Foto: Aniele Nascimento/Arquivo/Gazeta do Povo
O Código Penal brasileiro tipifica o crime de extorsão em seu artigo 158 da seguinte forma: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa". O crime de extorsão está bastante claro, mas será que, de forma direta ou indireta, existe uma forma de extorsão institucionalizada no Brasil? Veremos.
Para evitar abusos, em 1989, a Lei no. 7.783 definiu as atividades essenciais que não poderiam ser paralisadas durante o exercício do direito de greve. O direito de greve é um direito fundamental, assegurado pela nossa Constituição. É uma garantia que deriva de um direito básico de que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude de lei. Assim, sempre que um trabalhador se sentir injustiçado, prejudicado ou exercendo um trabalho que lhe parece desproporcional ao que recebe como salário, pode, livremente, cruzar os braços e parar de trabalhar. É um direito inalienável.
Mas, se de um lado, o trabalhador tem direito a greve, o que acontece com as pessoas que estão do outro lado, como consumidores, fornecedores e empregadores? Elas também possuem algum direito? E como ficam, no caso dos serviços públicos, os pagadores de impostos, principalmente aqueles mais humildes que dependem desses serviços? Em um país livre e democrático, as atividades econômicas e todos os serviços essenciais podem continuar sendo desenvolvidos, mesmo que alguns trabalhadores queiram cruzar os braços.
Não existe a supremacia do direito de greve em relação aos demais direitos de prestar serviços, produzir, comercializar, plantar ou consumir. Todas as pessoas possuem direitos inalienáveis, que devem ser respeitados igualmente. A própria Constituição Federal assegura que serão definidos, em lei, os serviços ou atividades essenciais que não podem ser paralisados, bem como o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Quando se trata de serviços públicos, a necessidade inadiável deve ser presumida. Caso contrário, como justificar a utilização de impostos para custear serviços desnecessários ou que podem ser adiados? O Estado oferta, justamente, serviços considerados essenciais para as pessoas. Ora, se são essenciais, como podem sofrer paralisações? Pior, como essas paralisações e a consequente falta de serviços e de atividades básicas podem ser usadas para forçar o aumento de salários? Não seria isso uma forma de institucionalizar a extorsão?
A situação dos servidores do Banco Central (BC) é ainda mais paradoxal. Exigindo reajuste de 26,3%, o sindicato de servidores votou pela greve, ameaçando paralisar o Pix – hoje o principal sistema de pagamento do país. A greve dos servidores do BC também adiou a divulgação do Boletim Focus (que compila as principais projeções de mercado) e de outras notas estatísticas, que servem de referência para milhares de decisões econômicas.
A razão principal de existir do Banco Central de qualquer país é assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda, em outras palavras, evitar que a inflação corroa o poder de compra dos cidadãos. Além disso, o BC se propõe a zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade: coisas que não podem ser feitas enquanto seus servidores estão em greve.
Servidores do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de, pelo menos, 21 estados e do Distrito Federal, entraram em greve no último mês, requerendo reajuste de 19,99% nos salários. Eles paralisaram as atividades presenciais, como os atendimentos aos aposentados e pensionistas.
As paralisações se tornam ainda mais graves considerando que o INSS é um monopólio estatal de aposentadoria e demais benefícios, que deveria ser um serviço essencial. Se o Estado não atende os aposentados, que confiaram parte da sua remuneração passada acreditando que receberiam suas aposentadorias em dia, como justificar esse monopólio? Outro exemplo que prejudica os cidadãos é a chamada "operação-padrão", muito utilizada em órgãos como a Receita Federal. Nesses casos, o servidor reduz sua produtividade e faz uma greve informal, reduzindo a capacidade de atendimento do órgão.
Na minha opinião, isso não encontra amparo na legislação e viola os princípios básicos da administração pública, como moralidade, legalidade e eficiência. Atualmente, no Brasil, o prazo médio para a liberação de produtos em portos e aeroportos subiu de cinco para 20 dias; em alguns casos, empresas aguardam há mais de 80 dias por insumos.
De um lado, as carreiras dos servidores públicos querem ter o monopólio de determinadas atribuições. Os sindicatos não admitem nenhum tipo de concorrência, mesmo que seja no melhor interesse da sociedade. Justificam que isso serve para proteger a sociedade. Por outro lado, querem usar esse monopólio para forçar aumentos, em alguns casos, até aumentos acima da inflação.
Porém, como fica a razão básica de existir do Estado de servir a sociedade? Como a sociedade pode se proteger de corporações monopolistas que usam sua força para obter vantagens econômicas? Em uma república, nenhum grupo, corporação, sindicato ou carreira pode estar acima do interesse público. Em uma democracia, nada que se pareça com uma extorsão ou corpo mole poderia ser institucionalizada. E lembre-se: sempre que um monopólio for criado, natural ou artificial, público ou privado, mais cedo ou mais tarde poderá ser usado para prejudicar o interesse coletivo. Dessa vez, parece que o aumento de 5% será dado, ou seja, a pressão funcionou e o pagador de impostos será novamente onerado.
Paulo Uebel
Paulo Spencer Uebel foi Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (2019-2020), CEO da Webforce Venture Capital e Diretor da Finvest (2018). Antes, foi Secretário Municipal de Gestão da Prefeitura de São Paulo (2017-2018), CEO da WeWork Brasil (2015-2016) e CEO Global do LIDE - Grupo de Líderes Empresariais (2013 a 2015). Atualmente, é Sócio-fundador e Vice-Presidente da Cristalina Saneamento, Presidente do Conselho de Administração da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais – CODEMGE, Presidente do Conselho de Administração da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – CODEMIG e Vice-Presidente do Conselho Curador da Fundação Renova.
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