Teste de integridade, simulando situações, sem conhecimento do servidor público, que possam testar a sua moral, remonta a épocas autoritárias no Estado brasileiro
A corrupção e os meios para combatê-la são o principal tema em debate na sociedade brasileira, mobilizando os cidadãos, a imprensa e as instituições públicas e privadas. Os malefícios provocados pela corrupção são notórios e atingem, especialmente, a população mais vulnerável atendida pela Defensoria Pública, na medida em que dificulta o acesso à saúde, à educação e a um serviço público de qualidade.
Porém, o fim da corrupção, objetivo maior perseguido pela sociedade brasileira, não deve se valer de instrumentos que signifiquem verdadeiro retrocesso civilizatório, como ocorre com parte das Dez Medidas propostas pelo Ministério Público Federal, convertidas no Projeto de Lei nº 4.850/2016 e em discussão na Câmara dos Deputados.
As medidas propostas se desdobram em um pacote de reforma da legislação penal e processual penal do Brasil que repercutirão não apenas nos acusados de crimes contra o patrimônio público, mas, principalmente, na população pobre que superlota os presídios brasileiros.
Tema preocupante é o das provas ilícitas, pois, num contexto pós-ditadura militar de 1964, não se admite que os fins justifiquem os meios, bem como o risco, a partir da obtenção de provas ilegais, de legitimar buscas policiais na residência dos cidadãos sem autorização judicial e também, em última análise, a tortura para obtenção de informações durante uma investigação.
Por outro lado, o aumento expressivo de penas para alguns crimes, tornando-as maiores que as previstas para o homicídio em alguns casos, em nada contribui para o bem-estar social. No Estado do Rio de Janeiro, em dezembro 2013, havia 32 mil presos, enquanto em setembro de 2016 saltou para 50.566 — ou seja, em menos de três anos, houve um aumento muito maior do que o registrado em uma década, sem que isso signifique qualquer melhoria na sensação de segurança da população. O ônus desse superencarceramento continuará recaindo sobre a população mais vulnerável.
A limitação do uso do habeas corpus, garantidor do direito de liberdade de todo cidadão, é medida típica de regimes autocráticos, tal como ocorreu no Brasil em 1968 com a edição do AI-5, que, entre outras medidas, suspendeu o instrumento em casos de crimes políticos e contra a segurança nacional.
Por fim, a realização do teste de integridade, simulando situações, sem conhecimento do servidor público, que possam testar a sua moral ou predisposição para o cometimento de crimes, remonta a épocas autoritárias no Estado brasileiro, quando se utilizava a infiltração de agentes para perseguição de opositores do governo. Além disso, representa desperdício de recursos públicos, uma vez que órgãos como a PF e o MPF já são estruturados para o combate à corrupção.
A Defensoria Pública se alia a todas as entidades que buscam o combate à corrupção. Contudo, com a adoção de medidas que fortaleçam a democracia, a transparência da gestão pública e, principalmente, que não tragam danos à população mais carente e vulnerável do nosso país.
André Castro é defensor público-geral do Rio de Janeiro