sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

"Nova escaramuça política contra privatizações", editorial de O Globo

Se a Embraer deixou de ser estatal há muito tempo, parece um contrassenso o pedido de liminar, aceito pela Justiça Federal de São Paulo, de deputados petistas, contra a fusão da empresa com a americana Boeing, no segmento de aviação comercial da fábrica brasileira. Os deputados Paulo Pimenta (RS), Carlos Zarattini (SP), Vicente Cândido (SP) e Nelson Pelegrino (BA) usam, porém, o fato de a empresa, na privatização, haver emitido uma “golden share”, para o Estado dar a palavra final em decisões estratégicas. E na empreitada se movem por força da ideologia do nacional-populismo da esquerda do pós-guerra, que, entre seus mais fracassados frutos, ostenta a debacle da Venezuela em todos os aspectos — social, econômico e político.

É neste ponto que o nacional-populismo de esquerda se encontra com a direita de Trump, para combater a globalização. O resultado prático do que tentam fazer os parlamentares será impedir que a Embraer sobreviva na cada vez mais acirrada concorrência no segmento de aviões comerciais de pequeno e médio portes, depois que a grande rival da Boeing, a europeia Airbus, fez o mesmo com a canadense Bombardier, adquirindo da fábrica a linha dos jatos das Séries C, concorrentes dos Embraer mais modernos.
Não haverá chance de a fábrica brasileira sustentar os resultados positivos que tem conseguido nesta concorrência sem o apoio comercial e industrial da empresa americana. Mas, como ideologia é cega, isto não importa para os petistas.
Outro aspecto desta disputa é que a concessão da liminar pelo juiz Victorio Giuzio Neto faz antever as dificuldades, nos campos jurídico e político, que o governo de Jair Bolsonaro enfrentará para executar o necessário programa de privatizações defendido pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, com a finalidade de abater parte da pesada dívida interna.
Os petistas pedem para que o governo use sua “golden share” para barrar o negócio. Se não, que a Justiça subordine a efetivação do negócio a uma autorização explícita do Congresso.
Não por coincidência, é a mesma reivindicação que consta do pedido que levou o ministro Ricardo Lewandowski, também liminarmente, a suspender a venda de subsidiárias deficitárias da Eletrobras. O ministro, no entanto, voltou atrás diante das informações que lhe foram prestadas pelo BNDES, a pedido dele mesmo. Espera-se que o juiz Giuzio Neto siga o exemplo.
Move-se, por trás dessas iniciativas, interesses sindicais e de corporações que se sentem ameaçadas pela imprescindível abertura do Brasil ao mundo. Mesmo entre as dez maiores, a economia brasileira ainda é muito fechada. É um modelo autárquico com sustentação política entre empresários, sindicatos de trabalhadores e dentro de aparelhos de Estado. Vencer estas resistências torna-se crucial para criarem-se empregos de nova geração, a fim de substituir os que desaparecem na esteira do avanço tecnológico. Os sindicatos devem ser protegidos deles mesmos.