Numa mensagem atribuída ao ministro, o decano do STF afirma que os bolsonaristas “odeiam a democracia” e pretendem instaurar uma “desprezível e abjeta ditadura”
Numa mensagem de WhatsApp atribuída a Celso de Mello, o ministro do Supremo Tribunal Federal comparou o Brasil de hoje à Alemanha de Adolf Hitler. “GUARDADAS as devidas proporções, O ‘OVO DA SERPENTE’, à semelhança do que ocorreu na República de Weimar (1919-1933), PARECE estar prestes a eclodir NO BRASIL!”, escreveu o decano do STF, usando letras maiúsculas e exclamações, segundo o jornal O Estado de S.Paulo.
Relator do inquérito que investiga as acusações levantadas pelo ex-ministro Sérgio Moro de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, Mello também afirmou na mensagem que os bolsonaristas “odeiam a democracia” e pretendem instaurar uma “desprezível e abjeta ditadura”.
“É PRECISO RESISTIR À DESTRUIÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA, PARA EVITAR O QUE OCORREU NA REPÚBLICA DE WEIMAR QUANDO HITLER, após eleito por voto popular e posteriormente nomeado pelo Presidente Paul von Hindenburg, em 30/01/1933, COMO CHANCELER (Primeiro Ministro) DA ALEMANHA (“REICHSKANZLER”), NÃO HESITOU EM ROMPER E EM NULIFICAR A PROGRESSISTA, DEMOCRÁTICA E INOVADORA CONSTITUIÇÃO DE WEIMAR, de 11/08/191, impondo ao País um sistema totalitário de poder viabilizado pela edição , em março de 1933 , da LEI (nazista) DE CONCESSÃO DE PLENOS PODERES (ou LEI HABILITANTE) que lhe permitiu legislar SEM a intervenção do Parlamento germânico!!!! “INTERVENÇÃO MILITAR”, como pretendida por bolsonaristas e outras lideranças autocráticas que desprezam a liberdade e odeiam a democracia, NADA MAIS SIGNIFICA, na NOVILÍNGUA bolsonarista, SENÃO A INSTAURAÇÃO, no Brasil, DE UMA DESPREZÍVEL E ABJETA DITADURA MILITAR!!!!”, completou Celso de Mello.
Na mais recente edição da Revista Oeste, o jornalista Augusto Nunes descreve a cruzada movida por Celso de Mello contra o governo federal. “No começo deste ano, enxergou num vídeo divulgado por Jair Bolsonaro num grupo de WhatsApp uma gravíssima ameaça ao Estado Democrático de Direito, por revelar ‘a face sombria de um presidente que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático’”, escreveu Nunes.
O texto continua: “A ausência de vírgulas na frase acima reproduzida deve ter consumido o fôlego do Decano. Depois de algumas semanas em recesso, ele voltou a sobrevoar o Palácio do Planalto. Em duas arremetidas sucessivas, tentou confiscar o celular do presidente e promoveu a exibição, na íntegra, de uma reunião do primeiro escalão do governo federal”.
Nunes conclui com uma constatação que pode ser confirmada com a mensagem de WhatsApp divulgada neste domingo, 31. “O sonho de Celso de Mello é afastar Bolsonaro do cargo que alcançou a bordo do voto popular. Quando outubro terminar, o ministro sairá de cena de vez. Seja qual for o desfecho do voo, o Pavão de Tatuí vai descobrir que está proibido de bater asas e pernas em paz até mesmo na cidade em que nasceu”.
Branca Nunes, Revista Oeste
Em tempo: O que o jurista Saulo Ramos sabia sobre Celso de Melo...
“Entendi que você é um juiz de merda”, disse Saulo Ramos a Celso de Mello
A história está relatada no livro “Código da Vida”, de Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça responsável pela nomeação de Celso de Mello para o STF no governo Sarney.
“Terminado seu mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.
Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:
— O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.Celso de Mello
— O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.
Celso de Mello concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.
O advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.
O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.
Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.
Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.
Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:
— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.— Claro! O que deu em você?— É que a Folha de S.Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.
Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?— Sim.— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?— Exatamente. O senhor entendeu?— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça
Kiko Nogueira - DCM, 15/2/2017