Talita Marchao
Do UOL
- Reprodução/Play-Off
Os cubanos já não dependem exclusivamente do governo como fonte de informação. Uma série de revistas independentes desafiam o monopólio do controle estatal da imprensa e proporcionam um ponto de vista diferente do oferecido pela mídia controlada pelo governo aos cubanos e ao resto do mundo, burlando a censura presente no país.
Para alguns cubanos, como Pedro Enrique Rodriguez, 30, a ideia de criar uma publicação foi justamente para preencher o vazio informativo deixado pela imprensa oficial.
"Em Cuba, todos os meios do Estado mostram uma cara triunfal e distorcida da realidade do esporte e dos esportistas cubanos. Queríamos mostrar que tudo era muito diferente", disse em entrevista ao UOL o criador da revista Play-Off, voltada para a cobertura esportiva.
"O tempo em que os cubanos pediam permissão para o governo já terminou."
O curioso é que, como o governo tem a exclusividade da cobertura dos jogos e eventos esportivos, os próprios fotógrafos e jornalistas do governo acabam prestando serviço como freelancers para a publicação independente –muitos desses profissionais de imprensa já trabalham informalmente para agências de notícias internacionais.
A revista paga mensalmente 15 CUC (US$ 15, cerca de R$ 49) para entrar no catálogo do "paquete" no formato PDF, garantindo assim a sua distribuição para todo o país. Como o sistema de venda de conteúdo no pendrive é completamente ilegal e incontrolável, é impossível saber quantos leitores tem acesso à publicação. A revista está disponível ainda na internet, mas como o acesso na ilha ainda é muito caro, o site ainda é um meio secundário de acesso.
Questionado sobre o medo de serem flagrados pelo Estado e terem a circulação proibida, Rodriguez diz que o medo sempre está presente em todos os negócios não-estatais, e este medo é muito maior no caso dele e de sua equipe, já que são um meio de imprensa que fala sobre a realidade dos esportistas cubanos. "Não somos um meio credencial porque não convém ao governo", afirma.
Outra novidade é a forma como a revista se banca: publicidade privada –em um país comunista. Alguns estabelecimentos comerciais não-estatais pagam para colocar os anúncios na edição da revista. Mas, como a publicidade ainda é quase inexistente em Cuba, este é um setor que engatinha.
"A maioria dos negócios em Cuba ainda não sabe a importância da publicidade. É uma área totalmente inexplorada no país", explica Rodriguez. Entre os anunciantes das revistas independentes, aparecem bares, restaurantes e até uma ONG de proteção aos animais.
Outra publicação independente que segue o mesmo modelo é a Vistar, voltada para a cobertura de temas culturais, música e entretenimento. Ainda que seja produzida em Havana, é uma revista registrada na República Dominicana –por isso, sua existência é reconhecida legalmente.
Com uma equipe um pouco maior, a Vistar é distribuída da mesma forma –pelo "paquete" e online. Mas afirma que são feitos, em média, 50 mil downloads de cada edição. Ela também diz que seu lucro vem da renda de publicidade, e tem até mesmo propagandas internacionais e de grandes marcas, como da cerveja mexicana Sol e de companhias aéreas.
A Vistar faz ainda um trabalho de interação e engajamento com o leitor cubano, incentivando a participação com o envio de fotografias e opiniões.
Para compreender o atual funcionamento da imprensa cubana, é preciso entender que na revolução, em 1959, quase toda a economia foi estatizada, incluindo a imprensa, durante a transição da sociedade e da economia para o socialismo. Até hoje, jornais e revistas permitidas no país estão vinculados financeiramente ao Estado, que mantém todo o controle político e ideológico.
Jornalistas, fotógrafos e todos que fazem parte da cadeia de produção e publicação são funcionários estatais, não importa se o jornal é nacional ou regional. Isto inclui também os canais de TV –entre os poucos canais estrangeiros, aparecem emissoras venezuelanas. As novelas brasileiras, famosas em Cuba, são exibidas em canais estatais.
O surgimento de veículos de comunicação independentes não é uma novidade. Diversas tentativas foram realizadas durante as últimas décadas. A historiadora Silvia Miskulin, especialista em imprensa cubana, explica que conforme a revolução foi se institucionalizando, sobretudo nos anos 70, o espaço para publicação independentes, consideradas contrarrevolucionárias, ficou praticamente inexistente.
"Foi um período de maior controle intelectual, cultural e da imprensa", conta Silvia.
Na opinião da especialista, ainda que a internet seja bastante restrita na ilha, ela permite este aumento no número de publicações independentes, dando maior acesso e visibilidade.
"Em períodos em que a crise se acentua, como nesta fase atual da ilha, mais grupos tentam dar voz às suas opiniões dentro do aparato estatal", explica.
Silva ressalta, entretanto, que muitas vezes todo o material produzido precisa ser enviado para fora o exterior para ser publicado online, já que a internet no país é cara, lenta e passa por censura. "Às vezes, o conteúdo está em um site hospedado em outro país justamente para não ser alvo da censura."
Silvia lembra ainda que a própria profissão de jornalista é controlada em Cuba. "Para cursar jornalismo em uma das universidades estatais, a pessoa precisa da autorização da UJC (União da Juventude Comunista, que é ligada ao Partido Comunista Cubano. A UJC pode vetar o ingresso se a pessoa não tem o perfil político ou ideológico, e até se não cumpriu obrigações junto à entidade", diz a historiadora.