudo vai bem por lá. O sorriso de Lula berrava que as coisas por aqui não param de melhorar. Ele não conseguiu ressuscitar a Unasul e deixar Maduro melhor no retrato dos governantes sul-americanos. Em contrapartida, estreitaram-se os laços entre a Presidência da República e o Supremo Tribunal Federal. Num churrasco na Granja do Torto, ficou acertada a transferência para o Egrégio Plenário do principal advogado do ex-presidiário. Outras combinações guilhotinaram o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol, colocaram na mira do STF o presidente da Câmara e mandaram recados a parlamentares oposicionistas. A sede da cúpula do Poder Judiciário agora enxerga no espelho o prédio do Congresso.
Aos ouvidos dos dois parceiros, a “narrativa” dos deserdados é armação de lacaio do imperialismo norte-americano. Para os compassivos, é um soco no peito. “Ansiedade e repulsa”, resume o costureiro Ricardo Seijas, 26 anos, quando lhe perguntam o que sentiu ao saber da chegada de Maduro ao Brasil. “Foram inevitáveis as lembranças de um passado que me machuca bastante”, disse o jovem que, aos 21 anos, abandonou o sonho de ser dentista na cidade natal para livrar-se da repressão feroz. “Meu mundo caiu quando a diretora da universidade informou que eu estava numa lista de procurados, por participação em protestos estudantis.” Seijas arrumou as malas, despediu-se às pressas da mãe e juntou-se à diáspora venezuelana. Hoje ele é costureiro em Brasília, perto da mãe, que chegou em 2020. “Ela não tinha condições de continuar por lá”, explicou Seijas. “A crise econômica é brutal.” Em 2011, quando era adolescente, o pai comprou um apartamento. Com tudo pago e a chave nas mãos, recebeu por telefone o aviso do governo Chávez: como ele .
Aos ouvidos dos dois parceiros, a “narrativa” dos deserdados é armação de lacaio do imperialismo norte-americano. Para os compassivos, é um soco no peito. “Ansiedade e repulsa”, resume o costureiro Ricardo Seijas, 26 anos, quando lhe perguntam o que sentiu ao saber da chegada de Maduro ao Brasil. “Foram inevitáveis as lembranças de um passado que me machuca bastante”, disse o jovem que, aos 21 anos, abandonou o sonho de ser dentista na cidade natal para livrar-se da repressão feroz. “Meu mundo caiu quando a diretora da universidade informou que eu estava numa lista de procurados, por participação em protestos estudantis.” Seijas arrumou as malas, despediu-se às pressas da mãe e juntou-se à diáspora venezuelana. Hoje ele é costureiro em Brasília, perto da mãe, que chegou em 2020. “Ela não tinha condições de continuar por lá”, explicou Seijas. “A crise econômica é brutal.” Em 2011, quando era adolescente, o pai comprou um apartamento. Com tudo pago e a chave nas mãos, recebeu por telefone o aviso do governo Chávez: como ele tinha outros imóveis, a propriedade fora confiscada para cumprir a obrigatória “função social”.
“Eu me senti tremendamente desrespeitada, porque o que o ditador faz na Venezuela é desumano”, lamentou a dona de casa Elizabeth Jimenez, 39 anos. “Fico mais indignada ainda ao ver que isso é ignorado pelo presidente do país que escolhi para ser meu refúgio. Ao receber Maduro e declarar publicamente que o que se passa na Venezuela é ‘narrativa’, Lula legitima todas as violações aos direitos humanos que ocorrem lá.” Elizabeth aparentemente ignora que, se as duas faces dos governos do PT são escuras, é sempre mais sombria a que escancara a política externa da canalhice, que vigorou de 2003 a 2015 e foi ressuscitada no primeiro minuto deste ano.
Juscelino Kubitschek afirmava que fora poupado por Deus do sentimento do medo. No caso de Lula, defeitos de fabricação revogaram o sentimento da vergonha e proibiram qualquer espécie de remorso
Em abril de 2006, numa discurseira em Curitiba, Hugo Chávez pediu à plateia que reelegesse “o herói do Brasil”. Em novembro, num comício na Venezuela, Lula recomendou aos espectadores que mantivessem Chávez no poder. Em outubro de 2009, Chávez comparou Lula a Jesus Cristo e virou cabo eleitoral de Dilma Rousseff. Em abril de 2013, o candidato Nicolás Maduro animou a turma no palanque em Maracaibo com a apresentação do vídeo em que Lula afirma que a vitória do sucessor era essencial para a consolidação da Venezuela sonhada pelo bolívar de hospício. Comovido, Maduro agradeceu a Lula “por todo o apoio que deu a Chávez, por todo o apoio que deu à revolução bolivariana”. Em fevereiro de 2017, Lula e Dilma apoiaram publicamente a candidatura de Maduro. Nos anos seguintes, o coração de Dilma Rousseff sempre bateu em descompasso nos encontros com o topete desprovido de cérebro a 1,90 metro de altitude.
“Se Cuba não tivesse o bloqueio dos Estados Unidos, poderia ser uma Holanda”, garantiu o torturador de fatos. Fruto do acasalamento de stalinistas farofeiros do PT e nacionalistas de gafieira do Itamaraty, esse aleijão subiu a rampa do Planalto em 1° de janeiro de 2003. Nos oito anos seguintes, fantasiado de novo-rico caridoso, o Brasil acoelhou-se com exigências insolentes do Paraguai e do Equador, suportou com passividade bovina bofetadas desferidas pela Argentina, hostilizou a Colômbia democrática para afagar os narcoterroristas das Farc, meteu o rabo entre as pernas quando a Bolívia confiscou ativos da Petrobras e rasgou o acordo para o fornecimento de gás. Confrontado com bifurcações ou encruzilhadas, Lula fez invariavelmente a escolha errada e curvou-se à vontade de parceiros abjetos. Quando o Congresso de Honduras, com o aval da Suprema Corte, destituiu legalmente o presidente Manuel Zelaya, o Brasil se dobrou aos caprichos de Hugo Chávez. Decidido a reinstalar no poder o canastrão que gostava de combinar chapelão branco-noiva com bigode preto-graúna, convertido ao bolivarianismo pelos petrodólares venezuelanos, Chávez obrigou Lula a transformar a embaixada brasileira em Tegucigalpa na Pensão do Zelaya.
Em 2007, para afagar Fidel Castro, o governo deportou os pugilistas Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, capturados pela Polícia Federal quando tentavam fugir para a Alemanha depois de abandonarem o alojamento da delegação que participava dos Jogos Pan-Americanos do Rio. Entre a civilização e a barbárie, o presidente da República sempre cravou a segunda opção. Com derramamentos de galã mexicano, prestou vassalagem a figuras repulsivas como o faraó de opereta Hosni Mubarak, o psicopata líbio Muammar Kadafi, o genocida africano Omar al-Bashir, o iraniano atômico Mahmoud Ahmadinejad e o ladrão angolano José Eduardo dos Santos. Coerentemente, o último ato do mitômano que se julgava capaz de liquidar com conversas de botequim os antagonismos milenares que sangram o Oriente Médio foi promover a asilado político o assassino italiano Cesare Battisti.
Herdeira desse prodígio de sordidez, Dilma manteve o país de joelhos e reincidiu em parcerias pornográficas. Entre o governo constitucional do Paraguai e o presidente deposto Fernando Lugo, ficou com o reprodutor de batina. Juntou-se à conspiração que afastou o Paraguai do Mercosul para forçar a entrada da Venezuela. Rebaixou-se a mucama de Chávez até a morte do bolívar de hospício. Para adiar a derrocada de Nicolás Maduro, arranjou-lhe até papel higiênico. Ao preservar a política obscena legada pelo padrinho, a afilhada permitiu-lhe que cobrasse a conta dos negócios suspeitíssimos que facilitou quando presidente, em benefício de governantes amigos e empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Disfarçado de palestrante, o camelô de empreiteiras que se tornariam casos de polícia com a descoberta do Petrolão ganhou pilhas de dólares, um buquê de imóveis e agradecimentos em espécie de países que tiveram perdoadas suas dívidas com o Brasil. Enquanto Lula fazia acertos multimilionários em Cuba, Dilma transformava a Granja do Torto na casa de campo de Raúl Castro, também presenteado com o superporto que o Brasil não tem.
Juscelino Kubitschek afirmava que fora poupado por Deus do sentimento do medo. No caso de Lula, defeitos de fabricação revogaram o sentimento da vergonha e proibiram qualquer espécie de remorso. Essa conjunção de avarias talvez explique a naturalidade com que Lula reincide na louvação de regimes liberticidas. Ele pertence à subespécie dos criminosos que voltam assoviando ao local do crime. Faz sentido: faltam adversários capazes. Sobram aliados capazes de tudo. E tem ao lado a conselheira Janja. É por isso que já não se compara a ninguém. Nossa metamorfose delirante já foi Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas, Tiradentes, Nelson Mandela e Jesus Cristo. Parece ter descoberto que, no paraíso dos culpados impunes, nada é melhor que ser Lula.
(Com reportagem de Cristyan Costa)
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