Arthur Lira (PP), presidente da Câmara dos Deputados, amplia poder com a abertura da CPMI dos atos de 8 de janeiro| Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que foi criada na quarta-feira (26) para apurar responsabilidades e omissões dos atos de vandalismo ocorridos em 8 de janeiro ainda enfrenta várias indefinições. Desde a sua composição até o seu comando, passando pelas estratégias de governo e oposição, muitas questões ainda faltam ser esclarecidas. No entanto, apesar de todas as incertezas, já é possível prever que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se fortalecerá com a criação do colegiado.
Político experiente e ousado, Lira deverá usar da expressiva influência entre os deputados para seguir ocupando todos os espaços de poder que o governo ceder. Analistas e políticos ouvidos pela Gazeta do Povo confirmam a tendência de que ele acumule mais poder dentro do Congresso e junto ao Planalto, graças à capacidade de garantir o ritmo da agenda econômica no Legislativo, de conter os excessos da polarização entre esquerda e direita e, por fim, de superar as eventuais dispersões ao longo das atividades da comissão mista.
Juan Carlos Gonçalves, diretor-geral do Ranking dos Políticos, acredita que essas características darão protagonismo a Lira na CPMI, colegiado “cuja missão fundamental será esclarecer fatos e elucidar narrativas”. “Sabemos como uma CPI começa, mas nunca como termina, diz o ditado. Portanto, certamente, a comissão servirá também como ferramenta de negociação entre o presidente da Câmara e o Planalto”, disse. A instituição liderada por Gonçalves classifica parlamentares federais conforme o empenho deles no combate a privilégios e à corrupção.
A CPMI terá seis meses de duração, com seu término em outubro, e deve captar a atenção do Congresso e da sociedade em diversos momentos ao longo deste período. Enquanto parlamentares mais ligados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) protagonizarão os embates mais acirrados na comissão, com forte repercussão midiática, Lira tende a emergir do barulho como condutor de processos que garantam os acordos que fizer com os negociadores da base aliada.
Lira ganha relevância com o risco de a CPMI ofuscar os debates de projetos importantes, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, que são as principais apostas do governo para a retomada sustentável da economia. Não por acaso, ele declarou pouco antes da confirmação do colegiado pela sessão conjunta do Congresso que o cronograma de votações não sofreria qualquer atraso. A sua garantia é respaldada pelo maior bloco da Câmara, encabeçado pelo seu PP e que soma 173 deputados de nove partidos.
O superbloco criado por Lira foi uma reação a outro, que passou a ser o segundo mis numeroso, com 142 parlamentares. Ambos os arranjos visam não apenas garantir mais espaços de poder na estrutura do Legislativo, mas também ampliar o poder de barganha com o governo. A consolidação dos dois blocos dominantes formados a partir do Centrão com legendas da base garante o papel especial de articulação do presidente da Câmara. Ao final, os polos representados pelo PT de Lula e PL de Bolsonaro, ficam isolados.
De acordo com o deputado Marcel Van Hatem (Novo-RS), a participação de Lira e dos partidos centristas na CPMI será crucial, sobretudo na escolha da presidência e da relatoria, bem como na seleção dos membros da comissão. O parlamentar acredita que, com representantes tanto do governo quanto da oposição na comissão, os partidos de centro podem ajudar a equilibrar as forças, garantindo investigação justa e imparcial.
“É fundamental que a verdade seja exposta para identificar e punir todos os envolvidos nos atos de vandalismo, incluindo autoridades distritais e federais omissas. Além disso, é necessário garantir a justiça para aqueles que foram presos sem o devido processo legal e tiveram seus direitos violados, como previsto na Constituição”, detalhou.
Fragilidade da base governista na Câmara fica exposta
Arthur Wittenberg, professor de políticas públicas do Ibmec-DF, argumenta que a CPMI aumentará o poder de Lira, não só por sua forte influência no maior bloco da Câmara, mas também devido à situação política menos favorável ao governo na Casa, que é mais centro-direita na teoria e tem a oposição liderando comissões importantes na prática. Esse quadro faz com que Lira ganhe importância, tendo em vista que a maioria do Senado já é governista e, portanto, requer menos negociação.
Além disso, Wittenberg destaca que Lira criou três CPIs na Câmara – a do MST, a das Americanas e a das apostas esportivas – logo após perder a queda de braço para o Senado sobre a composição das comissões mistas, de modo a aumentar seu poder e relevância frente ao Planalto.
Contabilizando a maioria de 21 dos 32 assentos da CPMI, inclusive com a obtenção de vaga extra no Senado por meio de manobra que envolveu a mudança da Rede de um bloco partidário para outro, o governo busca encurralar a oposição. Sua linha de argumentação será a de que Bolsonaro foi o principal responsável pelos atos de vandalismo ocorridos na Praça dos Três Poderes. A oposição, por sua vez, pretende defender a tese de que, além da omissão do governo perante alertas de serviços de inteligência, houve também ações que ampliaram estragos provocados pelos invasores.
Por isso, a prioridade dos articuladores do Planalto tem sido, desde o começo, emplacar aliados na presidência e na relatoria do colegiado, mas até isso depende essencialmente de Lira. A primeira restrição imposta pelo presidente da Câmara na formação da CPMI envolve a indicação do relator pela maioria no Senado, vetando o nome do senador Renan Calheiros (MDB-AL), seu maior rival no estado de Alagoas, o que deu novo tom às negociações.
Além disso, deve vir do grupo de Lira a indicação para a presidência da comissão parlamentar de investigação. Arthur Maia (União-BA) é o favorito para assumir a função, depois que outro aliado do presidente da Câmara, André Fufuca (PP-MA), desistiu de disputar a presidência da CPMI. A indicação do deputado maranhense não agradou à oposição, visto como aliado do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB-MA), que será um dos principais alvos da oposição durante as investigações.
No esforço para limitar radicais e não deixar de atender de forma condicionada governo e oposição, Lira tem extraído vantagens incomuns para ocupantes de seu cargo na República.
Votos oposicionistas também são alvo de ambições
Segundo Marcus Deois, diretor da Ética Inteligência Política, a influência de Lira também cresce junto à bancada da Câmara ligada a Bolsonaro, centrada no PL. Ele cita a instalação da CPI do MST como exemplo. "Como são numerosos, Lira reconhece a importância de garantir seus votos futuros, fazendo concessões em troca”, responde.
Ele lembra que a CPI das Americanas também é demanda de partidos como PP, PL e Republicanos, de alas mais ligadas à defesa do liberalismo econômico, embora também conte com apoio de alguns deputados governistas.
“Tal movimento concede a Lira carta na manga para pedir favores a esses dois grupos. Ele pode usar favor para aprovar o PL das fake news ou, mais adiante, em Medidas Provisórias (MPs), que precisarão de quórum para mostrar sua força e convergência na Câmara”, completa.
Por sua vez, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mostra-se alinhado com o governo, mas não parece interessado em novos atritos com Lira.
Sílvio Ribas, Gazeta do Povo