Mel Gibson e Mark Wahberg no lançamento de Father Stu.| Foto: Divulgação
Poucos lugares no mundo são capazes de reunir uma quantidade tão grande de progressistas influentes e famosos quanto Hollywood, o distrito de Los Angeles que se tornou sinônimo da indústria cinematográfica dos Estados Unidos. Em meio à numerosa comunidade artística do local, são poucos aqueles que se arriscam a expressar livremente opiniões que serão tachadas de conservadoras pela maioria dominante, principalmente por causa das consequências que esse tipo de rótulo costuma atrair para a carreira. Entre os que topam se submeter ao provável martírio está o ator Mark Wahlberg, astro de vários filmes de ação, como ‘Transformers’, e indicado ao Oscar de 2006 por sua participação em ‘Os Infiltrados’.
Católico praticante, Wahlberg é acostumado a dar testemunho de sua fé nas redes sociais, mas parece ter decidido que era hora de dar um passo mais ousado e acaba de lançar Father Stu ('Luta pela Fé: a história do padre Stu', conforme título previsto para o Brasil), o primeiro filme que é produzido e estrelado por ele mesmo. O roteiro é uma adaptação da história real de Stuart Long, um ex-boxeador violento, mulherengo e agnóstico que após um grave acidente se converte e muda de vida, ao ponto de se tornar sacerdote. Nos Estados Unidos o filme fez sua estreia na Sexta-feira Santa e deve chegar aos cinemas brasileiros no dia 19 de maio.
Desde que tomou conhecimento da história de redenção do padre de Montana que cativava a comunidade local e morreu em 2014, Wahlberg alimentou o desejo de vê-la nas telas, mas as dificuldades que enfrentou para viabilizar o projeto foram enormes, como costumam ser aquelas da maioria dos roteiros com viés cristão que são apresentados aos grandes estúdios. Foram seis longos anos ouvindo respostas negativas de dezenas de executivos, entre os quais houve quem fosse sincero o bastante para apontar que um dos problemas na ideia era a palavra “padre” no título do filme.
Cansado de tantas portas na cara e obstinado o bastante para tirar a ideia do papel, Wahlberg apelou para o único jeito que alguns artistas e diretores tem encontrado para atravessar o muro de resistência contra a promoção da fé cristã em grandes produções: pagar do próprio bolso e contar com amigos que compartilhem de suas convicções. Falando à revista de entretenimento Insider, Wahlberg não especificou valores, mas revelou que investiu “milhões e milhões” de seu próprio dinheiro para produzir o filme, dividindo os custos apenas com “alguns amigos que acreditaram no projeto”.
O nome dos outros investidores não foi revelado, mas entre os amigos que definitivamente tiveram um papel relevante na produção está Mel Gibson, que na história interpreta o pai do padre Stu. Não é a primeira vez em que os dois atores católicos aparecem juntos nas telas e há pelo menos outros dois filmes previstos para contracenarem nos próximos anos, mas no caso de Father Stu a participação de Gibson foi mais abrangente. A diretora escolhida para conduzir o longa-metragem foi Rosalind Ross, namorada de Gibson desde 2014, com quem tem um filho. É seu filme de estreia na função.
A Paixão de Cristo
Não para por aí. Segundo o próprio Wahlberg, a motivação para fazer uso das finanças pessoais no impulsionamento da produção veio do exemplo dado por Gibson, que tirou inacreditáveis US$ 30 milhões de sua fortuna para produzir sozinho A Paixão de Cristo (The Passion), lançado em 2004. "Fiquei realmente impressionado com a qualidade do filme e com o quanto ele se arriscou ao financiar a obra. Eu sempre apreciei. É sua carta de amor à fé que tem em Deus e aquilo me inspirou a fazer isso", contou o ator à Insider.
Pagar por tudo sozinho também não foi a primeira opção de Gibson, mas, conforme contou na época em que o filme foi lançado, o roteiro que tratava das últimas 12 horas de Jesus Cristo antes de sua morte não parecia atraente para a elite do cinema norte-americano, especialmente quando era revelado que o filme seria inteiramente falado em hebraico, aramaico e latim, quase um insulto para produtores que torciam o nariz até mesmo para a necessidade incluir legendas em cenas específicas.
A arriscadíssima aposta de Gibson não podia ter dado mais certo. Após estrear na Quarta-feira de Cinzas de 2004, A Paixão de Cristo faturou US$ 370 milhões nos EUA e US$ 611 milhões em todo o mundo. Até hoje é o filme autofinanciado de maior bilheteria em todos os tempos.
Jim Caviezel, em setembro de 2019, numa das palestras que passou a fazer em igrejas após o sucesso de A Paixão de Cristo (foto: reprodução/YouTube).
A Paixão de Cristo também foi um divisor de águas para Jim Caviezel, o ator que interpretou Jesus. Antes de aceitar o papel, a participação de Caviezel em filmes como Além da Linha Vermelha (1998) e O Conde de Monte Cristo (2002) lhe renderam a imagem de estrela hollywoodiana em ascensão, mas tudo mudou com a gigantesca repercussão do filme bíblico. Em 2011, sete anos depois do lançamento, ele revelou numa entrevista ao jornal britânico Daily Mail que ter interpretado Jesus naquele filme “arruinou sua carreira” e que o próprio Gibson o havia alertado de que isso podia acontecer.
"Ele me disse: ´Você nunca voltará a trabalhar nesta cidade (Hollywood)’ e eu respondi que todos temos que abraçar nossas cruzes’”, testemunhou Caviezel durante uma pregação para fiéis de uma igreja na Flórida. De fato, desde que se tornou o Jesus mais famoso do cinema as oportunidades que surgiram para o ator vieram muito mais do modesto mercado de produções religiosas com baixo orçamento do que dos blockbusters nos quais atuava antes.
Apesar das consequências à sua vida profissional, ao falar do assunto em público, frequentemente, Caviezel diz que nunca se arrependeu e que faria tudo de novo. De certa forma, essa hipótese pode se concretizar. Apesar de agora ter 53 anos, em 2018, o ator confirmou que Mel Gibson o havia convidado para interpretar novamente o Filho de Deus na anunciada sequência do filme, pré-intitulada como A Paixão de Cristo: Ressurreição. O problema é que o projeto parece enfrentar obstáculos ainda maiores do que o original.
A sequência foi anunciada por Gibson em 2016, teve o protagonista confirmado em 2018 e em 2020 ganhou um roteirista, Randall Wallace, o mesmo que escreveu Coração Valente. Só que até hoje nada saiu do papel e nem uma única cena foi filmada. Há quem aponte inclusive que a demora em fazer o projeto andar estaria relacionada à história que se quer levar às telas. O roteiro trataria dos três dias entre a morte e a ressurreição de Cristo, período no qual, segundo uma antiga tradição cristã, Cristo teria descido ao inferno para resgatar as almas que lá estavam aguardando sua vinda. Um enredo escatológico e sobrenatural desses seria demais para os financiadores, mesmo diante do histórico de lucro que A Paixão de Cristo é capaz de mostrar.
Política
Não é só a religião cristã que sofre com a implicância progressista de Hollywood. A gestão de Donald Trump criou um novo tipo de alvo para cancelamentos e boicotes. Em 2017, o comediante Tim Allen, mais conhecido no Brasil por fazer a voz original de Buzz Lightyear, na franquia Toy Story, foi pego de surpresa num talk show ao ser questionado pelo apresentador se foi à festa de posse do então presidente Trump.
Embora tenha ficado visivelmente constrangido, Allen confirmou a presença e desabafou: "é preciso tomar muito cuidado com isso por aqui. Você é espancado se não acredita no que todo mundo acredita. Isso é como a Alemanha dos anos 30, não sei o que aconteceu”.
Naquele mesmo ano, o veterano James Woods, que se aposentou em 2013, usou o Twitter para expor a situação dos atores que demonstravam publicamente alguma simpatia por Trump e seu partido: “A única razão pela qual expresso minhas opiniões é que aceitei o fato de estar na lista negra”. Em outra manifestação, ele disse: “Enquanto os liberais [nos EUA a palavra tem o sentido de ‘progressista’] gritam sobre a lista negra dos anos 50, meus amigos atores que apoiam republicanos estão com medo de perder a capacidade de sustentar suas famílias”.
Imagem de divulgação de Reagan, filme sobre a biografia do ex-presidente dos Estados Unidos.
Emplacar filmes que retratem de modo positivo políticos notoriamente conservadores também não é nada fácil. Isso explica como um dos presidentes mais populares da história dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que era ator e trabalhou durante anos em Hollywood demorou tanto para ganhar uma cinebiografia. Em 2022 deve ocorrer a estreia de Reagan, obra do diretor Sean McNamara e protagonizado por Dennis Quaid. Antes dessa produção, o ex-presidente que liderou a América no período que marcou a derrocada do comunismo soviético havia ganho apenas documentários ou sátiras.
Reagan, que será baseado no livro The Crusader: Ronald Reagan and the Fall of Communism, de Paul Kengor, é mais um filme pelo qual os progressistas poderosos de Hollywood fizeram tudo o que podiam para enterrar de vez ou pelo menos atrasá-lo. Ele foi anunciado pela primeira vez em 2010 e só chega à grande tela agora, onze anos depois, graças ao investimento da TriStar Global Entertainment, uma empresa sediada no Canadá.
Jônatas Dias Lima, Gazeta do Povo