O ministro do STF Alexandre de Moraes apresentou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mais sugestões para o Projeto de Lei (PL) da Censura, nesta terça-feira (25) | Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Congresso decide votar às pressas projeto sobre censura na internet, espinha dorsal da construção da ditadura de esquerda no país
No meio da tarde de terça-feira 25, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, irrompeu no tapete azul do Senado, cercado por seguranças e assessores. Desviou dos flashes e microfones e seguiu para uma reunião a portas fechadas com o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, e o da Câmara, Arthur Lira. Moraes carregava uma pasta com um documento intitulado “Propostas do TSE ao Projeto de Lei 2630”. Minutos depois da visita, a Câmara deu o primeiro passo para transformar a censura em lei no Brasil.
O texto final do monstrengo legislativo ainda é desconhecido. Vai se chamar Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Começou com uma proposta do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), votada há três anos numa daquelas sessões virtuais bizarras da pandemia — em lockdown, os senadores realizavam votações pela internet de suas casas, sem debates nas tribunas. Desde então, estava empilhado na Câmara, ao lado de mais de 50 projetos similares, até ser despachado de repente por Arthur Lira para o gabinete do comunista Orlando Silva (SP). É isso mesmo: a redação final da lei que trata da liberdade de expressão nas redes sociais será feita pelo Partido Comunista do Brasil.
A votação do projeto está marcada para terça-feira 2. Se houver mudança abrupta no chamado “mérito” — a espinha dorsal do texto —, o projeto voltará para o Senado. No caso de pequenos ajustes ou prováveis penduricalhos, basta o aval da Câmara para a posterior sanção de Lula.
Na terça-feira, o pedido de urgência para aprovar a mordaça nas redes sociais teve 238 votos a favor e 192 contra. Havia 431 deputados no plenário — Arthur Lira não é obrigado a votar. Não se sabe, portanto, como pensam os outros 82, o que torna o resultado imprevisível. As bancadas de esquerda votaram unidas a favor da nova lei. Orlando Silva, um suplente que só exerce o mandato porque deputados do PT eleitos estão no ministério de Lula, disse que ainda é possível negociar alguns pontos.
Se a Câmara confirmar a votação, o país continuará vivendo dias como o período eleitoral, em que o TSE baniu a participação de políticos das redes sociais, removeu conteúdos e impôs multas pesadas
Politicamente, o resultado de terça-feira foi o prenúncio de vitória do governo Lula, que, além de chancelar o texto como parte do seu projeto totalitário, também investe em outras frentes no Poder Executivo, como gabinetes de checagem das notícias — para deliberar sobre o que pode ou não pode ser publicado — e denunciar ou pedir a prisão dos seus opositores às Cortes Superiores. A Advocacia-Geral da União tem sido usada para prestar esse tipo de serviço.
Por que Lira decidiu ajudar Lula nessa empreitada? A resposta mais provável é que o deputado optou por ficar do lado de Alexandre de Moraes e do Supremo. A aprovação será, sobretudo, mais um passo do Judiciário para validar toda a cruzada do inquérito perpétuo das fake news ou dos atos antidemocráticos no Supremo. A lei será exibida como um troféu para coroar a prisão de 1,5 mil pessoas nos atos de 8 de janeiro, que se degeneraram em vandalismo e ainda estão muito longe de ser completamente elucidados, depois da divulgação de imagens do circuito interno do Palácio do Planalto.
Também é parte da construção do que, em 2021, o ministro Dias Toffoli, colega de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF), chamou de um “Poder Moderador” no Brasil — algo que não existe no país desde a Constituição Imperial de 1824, elaborada em benefício de Dom Pedro II. Isso porque, a esse texto do Congresso, serão incorporadas emendas entregues em mãos por Alexandre de Moraes a Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (leia abaixo).
Na prática, se a Câmara confirmar a votação, o país continuará vivendo dias como o período eleitoral, em que o TSE baniu a participação de políticos das redes sociais, removeu conteúdos e impôs multas pesadas. O tribunal rasgou o artigo 53 da Carta Magna, que diz: “Os deputados e os senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Esse trecho, sobre a inviolabilidade do mandato, não é mais válido no Brasil desde fevereiro de 2021, quando Alexandre de Moraes mandou prender o deputado Daniel Silveira (RJ), em pleno exercício do mandato, e a Câmara consentiu.
A despeito de a lei sair do Legislativo, o Judiciário vai seguir dando a palavra final sobre qualquer assunto, mesmo que isso contrarie o artigo 2º da Constituição: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Nas eleições, a Corte chegou a quebrar os sigilos de aplicativos de mensagens e bloquear contas bancárias em lotes, como no caso que ficou conhecido como “crime do emoji”, envolvendo um grupo de empresários apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro que publicaram “carinhas” e “joinhas” em um grupo de WhatsApp. Ou ainda na censura prévia, algo que não se aplicava no país desde o Ato Institucional Número 5, de 1968, revigorado em outubro do ano passado para impedir um documentário da produtora Brasil Paralelo sobre o atentado à faca contra Bolsonaro. Na ocasião, o julgamento no TSE ficou marcado pelas palavras envergonhadas da ministra Cármen Lúcia de que se tratava de uma censura cirúrgica — o famoso “vai ser só desta vez”.
As emendas do TSE
Como o texto que vai ao plenário na Câmara ainda não é totalmente conhecido, é possível analisar o que diz o projeto do Senado e o que foi proposto por Alexandre de Moraes nesta semana — em suma, ele quer endurecer ainda mais as punições aos usuários e às chamadas big techs.
Por exemplo: Moraes apresentou uma emenda cobrando os provedores de internet, sob pena de responsabilidade civil e administrativa, de “indisponibilizar imediatamente conteúdos e contas, com dispensa de notificação aos usuários, se verificarem ou existir dúvida fundada de risco”. Leia-se: o conteúdo será retirado do ar e o perfil do autor pode ser banido sem aviso prévio, e ponto final.
Quais seriam os parâmetros para punir alguém nas redes sociais? A resposta é: “divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos”. Mais: condutas ou informações que impliquem em “atos antidemocráticos” ou “discurso de ódio”.
Além do banimento das contas e do conteúdo, Moraes afirma que as plataformas — como Twitter, Instagram, WhatsApp, Facebook, entre outros — serão multadas em R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora, a contar da segunda hora depois do recebimento da notificação. Há previsão de multas também para monetização de propaganda no período eleitoral.
“Nós queremos equiparar as responsabilidades”, afirmou Moraes. “Eu acrescento ao texto aprovado pelo Senado Federal a responsabilidade de todos os provedores — sejam de redes sociais sejam de mensagens — por conteúdos em que eles ganham. Nós não podemos permitir que, nas Eleições 2024, e, depois, em 2026, continue havendo ataques de desinformação. Isso vai contra a democracia, vai contra a liberdade dos eleitores”
O texto do Senado
O ponto mais polêmico do Projeto da Censura é a criação de uma autarquia federal para fiscalizar e aplicar essa lei. Seria a polícia brasileira de controle da informação. Algo semelhante à DGI (Direção-Geral de Inteligência) da ditadura cubana, formatada nos moldes da KGB, a polícia secreta soviética, ou da Stasi, da Alemanha Oriental. Serão fiscalizadas todas as plataformas com mais de 2 milhões de usuários, mesmo se forem estrangeiras.
A principal resistência a esse gabinete de censores é da frente parlamentar evangélica na Câmara. Os evangélicos argumentam que a autarquia vai perseguir e punir conservadores que não aceitem a cartilha “progressista” da esquerda e combatam ideologias de gênero e pautas identitárias. Por exemplo: discussões sobre banheiros multigênero, homens biológicos disputando categorias femininas no esporte e o tal “racismo estrutural”.
Não para por aí. A bancada da agropecuária também vê riscos de patrulha ao setor por causa da militância ambientalista. O deputado gaúcho Marcel van Hatten (Novo) resumiu em discurso na tribuna: “O objetivo é criar limites que nos calem, nos silenciem e que podem nos levar à cadeia por manifestar opinião política, religiosa ou defender algum setor econômico, como a agro”.
Há ainda trechos no texto que ninguém sabe ao certo como serão aplicados nem qual a verdadeira finalidade. Alguns, pode-se presumir, como: determinar as regras de publicidade nas redes sociais, remunerar conteúdo jornalístico — o tal “jornalismo profissional do consórcio da velha imprensa” será privilegiado — e direitos autorais de artistas, o que explica a comitiva de cantores e atores da Rede Globo no Congresso nesta semana. Quem vai definir tudo isso, ou seja, boa parte do que envolve ganhar dinheiro na internet? A autarquia federal de controle da informação.
O órgão censor deve ser batizado de Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, com a participação de 21 membros — do poder público, da sociedade civil, da academia e do setor privado, com mandato de dois anos e permissão para recondução. Resta saber se o Congresso exigirá que esses nomes sejam aprovados em plenário, como ocorre em outras autarquias, ou se Lula será o único responsável pela escolha. Seja qual for o modelo, já é possível entender o que está em curso no país neste momento: a instauração da censura, pilar histórico de qualquer ditadura. Não tem outro nome.
Leia também “O que aconteceu no 8 de janeiro”
Revista Oeste