quinta-feira, 14 de abril de 2016

Neurocientistas fazem jovem tetraplégico mover pulso, mão e dedos


Ian Burkhart tocando uma guitarra de videogame - Divulgação/'Nature'


Renato Grandelle - O Globo



Implante de chip permite que tetraplégico realize ações usando apenas a mente


Seis anos atrás, o americano Ian Burkhart comemorava o fim de seu primeiro ano da universidade com um passeio de férias em uma praia na Carolina do Norte. Ao tentar pegar uma onda, o jovem bateu a cabeça no fundo de areia. A força do impacto quebrou o seu pescoço e o fez ficar tetraplégico. Burkhart, agora com 24 anos, é personagem de um estudo inédito. Um implante desenvolvido por instituições lideradas pela Universidade Estadual de Ohio fez dele a primeira pessoa completamente paralisada do pescoço pra baixo a realizar movimentos usando apenas seus próprios pensamentos. O dispositivo, chamado NeuroLife, permitiu que Burkhart recuperasse algum controle de suas mãos, dedos e pulsos — o suficiente para pegar uma garrafa e despejar seu conteúdo, tocar guitarra no jogo de videogame “Guitar Hero” ou passar um cartão de crédito.

Dois meses após o implante do chip, Burkhart realizou os seus primeiros movimentos, mas eram limitados porque os músculos, que não eram usados há muito tempo, ainda estavam enfraquecidos. Desde então, o paciente passa por sessões semanais de reabilitação, ampliando o número de ações possíveis.

— Ian já aprendeu a mover separadamente cada um dos dedos, o que excedeu as nossas expectativas — revela Chad Bouton, coautor do estudo sobre o NeuroLife, publicado esta semana na revista “Nature” e diretor de Neurotecnologia do Instituto Feinstein de Pesquisa Médica. — Além disso, ele agora consegue fazer movimentos mais sofisticados, usando o ombro e o movimento da mão para agarrar e deslocar objetivos sem deixá-los cair, o que muitas vezes ocorria no começo do estudo. Sabe fazer apertos de mão mais firmes ou leves, dependendo do que pretende manusear. É possível controlar este processo usando apenas o pensamento.

SINAIS DECIFRADOS

O estudo começou em 2014, quando Burkhart concordou em participar da pesquisa da Universidade Estadual de Ohio. Médicos fizeram o implante de um chip do tamanho de uma ervilha no cérebro do jovem. Este equipamento transmite os pensamentos do paciente para um computador, que decodifica as informações e envia os comandos do cérebro para uma série de pulseiras que estimulam eletricamente os músculos do braço.

— A operação durou três horas, e demoramos uma hora e meia usando ressonância magnética para isolar a parte do cérebro que controla os movimentos da mão no córtex motor — revela Ali Rezai, diretor do Centro de Neuromodulação da universidade e coautor do estudo. — Nos primeiros momentos em que usou o dispositivo, Ian conseguia apenas apertar a mão, mas agora ele pode realizar movimentos com cada dedo com 70% de precisão. E esta performance melhora a cada dia.

A equipe precisou de alguns meses para dominar o dispositivo e fazer com que o computador decodificasse os pensamentos de Burkhart. Com a repetição, o sinal se tornou mais claro ao longo do tempo, o que permitiu movimentos mais suaves e rápidos.

Os avanços tecnológicos que proporcionaram a criação do dispositivo neural também foram destacados por Bouton:

— Durante a última década, aprendemos como decifrar sinais do cérebro em pacientes que são completamente paralisados e agora, pela primeira vez, estes pensamentos estão sendo transformados em ações. Neste estudo, observamos os músculos da mão — explica. — As áreas do cérebro responsáveis pelo movimento estão intactas, mas os sinais chegam a uma medula espinhal lesada, e por isso são completamente bloqueados e impedidos de alcançar os músculos.


O braço de Ian Burkhart, com o circuito eletroneural instalado, entornando água num pote - Divulgação/"Nature"


Bouton lembra que há cerca de 100 bilhões de neurônios no cérebro e, por enquanto, sua equipe domina apenas “um punhado”. Sua meta é desenvolver um sistema para que o jovem não fique coberto dos cabos que ligam as pulseiras de seu braço ao computador e ao chip de seu cérebro. Também quer que o software aprenda a reconhecer outras atividades cerebrais ligadas ao movimento. Este passo contribuiria para aumentar a autonomia dos pacientes e o exercício de atividades diárias.

Em busca de procedimentos menos invasivos, os pesquisadores planejam desenvolver eletrodos externos que controlem outros membros, e outros que poderiam ser conectados a roupas. A tecnologia usada hoje por Burkhart também ajudaria pacientes que sofreram derrames ou traumatismo craniano a se tornarem mais independentes.

— É difícil prever quanto tempo vamos demorar para que esta tecnologia esteja desenvolvida a ponto de torná-la disponível no mercado ou em casa. Acredito que vamos precisar, no mínimo, de cinco a dez anos — estima. — Conversamos sempre com Ian sobre que tipos de movimento e tarefas ele gostaria de tentar. Ele é uma parte importante de nossa equipe e sempre traz grandes ideias sobre quais devem ser nossos novos passos.

Burkhart é o primeiro dos cinco participantes que passarão pelo estudo clínico. O estudo do próximo paciente ocorrerá no segundo semestre.

— Para mim, estar em uma cadeira de rodas e ser incapaz de andar não é o pior — conta Burkhart. — O pior é a perda de independência, o fato de precisar de outras pessoas. Por enquanto, estamos na fase clínica, mas um dia este sistema poderá ser usado fora do hospital, em casa, no exterior, e poderá realmente melhorar a minha qualidade de vida.

A equipe de Bouton trabalha há mais de 25 anos na tradução do pensamento em ação através de softwares. Estudos anteriores mostraram que seria possível, sem sequer piscar, escrever em uma tela, ou mover um robô em forma de braço articulado para beber café, tarefa realizada em 2012 por uma mulher que ficou tetraplégica após um acidente vascular cerebral. Dois anos depois, outro trabalho mostrou como um macaco podia, através do pensamento transmitido a eletrodos, mexer o braço de um outro primata temporariamente paralisado por anestesia.