sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

"Demônio para quem precisa", por Guilherme Fiuza

 É ininterrupto o satanismo de ‘video game’ contra o monstro do Planalto










Sem querer estragar o video game de satanismo contra o Lúcifer do Planalto, vamos dar uma olhada nas circunstâncias reais. 

Até porque Bolsonaro vai passar, como passaram Lula, FHC e outros (e se ficam por aí como almas penadas fazendo lobby pendurados em mordomias de ex-presidentes é outra conversa). 

É até compreensível que você precise de um Lúcifer cenográfico para vender a sua fantasia de resistência e dar substância ao seu placebo moral. 

Mas, sem querer cortar a onda, vamos falar um pouco da realidade que teima em subsistir por trás da sua exuberante cenografia de revolução infantojuvenil.

Um presidente não é nada. No máximo é um símbolo. 

O que interessa para os que não têm tempo para indignação de video game são as ações de um presidente. 

Portanto, o seu governo. 

Não é fácil analisar um governo — nem mesmo os próprios presidentes são capazes de fazê-lo com a devida abrangência. 

Mas há os sinais principais de uma gestão, e aí se pode ter, desde que não se troque honestidade por panfletagem, uma boa pista sobre o que representa um presidente para o país.

Muitos achavam o candidato Bolsonaro um político caricato, aparentemente representando um segmento restrito e gerador de polêmicas. 

Normal. 

A maioria da população viu nele outra coisa — uma boa possibilidade de representação — e o elegeu presidente. 

Ponto. 

Ou melhor, vírgula. 

Era preciso então ver que tipo de representação seria essa. 

Olhar para o novo governo com honestidade. 

É o que muita gente continua se recusando a fazer, preferindo estacionar na caricatura pregressa do presidente. 

Vamos dar uma olhada na gestão do governo federal 2019-2020, falando baixo para não atrapalhar o fetiche sadomasô.

Problemas não faltam. 

No momento em que o Supremo Tribunal Federal age ostensivamente de forma política, sempre forçando o ambiente na direção das pautas demagógicas do petismo e congêneres (a maioria da Corte foi indicada por Lula e Dilma), Bolsonaro indica um ministro aparentemente afinado com essas diretrizes. 

É cedo para uma avaliação consistente, mas não é cedo para desconfiar de que foi uma má escolha.

O mesmo acontece em relação ao procurador-geral da República — aí ressalvando-se que o presidente tinha opções limitadas. 

Ainda assim, o procurador-geral por ele indicado investiu tão rápida e acintosamente contra a Operação Lava Jato, ao menos no discurso e nas ações iniciais, que se tornou absolutamente legítimo esperar más consequências dessa escolha.

Os líderes do governo no Congresso também foram escolhas duvidosas. 

Um quer porque quer parar tudo no meio do caos pandêmico para fazer uma Constituição nova. 

Outra saiu e aderiu ao satanismo de video game contra o monstro do Planalto. 

Mas nada é significativo nessa avaliação sem olhar para resultados. 

E o principal resultado na relação do governo com o Congresso é a aprovação em menos de um ano da reforma da Previdência — aquela que dez entre dez especialistas sérios diziam ser o passo essencial para o país reabrir seu futuro. 

E que uma vez aprovada passou a ser considerada por nove entre dez especialistas mais ou menos sérios como uma coisa trivial, caída do céu.

Areforma da Previdência não caiu do céu. Foi formulada e proposta pela equipe comandada pelo ministro Paulo Guedes (que também não caiu do céu), depois de ampla campanha de esclarecimento no Brasil e no exterior — ação geradora do apoio político fundamental para o prosseguimento de um projeto complexo e dependente de sacrifícios. 

Aí a reforma passou a ser negociada ponto a ponto com o Parlamento — o que realmente é de estranhar, em se tratando de um governo fascista diabólico. 

A resistência de video game ouviu falar de democracia, mas não ligou o nome à pessoa.

A relação com a maior parte da imprensa é péssima e o presidente faz questão de ser hostil a vários dos veículos de comunicação tradicionais. 

Também é fato que os referidos veículos enviesaram seu noticiário para descredenciar o presidente, chegando a insistir em teses bizarras como a da eleição fraudada por manipulação de WhatsApp. Ainda assim a liberdade de imprensa esteve em plena vigência nesses dois primeiros anos e o governo não exerceu nem incitou a embargos ou censuras.

Sempre que apareceu de algum gueto referência a cerceamento de instituições — em alusões a medidas autoritárias como o famigerado AI-5 — o presidente desautorizou imediatamente, sem nenhuma brecha para interpretações indiretas. 

“Quem fala em AI-5 está sonhando”, disse Bolsonaro.

O governo teve o seu poder de comandar o enfrentamento da pandemia cassado pelo STF — que decidiu ser dos Estados da federação a autoridade pela política de segurança sanitária. 

Houve todo tipo de abuso, como o desvio de verbas emergenciais — o chamado Covidão, que acarretou o afastamento do governador do Rio de Janeiro e a prisão da secretária de Saúde do Amazonas. 

Claro que quando o colapso se consumou em Manaus a resistência cenográfica acordou para o problema e correu para o seu video game satânico contra o culpado por todos os males da nação.

Já o cronograma do programa de vacinação conduzido pelo Ministério da Saúde é bastante questionável, considerando que as vacinas disponíveis se encontram em fase experimental, sem ter por exemplo estudos suficientes com idosos (ver Anvisa) — justamente os mais vulneráveis e que justificariam uma campanha de imunização emergencial. 

O governo cedeu às pressões políticas em favor de vacinas incipientes.

Foram dois anos sem escândalos de corrupção envolvendo o governo federal. 

Como termo de comparação, só no primeiro ano de Dilma Rousseff foram seis — acarretando a queda do número equivalente de ministros. 

A grande imprensa fez um bom trabalho denunciando as negociatas, mas não transformou Dilma em alvo permanente. 

Um dos principais escândalos de 2011 envolveu o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), atualmente recebendo um choque de gestão e transparência comandado pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas — uma das várias escolhas técnicas de Bolsonaro para o primeiro escalão.

Há incertezas sobre o programa de desestatizações — e o andamento da pauta de privatização da Eletrobras vai mostrar se o governo está firme nessa agenda (depois de mais de R$ 150 bilhões em ativos desestatizados) ou se está sendo travado pela máquina, o que seria uma derrota importante. 

É continuar observando o melhor possível, para apontar os erros e os acertos.

Não é um video game. E, se você estiver em busca de estética, vá ver uma série e pare de sofrer.

Revista Oeste