TCU julga nesta quarta (20) última etapa da privatização da Eletrobras.| Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
O Tribunal de Contas da União (TCU) marcou para esta quarta-feira (20) o julgamento da segunda etapa – e última sob análise da Corte – da privatização da Eletrobras. Se a operação for aprovada, será um passo a mais rumo àquela que pode ser a maior privatização do governo de Jair Bolsonaro (PL). A expectativa do Planalto é movimentar mais de R$ 100 bilhões com a operação de desestatização.
Até o momento, o governo conseguiu vender apenas uma estatal sob controle direto da União: a Companhia de Docas do Espírito Santo (Codesa), administradora dos portos de Vitória e Barra do Riacho (ES).
A expectativa do governo é concluir a venda até 13 de maio, mas o prazo é ameaçado por um possível pedido do ministro Vital do Rêgo, que adiaria a conclusão do julgamento do TCU. Alguns analistas veem risco de que um grande atraso comprometa substancialmente o cronograma de privatização e, no limite, inviabilize a operação no ano de 2022.
No geral, os ministros costumam usar os 60 dias regimentais em pedidos de vista, mas o Planalto tenta, nos bastidores, negociar para reduzir o prazo para apenas sete dias. A definição do limite é feita de forma coletiva, em votação dos ministros do TCU.
Os ministros poderiam se utilizar do parágrafo 3.º do artigo 112 do regimento interno da corte, o qual afirma que, "excepcionalmente, dependendo da natureza e da complexidade da matéria, poderá o órgão colegiado, a pedido de qualquer julgador, fixar prazo distinto para a reinclusão do processo em pauta, que não poderá ser superior a 60 (sessenta) dias".
Rêgo já havia pedido vista durante a análise da primeira etapa da desestatização, apontando, entre outras coisas, para uma suposta subavaliação bilionária da outorga. Ele sugeriu, na ocasião, que a Eletrobras fosse vendida por R$ 130,4 bilhões, cerca do dobro dos R$ 67 bilhões estimados pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
O magistrado sugeriu ao plenário que o processo fosse paralisado e devolvido ao governo para atualização dos cálculos. Apesar dos argumentos que ele apresentou, os ministros decidiram manter o valor original e seguir com o trâmite.
O ministro Aroldo Cedraz é o relator do processo no tribunal, cujo aval dá segurança jurídica aos interessados e é considerado essencial para reduzir chances de judicialização do processo de venda.
Janela para privatização e consequências com a interrupção do processo
A janela de até 13 de maio é considerada ideal pelo governo, tendo em vista as eleições e uma possível perda de interesse por parte de investidores. "É uma solução construída pelo TCU por dois anos e meio. Como pode querer melar essa desestatização? Se perdermos essa janela, vamos para um obscuro futuro, porque entra a pauta eleitoral. Se a guerra se agrava perdemos R$ 5 bilhões da capitalização da energia nuclear, R$ 30 bilhões da modicidade tarifária", afirmou o ministro Paulo Guedes em evento no Planalto.
Além do aval do TCU, o Planalto ainda depende da publicação do balanço do 1.º trimestre de 2022 e da publicação de um formulário exigido pelo órgão regulador do mercado de capitais americano – ambas previstas para o fim de abril, segundo apurou o site "Poder360".
Para o ministro da Economia, caso a desestatização não seja levada a cabo, a segurança energética do Brasil estará "em jogo". "Se o Brasil crescer como esperamos nos próximos anos, a uma taxa forte de crescimento, a Eletrobras não só se coloca em risco, mas também vai comprometer o futuro da segurança energética brasileira", disse Guedes no evento "Diálogo Público: Modelo de Capitalização da Eletrobras", realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
No mesmo evento, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, disse que a não privatização da Eletrobras poderia, ainda, elevar as chances de as obras da usina nuclear Angra 3 não serem concluídas. "A empresa [Eletrobras] e a sociedade brasileira talvez tenham que arcar com os custos do fechamento de Angra 3", afirmou.
Além disso, se a desestatização não for levada a cabo, a renovação da concessão da usina hidrelétrica Tucuruí, que expira em 2024, poderá ser prejudicada.
Nesta segunda-feira (18), deputados federais do Partido dos Trabalhadores entraram com ações no próprio TCU e na Justiça Federal de Brasília pedindo a suspensão do processo de privatização da Eletrobras.
Quais os próximos passos da privatização da Eletrobras
A segunda e última etapa do julgamento da privatização da Eletrobras diz respeito à modelagem para emissão de novas ações e diluição do capital da estatal. Pelo modelo previsto, os atuais acionistas terão seu capital diluído e o governo federal, que hoje detém 51% das ações, perderá a posição de acionista controlador.
Isso é, serão vendidas novas ações da companhia na B3, a bolsa de valores brasileira, mas a União não as comprará. Assim, ao mesmo tempo em que a participação do governo é diluída ao ponto de perder a posição de acionista controlador, o caixa da empresa recebe novos recursos, e mais investimentos poderão ser feitos.
Por outro lado, a União terá direito a uma golden share, ação de classe especial que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas. É vedado a qualquer acionista ou grupo ter participação maior que 10% no capital social da empresa.
Se aprovada pela Corte de Contas, a privatização da Eletrobras dependerá ainda do aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Por fim, como prevê o modelo de capitalização, deverá ocorrer o lançamento do edital com a emissão de novas ações ordinárias na B3. Segundo o jornal "Valor Econômico", o governo trabalha com um preço mínimo entre R$ 25 e R$ 30 por ação para a oferta.
O modelo de capitalização também permite que trabalhadores comprem ações da companhia usando recursos do FGTS. Até R$ 6 bilhões em recursos de todo o Fundo poderão ser usados na privatização. A aplicação mínima permitida será de R$ 200, e o trabalhador não poderá usar mais de 50% de seu saldo na operação. A compra será feita por meio de Fundos Mútuos de Privatização ligados ao FGTS (FMP-FGTS).
Sem o uso do FGTS, pessoas físicas poderão comprar ações da companhia, com mínimo de R$ 1 mil e máximo de R$ 1 milhão. Empregados e aposentados da estatal poderão comprar até 10% do total das ações ofertadas pela empresa.
Outro item previsto no processo de desestatização, este por decisão do Congresso, é a contratação de termelétricas movidas a gás em regiões onde não há oferta de gás natural, sendo necessária interiorização de gasodutos. Essa medida, na opinião de muitos especialistas, deve encarecer a tarifa dos consumidores brasileiros, embora o governo negue e fale em redução dos custos.
Isabelle Barone, Gazeta do Povo