Os democratas de galinheiro sonham com um Nicolás Maduro no lugar de Bolsonaro
Em 2 de abril de 2013, Nicolás Maduro inaugurou a campanha para a eleição presidencial com uma revelação espantosa até para plateias que pareciam ter renunciado ao direito de se espantar com alguma coisa: menos um mês depois da morte, o comandante Hugo Chávez reencarnara num passarinho e resolvera visitar o herdeiro político.
Única testemunha da façanha do padrinho, o candidato contou que estava rezando numa capelinha de madeira quando a versão alada de Hugo Chávez apareceu de repente, entrou em órbita logo acima da cabeça de Maduro, fez três giros seguidos, pousou numa viga e começou a assoviar.
Maduro assoviou de volta, com a naturalidade de quem sabia quem era o visitante.
“Senti o espírito dele”, explicou.
“Eu o senti como uma bênção, dizendo-nos: ‘Hoje começa a batalha. Vocês têm as minhas bênçãos. Rumo à vitória’. Eu o senti na minha alma.”
(Devolvido pelo fim do mandato ao ócio sem dignidade, de novo sem emprego fixo, com tempo e dinheiro de sobra, o ex-presidente Lula decidiu intrometer-se na eleição venezuelana.
Ele estava no palanque ao lado de Maduro quando ouviu a história do passarinho.
Não viu nada de mais naquele palavrório de Napoleão de hospício.
Ao discursar em português indigente, recomendou aos venezuelanos que transformassem em presidente da República o filhote do companheiro Hugo Chávez.
Não deu um pio sobre o calote de bilhões de dólares prometidos pela caricatura de Simón Bolívar ao sócio brasileiro no contrato para a construção da Refinaria Abreu e Lima, até hoje inacabada.
Alguns dias mais tarde, Lula foi visto no sítio em Atibaia festejando a vitória de Maduro.)
Em julho de 2014 , numa das comemorações do 60º aniversário da divindade morta aos 59, Maduro confirmou os rumores de que fora reprisado o encontro com um passarinho.
Em vez da reencarnação de Chávez, conversara com um emissário escalado pelo chefe também por ser fluente em espanhol.
“Vou confessar a vocês que outro passarinho se aproximou de mim e disse que nosso comandante está feliz e cheio de amor por causa da lealdade do seu povo”, garantiu Maduro num discurso na cidade de Sabaneta, onde Chávez nasceu.
Até o momento em que encerrávamos esta edição, não se soube de uma terceira aparição.
O homem-passarinho talvez acredite que o sucessor já não precisa de conselhos nem de recados estimulantes.
Talvez tenha descoberto que instalou no trono em Caracas um caso perdido.
(Dilma Rousseff certamente cravaria a primeira opção.
Em cinco anos e meio de desgoverno, o coração rabugento só batia em descompasso quando o cubano Raúl Castro se instalava na Granja do Torto ou trocava meigas mensagens com o gerente da ditadura que vem mantendo a Venezuela na trilha à beira do penhasco.
A temperatura do flerte beirava o ponto de combustão nos vídeos em que ambos caprichavam no papel de cabo eleitoral do parceiro.
Nenhum venezuelano votou em Maduro para atender ao apelo da presidente do Brasil.
Nenhum brasileiro votou em Dilma para atender ao apelo do capataz da Venezuela.
O sorriso e o tom da voz faziam chegar ao destinatário o recado que interessava a ambos: haviam nascido um para o outro. A sorte é que o destino os manteve separados.
Se agissem em dupla, nenhum dos dois países sobreviveria para testemunhar o desembarque do coronavírus na América do Sul.)
O sumiço das aves falantes não provocou a ruptura das amistosas relações entre um bigodão sem cérebro e espécies do mundo animal.
Em maio de 2017, quase três anos depois da última conversa com um passarinho, Maduro deixou claro que troca ideias também com vacas.
Na abertura de uma feira agropecuária em Caracas, caminhou em direção aos currais para que todo o rebanho ouvisse a discurseira.
“Convoco desde já a Constituinte”, disse aos devotos que o escoltavam enquanto mirava as eleitoras com quatro patas.
“Quero que vocês, líderes e produtores do campo, sejam os próximos deputados e deputadas constituintes.”
Perto do cercado, com o indicador direito a centímetros dos bichos, dispensou-se de rodeios.
“Vocês vão me acompanhar?”, perguntou.
“Ou vocês querem protestos, violência e morte?”.
Nem uma coisa nem outra, respondeu o silêncio bovino.
(Não pode governar país nenhum quem conversa com passarinhos e interpela vacas, certo?
Errado, berram os devotos da seita que promoveu a único deus um corrupto duas vezes condenado em segunda instância.
Aos olhos estrábicos dos democratas de manifesto e dos libertários de galinheiro, cabeça com severas avarias é a de Jair Bolsonaro.
Não é possível respeitar o resultado de uma disputa nas urnas se o vencedor exibe a face escura na hora de enfrentar um desastre sanitário.
A pandemia, repetem de meia em meia hora os adoradores de larápios, rasgou a fantasia que camuflava o genocida, o negacionista, o inimigo das vacinas, o sociopata que deve ser demitido pelo impeachment antes que o Brasil acabe.)
Haja cinismo.
Se o País do Carnaval acabasse, nenhum dos órfãos da União Soviética, nenhum dos nostálgicos do Muro de Berlim, nenhuma das tantas viúvas de Stálin se arriscaria a buscar abrigo no inferno carente até de papel higiênico.
Se estivesse efetivamente entusiasmada com o desastroso desempenho de Maduro, a turma toda já estaria congestionando os caminhos que levam a Caracas, disposta a tudo para conseguir o remédio que inspirou o vídeo divulgado nesta semana.
“Apresento o medicamento que neutraliza 100% dos sintomas do coronavírus: o Carvativir, mais conhecido como as gotinhas milagrosas do doutor José Gregorio Hernández”, gabou-se Maduro, que aproveitou para anunciar a iminente chegada de milhões de doses da vacina russa Sputnik.
Se as gotinhas do doutor Hernández operam milagres, por que desperdiçar dinheiro com imunizantes do doutor Putin?
É perda de tempo formular perguntas assim aos que gritaram “Lula Livre”, berraram “Fora Temer” e agora querem com um pedido de impeachment o que lhes foi negado pelas urnas em outubro de 2018.
Faltam-lhes programas, projetos, bandeiras, palavras de ordem ou candidatos sustentáveis.
Eles tentam convencer-se de que Jair Bolsonaro é o adversário com que sonha toda oposição.
Podem acabar descobrindo que todo presidente da República sonha com esse tipo de oposição.
Revista Oeste