Até hoje, passados muitos dias da votação na Câmara da aceitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, ecoam nos debates parlamentares a maneira como alguns deputados justificaram seus votos naquele domingo.
Especialmente aos interessados em desqualificar a decisão, "escandalizou" o fato de que houve votos a favor do impeachment evocando a família, a religião, a cidade onde nasceu, o estado onde se elegeu, e assim por diante.
Mas esses votos paroquiais, ou até mesmo esdrúxulos, antes de serem prerrogativa dos opositores da presidente Dilma, o são de políticos de maneira geral, e há muito tempo. O senador Magno Malta relembrou outro dia na comissão do Senado o voto dado pelo atual ministro petista Jaques Wagner, que se pronunciou a favor do impeachment de Collor se referindo aos filhos e à família, comparando a sessão a um jogo de futebol com a torcida confraternizando nas cores verde e amarela.
Também desta vez houve quem se referisse, na hora de votar “não” ao impeachment, aos quilombolas, ao programa Bolsa Família, a Zumbi dos Palmares, ao grande líder Lula. No contraponto do voto mais polêmico, o do deputado Jair Bolsonaro, que evocou o abjeto torturador Brilhante Ustra, um deputado do PSOL dedicou seu voto contrário ao impeachment a Carlos Marighela, guerrilheiro da Aliança Libertadora Nacional que escreveu um manual de guerrilha em que está dito a certa altura, em defesa da execução sumária de inimigos e traidores: “A execução é uma ação secreta na qual um número pequeno de pessoas da guerrilha se encontram envolvidos. Em muitos casos, a execução pode ser realizada por um franco atirador, paciente, sozinho e desconhecido, e operando absolutamente secreto e a sangue frio”.
O detalhe é que o voto do deputado do PSOL foi dado antes do de Bolsonaro. Portanto, a falta de qualidade de nossos representantes é suprapartidária e, querendo testar uma tese, enviei a um grupo de reconhecidos estudiosos uma sondagem. Acho que já tivemos um grupo de políticos mais relevantes no país em outros tempos, e a representação vem decaindo a cada legislatura.
Como dizia Ulysses Guimarães, a próxima será pior. E por que isso acontece? Tenho a impressão de que, assim como já tivemos escolas públicas de boa qualidade, também a representação política tem a ver com a decadência de nosso ensino.
Por que isso aconteceu? Por que melhoramos na abrangência da matrícula escolar, e não melhoramos a qualidade do ensino? Isso tem mesmo a ver com a nossa representação política deformada e decadente? Até onde o sistema eleitoral, a proliferação dos partidos, as coligações proporcionais têm a ver com essa decadência?
O país avançou em vários aspectos, mas piorou, acho, na representação partidária. O que uma coisa tem a ver com a outra? Apenas o sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudo do Trabalho e Sociedade (IETS), especialista em educação, viu “certo paralelo” entre as quedas do sistema educacional e da representação política. “No passado, tanto o sistema educacional quanto o sistema político eram muito fechados, só acessíveis a uma pequena elite. Não sabemos na realidade se a educação no passado era muito melhor, porque não temos dados para comparar, mas a professorinha de filha de classe média que se formava pelo Instituto de Educação no Rio de Janeiro provavelmente sabia mais português, matemática e ciências do que grande parte das professoras e professores que hoje se formam nas faculdades de pedagogia”.
Com a grande expansão do acesso à educação, avalia Schwartzman, o sistema educacional preservou e pode ter até melhorado a qualidade e um número muito pequeno de escolas, sobretudo particulares e cursos universitários muito seletivos, mas a média ficou certamente muito baixa. “Teremos que conviver por muito tempo ainda com muitas pessoas adquirindo educação precária, porque não se melhora um sistema escolar que cresceu de forma muito rápida e atabalhoada em poucos anos”.
Os demais centraram suas análises no sistema partidário, na legislação eleitoral, que debilitam a democracia representativa, como os cientistas políticos Sérgio Abranches e Jairo Nicolau e o sociólogo Francisco Weffort, na ditadura militar, como o historiador José Murilo de Carvalho, na urbanização do país, que levou a que a atividade política seja vista como uma possibilidade de ascensão social por muitos, e no desencanto com a carreira política na juventude, vista como viciada e corrupta, como o sociólogo Bernardo Sorj. Amanhã e na terça-feira me deterei nessas análises.