Notas sobre o que veremos neste ano que está começando
Para muita gente, 2021 não poderá ser pior que 2020. Sim, o ano passado foi muito difícil, com uma pandemia cuja origem ainda está mal explicada. Atividades econômicas foram levadas à paralisia, regras que pareciam eternas tiveram de ser mudadas. O espectro de um novo tipo de totalitarismo está no ar, como os vírus da covid-19.
Muita gente usou a pandemia como desculpa para tirar férias remuneradas. Muitos outros aproveitaram a crise para reinventar o mundo como o conhecemos. Aceleraram evoluções urgentes que precisavam de um empurrão. Usaram a crise, não foram usados por ela.
A seguir, uma seleção de tendências para 2021, apontadas por especialistas em várias fontes (a lista está no fim do artigo). A pandemia está presente em quase todas as previsões, mas como fonte de inspiração para mudanças. É a turma do copo meio cheio.
1) Os serviços de telemedicina vão florescer, independentemente da crise. Cada vez mais pessoas serão atendidas por teleconferência, diagnósticos serão realizados com recursos de inteligência artificial, formas alternativas de convênio vão se multiplicar. A medicina terá cada vez mais o apoio de instrumentos tecnológicos de prevenção. Um exemplo: aplicativos de celular que monitoram a condição cardíaca do paciente 24 horas por dia podem prevenir um enfarte. A mesma tendência tecnopreventiva poderá ser observada no acompanhamento de doenças crônicas como diabetes.
2) O turismo tenderá a ser mais local do que internacional. Por quanto tempo? Ninguém pode prever. O turismo internacional deve crescer apenas 8% em 2021, permanecendo abaixo dos níveis de 2019. As viagens de negócios sofrerão ainda mais depois que as empresas descobriram que reunir pessoas distantes pelo Zoom é infinitamente mais barato. Mas deverá haver um momento, talvez no próprio ano que se inicia, em que o desejo reprimido de viajar pelo mundo voltará com tudo, mudando essa perspectiva.
3) Formas tradicionais de educação precisarão provar que são realmente indispensáveis. A pandemia afetou a educação presencial de 1,6 bilhão de pessoas em 190 países. Novos caminhos foram testados: teleaulas, cursos específicos pessoa a pessoa, recursos inovadores de autodidatismo. Este ano, professores precisarão se atualizar em seus métodos, na visão de mundo e terão de parar de usar a sala de aula para doutrinação ideológica. Ou se tornarão obsoletos em pouco tempo.
4) A pandemia de covid-19 pode trazer uma onda de nostalgia de curtíssimo prazo. Lembranças da época em que a gente podia sair de casa sem máscara, assistir a um jogo de futebol no estádio ou se largar em festas lotadas. Ou seja, 2019. Vai demorar ainda um tempo para que a vida volte mais ou menos ao “normal” de um ano atrás. Teremos séries, filmes e livros lembrando como era a vida “antigamente”.
5) Teclaremos cada vez menos e falaremos cada vez mais com nossos computadores, celulares e assistentes pessoais tipo Amazon Echo. Já podemos ditar textos para nosso computador. Já aprendemos a chamar “Ok, Google” e a dar ordens para Siri. Estamos sendo preparados para essa nova realidade.
6) Com um empurrão da inteligência artificial e de redes 5G, 2021 deverá conhecer uma forte onda de automatizações. Como a linha de metrô que não precisa de condutores e cobradores. Cada vez mais tarefas dispensarão o trabalho repetitivo de seres humanos. Empregos serão perdidos no processo. Outros serão criados.
7) Carros autônomos começarão a se estabelecer definitivamente com a produção em massa de veículos que não precisam de motorista. Empresas como Honda, Tesla, Ford, Mercedes-Benz e GM já trabalham com a nova possibilidade em suas linhas de montagem. Ela será definitivamente impulsionada com a rede 5G. O novo padrão será usado também no transporte coletivo urbano.
8) Chegou enfim a hora do carro elétrico. As vendas globais já cresceram 62% em um ano, atingindo o total de 3,4 milhões de veículos. Pelas leis da economia de mercado, quanto mais vendem, mais baratos podem ficar. E assim vender mais etc. A porcentagem de veículos elétricos na frota total (hoje em cerca de 3%) deve crescer rapidamente neste ano. Pesquisadores da Universidade de Toronto calculam que serão 7% em 2030 e 90% em 2050.
9) Os céus ouvirão cada vez mais frequentemente o zumbido dos drones. A princípio, serão mais usados em situações de emergência, como na entrega de remédios urgentes e em desastres. Mas a solução é tão boa que os drones só estão esperando algumas regulamentações de segurança e mais investimentos para se tornarem o meio mais rápido, seguro e prático de transporte de pequenas cargas. O passo seguinte já está sendo planejado, como vimos na Edição 37: drones para passageiros.
10) Nas redes sociais, veremos a consolidação do chamado remixing. São os recursos de aplicativos do tipo Instagram Reels e TikTok que facilitam nossa criação. Mais e mais aplicativos que distorcem a realidade, incluem instrumentos de edição e facilitam gracinhas serão oferecidos no mercado. Em breve, o remixing poderá evoluir da piada fácil para algo mais inteligente e criativo.
11) Instituições bancárias tradicionais terão de suar ainda mais para acompanhar a agilidade das fintechs. Muitos “bancões” vão precisar sair da zona de conforto. E muitas fintechs em crescimento rápido — como Nubank, Inter etc. — terão de encontrar um caminho que não as tornem pesadas como os velhos bancos.
12) Com a vacinação em massa contra a covid-19, as pessoas poderão voltar “ao escritório”. Mas o cristal foi quebrado. A pandemia forçou a criação de novas relações de trabalho. Não deverá haver um movimento tipo “agora todo mundo de volta à firma”. O homeworking vai continuar funcionando para larga parcela do mercado. Os aspectos mais irracionais das antigas relações de trabalho poderão — felizmente — sumir para sempre.
13) Rituais tradicionais interrompidos pela pandemia poderão continuar suspensos. Mudanças deverão acontecer em nossa vida cotidiana. Quem não gostava muito de comemorar aniversário encontrou uma forma de ver todos pelo Zoom, receber o cumprimento e desconectar-se. Vai poder continuar com essa opção, mesmo que não seja obrigado a isso.
14) Comércio e redes sociais estarão cada vez mais conectados. Instagram, Facebook, WhatsApp, YouTube e outras redes estão criando links diretos de compra em seus aplicativos, no que é chamado de social shopping. Isso vai facilitar muito a vida do pequeno produtor, do artesão etc. Grandes empresas vão optar cada vez mais por essas estratégias de “guerrilha”.
15) A preocupação com a responsabilidade social das empresas entrará definitivamente no radar dos clientes. Não basta mais apresentar um bom produto a bom preço. Elas precisam deixar claro que não cometem crimes como racismo ou desastres ambientais. Quanto mais se preocuparem e se prevenirem, menos campo deixarão para a exploração política de oportunistas.
16) Com as limitações de deslocamento, o comércio local será mais valorizado. Ao comprar nas redondezas, o consumidor valoriza o bairro onde vive, e seu próprio imóvel, num círculo virtuoso.
17) Após grandes crises, governos costumam investir em infraestrutura para reavivar a economia. Aconteceu nos Estados Unidos após a crise de 1929 com o New Deal de Franklin Delano Roosevelt. O primeiro-ministro Boris Johnson já anunciou que vai aplicar o equivalente a US$ 6,1 bilhões em obras de infraestrutura. O governo brasileiro pretende fazer o mesmo, especialmente na tão necessitada rede ferroviária brasileira. O investimento em obras de infraestrutura será uma das tendências certas de 2021 em boa parte do mundo.
18) Segundo a revista The Economist, voltaremos aos cinemas, com novas regras de distanciamento social. Algumas produções altamente aguardadas (como o novo filme de James Bond) vão multiplicar os lucros no setor. Por outro lado, 2020 estabeleceu de vez o poder dos sistemas de streaming, que se fortaleceram para atravessar 2021 com confiança.
19) A consultoria GlassDoor identificou algumas profissões que deverão estar em baixa no ano de 2021. Entre elas: coordenador de eventos, chef de cozinha, estilista, manobrista, fisioterapeuta, recepcionista, contador, gerente de vendas, professor e gerente de recursos humanos.
20) O “jantar fora”, que estava vulgarizado, voltará a ser um evento de prestígio social. Todo mundo teve de aprender a comer em casa durante a pandemia. Neste ano, os restaurantes vão precisar trabalhar para transformar a experiência do jantar em algo marcante. A culinária vegetariana vai sair de vez do gueto para atingir uma fatia maior do público, e isso já está mexendo com toda a cadeia de produção de comida. Outra tendência acelerada pela pandemia é o aumento de cuidados com a higiene nas cozinhas.
21) Redes sociais de nicho ganharão espaço. Com nossas prisões domiciliares durante 2020, as redes sociais conheceram um boom e atingiram 4,57 bilhões de usuários, o que equivale à metade da população global. Segundo levantamento da eConsultancy, o Facebook foi um vencedor durante a pandemia e deverá continuar dominando neste ano. Cansadas dos anos de guerra ideológica, as pessoas se deslocarão para redes com grupos menores que pensam na mesma direção.
Fontes: AdAge, Bank Marketing, Benefits Pro, Brum Network, Business 2 Community, BusinessWire, Drug Discovery & Development, The Economist, Econsultancy, The Enterprisers Project, Food & Wine, revista Forbes, GlassDoor, Marketing Week, New Hope Network, Pegasus Tech, Yahoo.
Dagomir Marquezi, nascido em São Paulo, é escritor, roteirista e jornalista. Autor dos livros Auika!, Alma Digital, História Aberta, 50 Pilotos — A Arte de se Iniciar uma Série e Open Channel D: The Man from U.N.C.L.E. Affair. Prêmio Funarte de dramaturgia com a peça Intervalo. Ligado especialmente a temas relacionados com cultura pop, direitos dos animais e tecnologia.
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