Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), na sede da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, Suíça, 23 de março de 2022.| Foto: EFE/EPA/SALVATORE DI NOLFI
A pandemia de covid deveria soar como um alerta para o fato de que há algo muito errado – irreparável, até – na Organização Mundial de Saúde. Essa revelação não deveria surpreender. Afinal, a OMS é parte da Organização das Nações Unidas, firme e forte na incompetência e politização.
Desde o começo, autoridades governamentais, especialistas da saúde e analistas manifestaram preocupações quanto à inepta reação da OMS ao coronavírus, acusando a organização de dar uma confiança imerecida ao governo chinês, o qual de início tentou esconder o surto em Wuhan. Taro Aso, primeiro ministro adjunto e ministro da economia do Japão, até fez troça da OMS, chamando-a de Organização Chinesa de Saúde. Em vez de repreender Pequim pela tentativa de acobertamento, o diretor geral da ONU, Tedros Adhanom Ghebreyesus, elogiou o presidente da China, Xi Jinping, por sua “raríssima liderança” e louvou a “transparência” do Partido Comunista Chinês na reação ao vírus. Poucos negariam que Tedros e a OMS se atrasaram para declarar a emergência sanitária global e, em seguida, a pandemia. Mas a trapalhada mais recente da OMS é de cair o queixo.
A Medicago, uma empresa canadense, desenvolveu uma vacina de covid sintetizada numa planta do gênero Nicotiana, aparentada do tabaco. Nos testes clínicos, a vacina se mostrou 71% eficaz contra todas as variantes estudadas antes do surgimento da variante Ômicron e 75% eficaz contra a Delta. O departamento de saúde do Canadá aprovou a vacina para uso doméstico em fevereiro, mas sua distribuição global encontrou um obstáculo inesperado: a OMS não vai avaliar a possibilidade de aprovação da vacina para uso mais amplo por causa dos laços do fabricante com a empresa suíço-americana Philip Morris International, dona de cerca de um terço das ações da Medicago.
Os países ricos têm hoje um vasto estoque de vacinas de covid, mas a autorização da OMS para a vacina da Medicago, Civifenz, é crucial para expandir o acesso às vacinas nos países de baixa e média renda, já que assim ela ficaria qualificada para a inclusão no programa de vacinas global COVAX, da instituição. O acesso à Covifenz ajudaria especialmente os países que não têm infraestrutura médica sofisticada, porque, ao contrário de algumas das outras vacinas de covid, a Covifenz não precisa de armazenamento num congelador superfrio. A Medicago pode encontrar um jeito de contornar o problema — Philip Morris poderia vender as ações da companhia, por exemplo – mas a atual intransigência da OMS nega o alívio aos países que aos quais o próprio programa COVAX é feito para ajudar.
Esse despautério recente deveria instar os Estados Unidos, enquanto maiores doadores da OMS, a conduzir uma profunda revisão das competências e valores da organização. A saúde pública global é condizente com os interesses americanos não só porque os americanos somos um povo generoso, mas também porque, como a covid nos lembrou, batalhas de saúde pública que não forem não vencidas no além-mar encontrarão um caminho até as nossas praias. Seríamos omissos se déssemos dinheiro a organizações de saúde pública sem ordenar uma boa gestão.
Os americanos pagadores de impostos são os maiores contribuintes do orçamento de aproximadamente 2 bilhões de dólares da OMS. Tal como outras organizações das Nações Unidas, a OMS está empesteada por gastos perdulários, falta de preocupação com transparência, incompetência e até fracasso na adesão aos padrões democráticos mais básicos. Sua subsidiária no hemisfério ocidental, a Organização Pan-Americana de Saúde, apoia regimes antidemocráticos e, na verdade, “enfraquece a saúde pública em vez de fortalecê-la”, segundo um artigo do Wall Street Journal.
A história da OMS é cheia de inépcia e de acordos eticamente comprometidos. Em sua política de erradicação da poliomielite na Síria, por exemplo, os agentes de saúde só tinham permissão para trabalhar com o regime brutal e corrupto de Bashar al-Assad, mas não nas áreas dos rebeldes. Assim, enquanto a OMS de fato continha a poliomielite dentro do território do governo, a doença se espalhou nas áreas rebeldes. A OMS também foi amplamente condenada por não soar o alarme quanto aos perigos do ebola na África Ocidental em 2014. A Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer da OMS é famosa por promulgar relatórios alarmistas sempre contraditadas por reguladores mundo afora. Quando uma comissão parlamentar dos EUA tentou investigar as (bem fundamentadas) acusações de corrupção e conflitos de interesse dentro da agência, esta rejeitou o esforço.
O que explica a conduta dúbia da OMS? Olhemos a estrutura da ONU.
Em primeiro lugar, a ONU é essencialmente um monopólio. “Consumidores” dos produtos e serviços da ONU não podem punir a organização bancando os competidores. Ao contrário: a inadequação toda hora é premiada com recursos extras. Diferentemente do setor privado, onde os projetos fracassados são desprezados, os burocratas amiúde defendem e clamam para expandir programas que claramente não funcionam.
Em segundo lugar, as autoridades da ONU são recompensadas por fazerem o maquinário burocrático funcionar – produzir relatórios, diretrizes, acordos e participar de reuniões – a despeito de seus esforços se revelarem eficazes. Burocratas tipicamente sacrificam qualidade e veracidade em prol do consenso.
Em terceiro, nenhuma autoridade cobra responsabilidade da ONU, e nenhum eleitorado pode demitir os oficiais da ONU quando agem contra o interesse público.
Por último, a organização não é nenhuma meritocracia. O país ou a região de origem dos candidatos à liderança parecem ser mais valorizados do que suas qualificações, e os países que transferem seu pessoal para a OMS compreensivelmente não mandam seus melhores talentos.
O financiamento dos EUA para as atividades da ONU excede o de todos os outros países. Em 2020, os EUA contribuíram com mais de 11 bilhões de dólares, o que correspondia a pouco menos de um quinto do financiamento do orçamento coletivo da organização. A menos que uma supervisão eficaz e uma entidade de auditoria sejam criadas para supervisionar a ONU, os EUA deveriam descontinuar seu financiamento e, em vez disso, apoiar uma entidade que possamos tomar como responsável pela saúde pública global – uma missão tão digna quanto necessária, como a covid nos lembra.
Henry I. Miller, médico e biólogo molecular, é membro sênior do Pacific Research Institute. Ele foi o diretor fundador do Escritório de Biotecnologia da Food & Drug Administration (FDA) dos EUA. Jeff Stier é membro sênior da Taxpayers Protection Alliance.
Por Henry I. Miller e Jeff Stier - Tradução de Bruna Frascolla - City Journal
Gazeta do Povo