sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Delações premiadas também servirão para punir empreiteiras por cartel

Gabriela Salcedo Contas Abertas 


O executivo da Toyo Setal Augusto Mendonça descreveu à Polícia Federal, na segunda-feira (9) desta semana, como funcionava o cartel das empreiteiras envolvidas nos esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro da Petrobras. A prática de cartel não é exclusividade na estatal, muito menos no Brasil. Contudo, as políticas antitrustes nacionais, adotadas para impedir condutas prejudiciais a concorrência, ainda estão defasadas em relação às praticadas nos Estados Unidos e na Europa. 

No Brasil, o órgão responsável pela fiscalização e punição das empresas que praticam infrações contra a ordem econômica é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). De acordo com a entidade, providências já vêm sendo tomadas a respeito do cartel da Lava Jato. Em setembro do ano passado, quando as ações começavam a ser deflagradas, o Cade protocolou ofício endereçado à Procuradoria-Geral da República para que todos os eventuais indícios de prática de cartel no contexto da operação fossem enviados ao órgão.

Desta forma, o Cade já possui cópias dos autos de inquérito e das ações penais em trâmite na Justiça Federal de Curitiba para, assim, conduzir as investigações no âmbito das condutas prejudiciais à livre concorrência.  Em novembro, fechou acordo de leniência com a Setal Óleo e Gás e seus executivos – espécie de delação, da qual Mendonça participa como um dos delatores. Esse acordo é relacionado exclusivamente à prática ilícita de cartel para a qual a autarquia possui competência de apuração. 

Como o processo corre em segredo de justiça, somente após a análise de todo o material e instauração de processo administrativo para imposições de sanções é que o Cade poderá definir qual será o escopo da investigação. Além disso, também serão decididas quais empresas e pessoas físicas deverão responder às acusações de cartel. Se condenadas, estarão sujeitas, entre outras penalidades, ao pagamento de multas que variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa. 

Os administradores eventualmente responsáveis pela infração estão sujeitos a multas de 1% a 20% daquela aplicada à empresa. No caso de condenação de demais pessoas físicas (não administradores), as multas podem variar entre R$ 50 mil e R$ 2 bilhões. As penas constumam ser duras e as intervenções rigorosas. 

Conforme explica artigo publicado na edição nº 2 da Revista de Defesa da Concorrência pelo Cade, o cartel é considerado, dentre as condutas anticompetitivas, a lesão mais grave à concorrência, por prejudicar seriamente os consumidores, aumentando os preços e restringindo a oferta. No caso da Petrobras, a prática causou enorme prejuízo aos cofres públicos. 

Como delatou Mendonça, as empreiteiras formaram uma espécie de clube de compadres para negociar quais delas ganhariam a licitação da vez. Formado em 1990, o clube ganhou mais força em 2004, quando Paulo Roberto Costa, do Abastecimento, e Renato Duque, da Engenharia e Serviços, assumiram as diretorias. Envolvidos, eles limitavam a lista de convidados dos processos licitatórios apenas às empreiteiras “associadas”. 

“Na ocasião eram nove companhias e tinham o compromisso de não competir, cada uma escolhia uma determinada obra e, quando chegasse a vez daquela companhia, as outras se comprometiam a submeter preços superiores”, disse ele no processo de delação. Ainda não se sabe, ao certo, se as empreiteiras acabarão multadas, a previsão das multas e se elas serão capazes de retirar as empresas do mercado. 

No Brasil, as intervenções do Conselho se tornaram mais duras em 2012, quando entrou em vigor nova lei antitruste (Lei nº 12.529/11 em substituição a Lei nº 8.884/1994). A maior penalidade já cobrada pelo Cade é de 2014, ao Cartel de Cimento. Ela somou R$ 3,1 bilhões, aplicada a seis empresas, seis pessoas físicas e três associações. 

O Conselho determinou ainda a venda de fábricas e impedimentos de realizar operações no ramo de cimento e de concreto até 2019. Com medidas mais intervencionistas e penalidades mais graves, o Brasil se tornou um dos países que mais avançam no combate aos cartéis. Existem, atualmente, cerca de 250 pessoas investigadas criminalmente no país, visto que com a nova lei, houve aproximação da esfera administrativa com a criminal. 

“O cartel é o mais grave ilícito concorrencial. Furtar um real de um milhão de pessoas é tão grave quanto furtar um milhão de reais de uma só pessoa”, ao citar especialista na área concorrencial, regulatória e de relações de consumo, Mariana Araújo, na Revista de Defesa da Concorrência. Apesar de hoje o país ser considerado um grande combatente a práticas que desfavorecem a livre concorrência, o início se deu com grande atraso: só em 1990 o cartel foi considerado crime, com pena de 2 a 5 anos de prisão. 

De acordo com o professor da faculdade de Direito da USP e especialista na área do direito antitruste, Calixto Salomão Filho, as economias desenvolvidas passaram por momentos históricos de grande incisão na política econômica, ao aplicar políticas de concorrência para limitar concentrações econômicas ou mesmo desfazê-las, ao sancionar carteis. Segundo ele, a época mais pulsante do crescimento econômico dos Estados Unidos, entre os anos 50 e 70, foi acompanhada da aplicação da “Sherman Act”, a lei da concorrência americana, que combateu firmemente as condutas anticompetitivas de mercado, principalmente o cartel. 

Depois, de acordo com o professor, a tendência interventiva começou a retroceder, com a onda do liberalismo na década de 1980, e coincidiu com um longo processo de decadência da organização industrial americana. Em tempos mais modernos, em 2004, os Estados Unidos reformou as leis antitrustes quanto às penalidades criminais. 

O Ato de Melhorias e Reformas das Penalidades Criminais Antitruste (Antitrust Criminal Penalty Enhancement and Reform Act – ACPERA) mais que triplicou a sentença máxima, de 3 anos para 10 anos de prisão. Das 12 maiores multas aplicadas às empresas por violação da Sherman Act, dez são posteriores a 2004. Ao todo, elas somam 3,5 bilhões de dólares, o que equivale a R$ 9,9 bilhões. 

A maior multa já aplicada, segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, foi de 500 milhões de dólares a AU Optronics Corporation de Taiwan, em 2012, sob a venda de painéis de LED. Em seguida, no mesmo ano, a Yazaki Corporation foi multada em 470 milhões de dólares por formação de cartel para a venda de peças automotivas. Processo semelhante pode ser observado nas economias europeias. De acordo com Salomão Filho, a época de ouro do crescimento econômico europeu foi concomitante com as políticas mais intervencionistas de aplicação do direito da concorrência. 

Segundo o professor, a atual União Europeia só se consolidou economicamente porque seus Estados membro admitiram uma política de defesa da concorrência por parte dos órgãos centrais ainda mais interventiva do que as políticas nacionais. Em relatório estatístico sobre competição mercadológica da Comissão Europeia, desde 1990, já foram aplicadas multas que somam mais de 20,4 bilhões de euros por conta de formação de cartel. O valor equivale a aproximadamente R$ 66,1 bilhões. As multas mais altas já aplicadas foram dadas a partir dos anos 2000. 

Envolvendo diversas empresas, o cartel de televisores e monitores de computador foi multado em 1,5 bilhão de euros, em 2012. Em seguida, o de painéis de vidro para carro, em 1,2 bilhão de euros, em 2008. Quanto às empresas, as mais penalizadas ao longo desses últimos anos foram a Saint Gobain, fabricante dos painéis, em 715 milhões de euros, e a Philips, fabricante dos televisores e monitores, em 705,3 milhões de euros. 

Por fim, o relatório informa que de 1990 a fevereiro de 2015, 785 réus de processos antitruste foram considerados culpados. Sendo que 193 foram julgados entre 2010 e 2015. Em relação às maiores multas aplicadas no Brasil por conta de condutas prejudiciais a concorrência, além do Cartel do Cimento, o Cade nomeou outros cinco formados e julgados de 2003 a 2013, que, juntos, acumularam multas de R$ 7,1 bilhões. 

Em 2010, o Conselho multou em R$ 2,9 bilhões seis grandes empresas do ramo de gases hospitalares e industriais no processo que ficou conhecido como Cartel dos Gases Industriais. O maior valor aplicado, R$ 2,2 bilhões, coube à empresa White Martins. O restante foi di­vidido entre AGA, Air Liquide Brasil, Air Products Brasil, Indústria Brasileira de Gases, Linde Gases e sete admi­nistradores. Os condenados sofreram também ação criminal na Justiça Federal. 

A terceira mais alta penalidade brasileira em razão de más condutas mercadológicas foi para a chamada operação Tô Contigo, em 2003. Uma multa de R$ 352,6 milhões foi aplicada como punição à Ambev, e correspondeu a 2% do faturamento bruto da empresa no ano. No esquema, estabelecimentos que comercializavam bebidas alcoólicas deveriam comprar exclusivamente cervejas da Am­bev, ou no mínimo 90% do total das cervejas adquiridas deveriam ser da marca. Em troca, os participantes ganha­vam descontos na aquisição dos produtos da Ambev e outros bene­fícios. 

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