Cenas da série The Last Dance | Foto: Cortesia ESPN
Michael Jordan, quando garoto, foi cortado do time de basquete da escola. Também por isso, ele trabalhou o triplo e se dedicou mais que os outros para conseguir lapidar seu jogo e ser notado
Há três semanas, foi a minha vez de estar na audiência para assistir a nosso querido mestre Augusto Nunes no podcast da Revista Oeste, o OesteCast, programa apresentado por Dagomir Marquezi. O papo, com a participação de nossa brilhante editora Branca Nunes, estava tão rico que foi preciso uma segunda parte, que foi ao ar na semana passada, em nosso canal no YouTube e na plataforma Rumble.
Há alguns pontos interessantes nos caminhos que me fizeram encontrar Augusto Nunes e de imediato perceber que tínhamos algumas paixões em comum. Uma delas: o esporte. Na segunda parte da deliciosa entrevista ao parceiro de Oeste e nossa editora, Augusto nos brinda com uma história maravilhosa que envolve uma das maiores lendas do esporte mundial, Michael Jordan. Dentre as maravilhosas histórias do nosso mestre (algumas de dar gargalhadas!), Augusto conta sobre a cobertura para as Olimpíadas de 1984, aqui em Los Angeles — outro assunto rico em lições para quem gosta de esportes e de histórias de negócios bem-sucedidos.
Sem maiores spoilers, nosso comandante do Oeste Sem Filtro relata que, como sempre gostou mais de esporte coletivo, foi ver e cobrir o time de basquete masculino da casa. Augusto lembra que, em 1984, durante o draft da NBA, a escolha oficial dos jogadores universitários pelos times profissionais da liga, não se falava em outro nome a não ser “um tal de Michael Jordan”. Numa época em que os profissionais não podiam jogar, Jordan entrou para um grupo especial de atletas universitários nas Olimpíadas de 1984 e, liderando a equipe em pontuação, levou os EUA à conquista da medalha de ouro.
Deixo para vocês saborearem no OesteCast os outros detalhes maravilhosos da cobertura feita pelo nosso mestre Augusto. A entrevista, no entanto, me fez lembrar de duas abordagens para a nossa resenha semanal.
A histórica edição dos Jogos de 1984 foi realizada na sombra da Guerra Fria e com o boicote de um total de 14 países do Bloco de Leste, incluindo a União Soviética e a Alemanha Oriental, em resposta ao boicote liderado pelos norte-americanos aos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscou, em protesto contra a invasão soviética do Afeganistão. A Romênia e a Iugoslávia foram os únicos Estados europeus socialistas que optaram por participar dos Jogos. Albânia, Irã e Líbia também optaram por boicotar os Jogos, por motivos não relacionados.
Apesar da falta de algumas estrelas em certos esportes devido ao boicote, 140 Comitês Olímpicos Nacionais participaram dos Jogos de 1984, um número recorde na época. Os Estados Unidos conquistaram o maior número de medalhas de ouro, seguidos por Romênia e Alemanha Ocidental.
Foi também em 1984 que nosso vôlei masculino deu um salto para o estrelato mundial com a histórica medalha de prata. A geração de Willian, Bernard (e seu famoso saque “jornada nas estrelas”!), Bernardinho, Montanaro, Renan, Amauri e tantas outras estrelas abriu vários caminhos para frutíferos aprendizados para o esporte no Brasil. No entanto, talvez o ponto de maior aprendizado dos Jogos de 1984 — infelizmente não absorvido quando tivemos a mesma chance em 2016, com a realização do Jogos Olímpicos do Rio —, foi o fato de que Olimpíada realizada em Los Angeles foi a primeira a não utilizar um centavo sequer de dinheiro público.
Los Angeles já havia sediado uma edição dos Jogos em 1932, mas foi sob o governo de Ronald Reagan, talvez o presidente norte-americano com o maior plano de privatizações da história dos EUA, que os Jogos Olímpicos foram também “privatizados”. Quando chegou a hora de cidades ao redor do mundo começarem a se candidatar para sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 1984, ninguém apareceu. Na época, sediar os Jogos Olímpicos era visto pelo que realmente é: financeiramente arriscado. E mais: na esteira dos Jogos Olímpicos de 1976, a cidade anfitriã de Montreal ficou com uma dívida de quase US$ 2 bilhões — uma quantia que a cidade canadense conseguiu pagar apenas em 2006.
Pois bem, mesmo com os contratempos financeiros experimentados por Montreal e ainda lutando com a turbulência e agitação política da Guerra Fria, os Jogos de 1984 não foram particularmente populares quando se tratava de atrair cidades-sede em potencial. Na verdade, apenas duas cidades norte-americanas se candidataram oficialmente para sediar os Jogos Olímpicos de 1984: Nova Iorque e Los Angeles.
Los Angeles venceu a licitação no final, mas seus residentes não ficaram entusiasmados com a decisão nem dispostos a pagar a conta. O povo de Los Angeles foi tão inflexível em proteger o dinheiro de seus impostos contra gastos inúteis que aprovou uma lei municipal proibindo o uso de fundos públicos para instalações olímpicas. A cidade teria a honra de sediar os Jogos Olímpicos, mas não tinha como pagar por isso.
Assistindo a The Last Dance, você percebe que poucas pessoas, não apenas nos esportes profissionais, mas em qualquer empreendimento humano, foram tão ferozmente competitivas quanto Jordan
Antes de se tornar presidente dos EUA, Ronald Reagan foi governador da Califórnia por dois mandatos. Em sua campanha para o governo do Estado em 1966, Reagan concorreu com uma plataforma conservadora de responsabilidade fiscal, governo limitado e reforma da previdência: “Não se deve pedir aos trabalhadores e às trabalhadoras que carreguem o fardo adicional de prover para um segmento da sociedade capaz de cuidar de si mesmo, mas que prefere fazer do bem-estar promovido pelo Estado um modo de vida, aproveitando à custa desses cidadãos mais conscienciosos”, disse aquele que se tornaria mais tarde o 40º presidente dos Estados Unidos da América. E ele governou o Estado com base nos princípios básicos de sua campanha — métodos de negócios, certificando-se de que o governo não se expandisse desnecessariamente.
Um dos legados para a Califórnia foi uma vasta gama de empreendedores que fez parceria com o governo estadual. Assim, ex-assessores e parceiros de Reagan puderam ajudar o Comitê Organizador Olímpico de Los Angeles. Composto de outros empresários de sucesso e indivíduos com experiência em negócios, o objetivo do Comitê era simples: encontrar financiamento privado para os Jogos Olímpicos, um feito nunca antes alcançado.
Inicialmente, os críticos não acreditaram na ideia de deixar o destino dos Jogos Olímpicos de 1984 para um comitê de empresários do setor privado. Por mais cautelosos que tenham sido em relação à ideia de privatização, as Olimpíadas de 1984 seriam lembradas como uma das Olimpíadas de maior sucesso da história. O Comitê não apenas ficou abaixo do orçamento, como também conseguiu lucrar — algo que só havia acontecido uma vez antes, também em Los Angeles, em 1932, mas de maneira modesta.
Por meio de captação de recursos privados, patrocínios corporativos e disciplina fiscal, o Comitê conseguiu o impensável: em vez de desperdiçar bilhões na construção de novas infraestruturas, o Comitê “LA84” fez uso de arenas existentes e instalações esportivas universitárias. Inédito na época, os empresários fizeram história ao vender os direitos exclusivos de transmissão para apenas uma emissora. A American Broadcasting Company (ABC) pagou US$ 225 milhões para ser a única fonte norte-americana de exibição dos Jogos Olímpicos. Para abrigar os atletas, o comitê optou por utilizar os dormitórios das universidades e outras instalações habitacionais espalhadas pela cidade, em vez de construir uma onerosa “Vila Olímpica”, o que era o habitual nas cidades-sede.
Embora seja injusto chamar os Jogos de 1984 de empreendimento puramente “privado”, já que o Comitê recebeu algum financiamento federal, embora nada expressivo, “Los Angeles 1984” mostrou ao mundo que, quando se tratava de sediar as Olimpíadas, a privatização não era apenas possível, era também a maneira mais eficiente de fazer o trabalho. Quando tudo foi dito e feito, os Jogos Olímpicos de Verão de Los Angeles, em 1984 custaram um total de US$ 546 milhões — número nunca antes alcançado. O mais incrível: a Olimpíada de Los Angeles gerou um lucro de US$ 233 milhões, e dessa quantia, US$ 93 milhões foram destinados à “Fundação LA84”, para apoiar vários programas de esporte. Em 2023, a Fundação está em pleno vigor, e os números continuam impressionantes: apenas no sul da Califórnia, desde a sua criação após os Jogos, 4 milhões de jovens já foram assistidos em programas esportivos e 200 mil técnicos foram formados em clínicas esportivas especializadas.
Bem, os tempos são outros, principalmente para a — hoje democrata — Califórnia, que já teve o conservador Ronald Reagan como governador. Resta saber se o Estado, com mais uma Olimpíada no horizonte, também aqui em Los Angeles em 2028, conseguirá o mesmo feito sob administrações democratas que simplesmente veneram gastos governamentais.
Outro assunto fascinante abordado por Augusto no podcast foi sobre aquele que eu considero o “Pelé do basquete”: Michael Jordan. Michael Jordan, sem dúvida, é considerado um dos maiores vencedores da história do esporte. Alcançando tudo em sua jornada no basquete, sua atuação que parecia “flutuar no ar” não deixou pedra sobre pedra. No entanto, mesmo antes de pisar nas quadras profissionais da NBA, Jordan já dominava o esporte. Na equipe olímpica de 1984, na tenra idade de apenas 21 anos, o futuro membro do Hall da Fama da NBA levou os EUA à glória e à medalha de ouro. Medalha colocada em seu peito novamente nos Jogos Olímpicos de 1992, em Barcelona, com o famoso “Dream Team”.
Sou simplesmente encantada, eu diria até obcecada, com Michael Jordan. As páginas de sua história — e, principalmente, as nuances dessas páginas nem sempre contadas pela imprensa que vende apenas a glória — são incrivelmente fascinantes e carregadas de lições. Carregadas! Eu não faria a menor justiça ao patamar das lições espalhadas por Jordan em um artigo apenas, por isso, vou recorrer e recomendar a todos que vejam o ESPETACULAR documentário A Última Dança (The Last Dance, ESPN/Netflix). Você não precisará chegar nem à metade da série para perceber que Jordan não é apenas o maior jogador de basquete de todos os tempos, mas que ele está em uma lista muito pequena dos maiores atletas de qualquer esporte, em qualquer época, incluindo os dias atuais.
Mas não é só isso. Em um mundo tão chato, tão carente de homens fortes; em um mundo que demoniza a meritocracia, o esforço, a dedicação e o comprometimento — com objetivos, sim, mas com parceiros, principalmente —, o documentário, dividido em dez episódios e lançado em 2020, mostra muito, mas muito mais do que apenas o caminho dos títulos do lendário time do Chicago Bulls.
Em um mundo dominado pelo sentimentalismo barato e por uma geração histérica que mais parece estar envolta em um plástico bolha, a vontade de vencer de Michael Jordan pode ser retratada por alguns até como “agressiva”. Assistindo a The Last Dance, você percebe que poucas pessoas, não apenas nos esportes profissionais, mas em qualquer empreendimento humano, foram tão ferozmente competitivas quanto Jordan. Seu impulso competitivo era quase patológico. Isso trouxe um preço, mas ele estava disposto a pagá-lo. Jordan não era cegamente amado por seus companheiros de equipe. Ele não é lembrado como um “cara legal”. Para conseguir o que ele conseguiu, você não pode ser apenas um “cara legal”. Sem maiores spoilers para quem ainda não assistiu à série, no final de um dos episódios, Jordan diz: “Vencer tem um preço e a liderança tem um preço. Então eu puxei as pessoas quando elas não queriam ser puxadas. Eu desafiei as pessoas quando elas não queriam ser desafiadas. E ganhei esse direito porque meus companheiros de equipe que vieram atrás de mim não suportaram todas as coisas que eu suportei. Depois de entrar no time, você vive de acordo com um certo padrão de jogo, e eu não aceitaria nada menos do aquele padrão”.
A série não mostra apenas o esforço sobre-humano ou as glórias derivadas dele, mas desnuda como aquele timaço do Chicago Bulls também enfrentou uma turbulência contínua no final de sua dinastia, com muitas incertezas e discussões nos bastidores. O elo que manteve tudo de pé? Acho que você sabe a resposta. Outro ponto é o impacto cultural de Jordan, dos Bulls e do basquete em geral que atingiu seu ápice no “Dream Team”, o grupo de jogadores que compôs o time de basquete masculino norte-americano nas Olimpíadas de 1992, em Barcelona. Para mim, aquela equipe representa a maior e mais espetacular formação de atletas não apenas no basquete, mas em todos os períodos esportivos.
Em mundo atual fraco (entregue por homens fortes), onde tudo é envolto de maneira vazia com as palavras “tolerância e amor” e troféus de participação precisam ser entregues para que todos saiam felizes e coroados, onde adversários não podem existir, a história daquele time olímpico também mostra a intensa veia competitiva de Jordan, que inventava inimigos para derrotá-los, tão grande era seu desejo de vencer, precisa ser resgatada. Em um treino do Dream Team em Monte Carlo antes das Olimpíadas de Barcelona, Jordan usou os palavrões que Magic Johnson havia dito como motivação para dominar uma briga em quadra contra seus colegas astros da NBA. Depois, ele usou a ânsia do gerente do Chicago Bulls, Jerry Krause, em contratar o croata Toni Kukoc como motivação para acabar com Kukoc quando os Estados Unidos jogaram contra a Croácia nas Olimpíadas.
A era de Jordan e de homens daquela estirpe precisa ser restaurada. Não são apenas as palavras “tolerância e amor” que estão banalizadas atualmente. Para dissidentes políticos, a esquerda constantemente usa os termos “fascista” e “nazista”, em mais um claro desrespeito histórico, principalmente com as vitimas de tais regimes nefastos. Para a turma da “tolerância e amor”, todos que pensam diferente são tachados de homofóbicos e racistas. Mais uma vez, o uso constante e irresponsável das palavras acaba colocando a discussão séria sobre esses assuntos em balaios comuns e ineficazes contra reais problemas. Uma das narrativas mais injustas, por exemplo, está estabelecida no falso contexto de que a América é um país racista por natureza e que esse racismo persiste de forma endêmica. O curioso é que, normalmente, são celebridades e atletas negros podres de ricos que “apontam” o “racismo estrutural” no país que elegeu — por duas vezes — um presidente negro. É justo que haja discussões SÉRIAS e HONESTAS sobre racismo, mas, se tudo é racismo (ou nazismo, ou machismo, ou homofobia…), nada é. Toco neste ponto pela razão de que bastam alguns episódios de The Last Dance para percebermos como a América simplesmente AMA quem trabalha firme, quem tem sucesso por se entregar de corpo e alma a um projeto. Seja negro, branco, latino, asiático, baixo, alto, gordo ou magro. Há cenas inspiradoras de homens — que jamais olharam a cor de sua pele – envoltos em lágrimas e suor, literalmente. Há cenas inspiradoras de homens que, assim como em guerras, entraram em “trincheiras” juntos e ali permaneceram lutando por um ideal maior do que as bobagens que tentam implicar a homens de bem que olham apenas o que está na alma de cada um.
Em um mundo em que a esquerda do “amor e tolerância” prega todo tipo de segregação, é um alento observar no documentário que, diante de alguns membros da comunidade afro-americana que questionaram Jordan por ele não ter endossado publicamente o prefeito de Charlotte, Harvey Gantt, quando o democrata concorreu contra o republicano Jesse Helms, em 1990, para se tornar o primeiro senador negro da Carolina do Norte, na época, Jordan comentou: “Os republicanos também compram tênis”. Ele explicou, em uma entrevista para o documentário, que, principalmente durante seus dias como jogador, ele não se via como um ativista e não queria assumir uma posição pública em candidatos apenas por pressão.
Michael Jordan, quando garoto, foi cortado do time de basquete da escola. Talvez, também por isso, pela dor, ele tenha trabalhado o dobro ou o triplo e se dedicado mais que os outros para conseguir lapidar seu jogo e ser notado. No final das contas, não foram as enterradas, a liderança em pontuação ou os títulos de Jordan que o tornaram o maior de todos os tempos. Foi a sua insistência em se apresentar no mais alto nível e competir, principalmente, com ele mesmo. Foi sua determinação em quebrar a vontade de seu oponente, seu desejo obsessivo de vencer e vencer novamente.
No seu mundo, e no mundo real, não há troféus de participação. Ninguém recebe um “A” ou uma “nota 10” por esforço. Há grandeza — grandeza absoluta na dedicação —, ou não há nada. No final, seu melhor — ou pior — competidor é o que você diz a si mesmo.
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Revista Oeste