Laryssa Borges - Veja
Inspirados na Operação Castelo de Areia, sepultada por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) há quase quatro anos, advogados de empreiteiros montaram uma operação de guerra para tentar acabar com a Lava Jato

O procurador Delton Martinazzo Dallagnol durante entrevista coletiva no hotel Mabu, no centro em Curitiba para falar sobre os desdobramentos da Operação Lava Jato - Juca Varella/Folhapress
Era 5 de abril de 2011 quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) jogou por terra a maior operação policial até então realizada no Brasil. Anulou todas as provas produzidas em escutas telefônicas e livrou a gigante Camargo Corrêa de crimes que, desde março de 2009, eram investigados pela Polícia Federal: fraude em licitações, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e pagamentos criminosos a partidos políticos. Com honorários estimados em 15 milhões de reais na época, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, foi o principal arquiteto das teses que levaram ao desmonte da investigação. A Operação Castelo de Areia desabou. E políticos de todo o espectro partidário – PMDB, PSDB, PDT, DEM, PP, PSB e PPS –, apontados como beneficiários do propinoduto da construtora, saíram ilesos.
Menos de quatro anos depois – e com oito empreiteiras a mais encrencadas – os principais advogados do país tentam replicar a estratégia bem sucedida. Esgrimem teses de que houve cerceamento de defesa, irregularidades na instrução do processo e ilegalidades nos grampos telefônicos para esvaziar a megaoperação Lava Jato. O mesmo Thomaz Bastos, apelidado à época do julgamento do mensalão de God (Deus, em inglês) pelos colegas de banca, foi até a véspera de sua morte, em novembro do ano passado, responsável por orquestrar as linhas gerais de defesa das construtoras do chamado Clube do Bilhão. Ele reagrupou boa parte dos advogados que trabalharam para minar a Castelo de Areia.
Questionamentos sobre métodos de investigação, como a legalidade ou conveniência de se utilizar grampos telefônicos, são recorrentes em processos criminais. Além da Castelo de Areia, grandes operações como a Satiagraha e a Chacal, que investigaram negócios do banqueiro Daniel Dantas, ou a Faktor, que apurou crimes cometidos pelo empresário Fernando Sarney, já tiveram parte das provas anuladas porque a Justiça considerou ilegais os métodos de investigação da Polícia Federal e do Ministério Público. No caso da Lava Jato, a defesa dos empreiteiros tenta explorar simultaneamente cinco grandes frentes – endossadas inclusive pela Defensoria Pública da União, que representa um laranja do doleiro Alberto Youssef, um dos cabeças do propinoduto que sangrou a Petrobras.
A própria Polícia Federal encontrou na casa do presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, apontado como o chefe do cartel de empreiteiras, um roteiro traçado para tentar desidratar a Lava Jato. Em seis páginas de anotações manuscritas, as ordens para os demais investigados: “fragilizar ou eliminar” as delações premiadas, fazer uma “campanha na imprensa para mudar a opinião pública” e “trazer a investigação para o STF”.
Colocadas em prática nas primeiras “respostas à acusação”, as defesas dos empreiteiros seguiram à risca as orientações do chefe do cartel. Os argumentos recorrentes dos advogados são de ilegalidade de escutas telefônicas, o uso de prisões preventivas como estratégia para forçar delações premiadas, apreensões indiscriminadas nas sedes das empreiteiras, um possível impedimento do juiz Sergio Moro para julgar o caso e a necessidade de a Lava Jato ter sido encaminhada integralmente ao Supremo Tribunal Federal (STF) – já que parlamentares são investigados como beneficiários de propina.
“O que se vê em Curitiba é a tradução ao português da 'Operação Mãos Limpas', a seu modo e à sua maneira, menoscabo às garantias constitucionais. O magistrado, quem quer que seja, deve se conter, nunca agir mediante íntima convicção, senão como elemento inerte nos autos, imparcial no sopesamento das idas e vindas da balança do contraditório”, critica o criminalista Nélio Machado, responsável pela defesa do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano e apontado como o operador do PMDB no esquema do petrolão. “O modelo em que se inspira Moro é o dos juízes acusadores, os de instrução, e não os de julgamento, que não se envolvem com os casos que lhes são submetidos, em relação aos quais devem ter isenção e equidistância. Fazer cruzada não é papel de juiz.”
“Não é possível delinear os rumos [da investigação] com base em relatos de delatores, pois se auto-reconheceram como corruptos e corruptores”, diz o advogado Antonio Pitombo, que integra a defesa do vice-presidente da Engevix Gerson Almada e ataca diretamente a legitimidade das delações premiadas feitas na Lava Jato. Quanto à proibição de que políticos com foro privilegiado sejam mencionados nos depoimentos de delação premiada sob os cuidados de Moro, ele acrescenta: “Se não pode o delator falar sobre todo o pretenso esquema ilícito, evidente que a verdade que chegará aos autos não é a real, mas uma fração que comprometa, em menor proporção, aqueles que ele não está autorizado a referir.”
Com enfoque na eficiência da argumentação que reduziu a pó a Operação Castelo de Areia, os advogados são unânimes em contestar a validade dos grampos telefônicos que levaram à descoberta do bilionário escândalo do petrolão. Alegam falta de autorização judicial, extensão do monitoramento a pessoas que não o doleiro Carlos Habib Chater, investigado inicial da Lava Jato, descumprimento de acordos internacionais envolvendo empresas de telefonia e até o uso de grampos para promover uma “devassa” na vida dos suspeitos.
“As provas obtidas são ilícitas, bem como as delas decorrentes, devendo ser declarada a nulidade com a extensão a todos os atos subsequentes”, afirma o advogado Roberto Telhada, que defende a construtora OAS.
Para o advogado Celso Vilardi, que defende a Camargo Corrêa, os grampos são irregulares porque teriam sido feitos também contra pessoas retratadas apenas por apelidos. Nas conversas monitoradas pelos investigadores, doleiros como Alberto Youssef e Nelma Kodama, por exemplo, eram identificados como “Primo” e “Greta Garbo”. “Nenhuma justificativa, nenhuma explicação. Simplesmente prorrogou-se o monitoramento telemático, incluiuram-se outros pin numbers [na lista de grampos] e, por fim, deu-se indício à interceptação telefônica de investigados ainda não identificados”, diz o defensor. “A autoridade policial representou pela extensão da interceptação telemática que já havia sido decretada em face de Carlos Habib Chater, incluindo no pólo passivo da medida seis novos investigados sem qualquer identificação, quanto mais qualificação.”
A defesa dos empreiteiros do petróleo
A tese de que o juiz Sergio Moro estaria renovando a prisão de empresários para forçar que eles colaborem com a Justiça ganhou corpo após um parecer do procurador regional da República Manoel Pastana, em novembro de 2014, defender a necessidade da prisão preventiva de empreiteiros como uma forma de “influenciá-los na vontade de colaborar". Confrontado com a tese de que estaria endossando prisões para coagir investigados no petrolão, Pastana alega que os advogados recorrem às mais variadas estratégias para “defender a impunidade” e diz que não utilizou a hipótese de prisão para estimular delações premiadas como a principal linha de argumentação a favor da prisão dos empreiteiros. Desde o final do ano passado, após a controvertida manifestação, o representante do Ministério Público está afastado da Operação Lava Jato.
As defesas dos investigados na Lava Jato são unânimes em contestar a legalidade dos grampos telefônicos utilizados pelos investigadores. O argumento é endossado até pela Defensoria Pública da União no Paraná, que representa o empresário Carlos Alberto Pereira da Costa, administrador da empresa de fachada GFD Investimentos e laranja de Youssef. Além de criticarem as prorrogações nos grampos, os advogados contestam o uso de monitoramento contra pessoas que não haviam sido previamente identificadas – os doleiros se tratavam por apelidos, por exemplo – ou que não eram investigadas. Dizem ainda ser ilegal o fato de investigadores terem encaminhado diretamente à companhia canadense RIM, que controla o sistema Blackberry, os pedidos de quebra de sigilo telefônico. A contestação da legitimidade dos grampos é uma das teses que recentemente permitiram a anulação de provas de operações policiais como a Castelo de Areia.
Na linha de defesa dos empresários, os advogados também questionam a legitimidade dos acordos de delação premiada. Afirmam que os empresários estão sendo vítimas de “terror penal” e especulam se os principais delatores, o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, foram ou não coagidos a ajudar nas investigações. Tentam ainda desqualificar as delações premiadas para questionar violações à ampla defesa dos demais investigados – que não tiveram acesso à íntegra das revelações de Costa e Youssef – e a falta de paridade de armas entre a acusação, responsável por celebrar as delações, e os empreiteiros suspeitos. O objetivo final da tese é cabalar votos em tribunais superiores e abrir espaço para futuros recursos.
Considerado implacável na condução dos processos da Lava Jato, o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, é um dos alvos prediletos das defesas dos empreiteiros investigados na Operação Lava Jato. Entre os argumentos para afastar o magistrado está a tese de que ele teria tomado para si dois processos diferentes, um envolvendo as suspeitas de lavagem de dinheiro do ex-deputado José Janene, e outro específico sobre crimes de Alberto Youssef apenas por ambos terem o doleiro como investigado em comum. Com isso, Moro teria atraído para si todas as futuras ações envolvendo Youssef. Outro argumento para afastá-lo seria a suposta falta de conexão entre as investigações iniciais da Lava Jato, que apuravam atos ilícitos do doleiro Carlos Habib Chater no Distrito Federal, com o desdobramento envolvendo os empreiteiros e fraudes na Petrobras. O critério da conexão, aceito pelo juiz, forçou o envio de todos os autos para o Paraná.
Os advogados delinearam diversas linhas argumentativas para justificar por que as ações penais do petrolão deveriam ser discutidas no Supremo. Uma delas tenta vincular o atual esquema na Petrobras ao escândalo do mensalão e alega que um antigo inquérito que tramitava na Justiça Federal do Paraná em 2006 investigava possíveis crimes de lavagem de dinheiro cometidos pelo ex-deputado José Janene, morto em 2010, e o doleiro Alberto Youssef. Janene era um dos réus do mensalão e utilizava os serviços do doleiro para camuflar o dinheiro recebido como mensaleiro. Essa situação, segundo os advogados, obrigaria que o caso, “por conexão” com o mensalão, fosse encaminhado ao STF. Outra tese é a que a investigação envolvendo os empreiteiros deveria tramitar no Supremo, não especificamente por causa de Janene, mas porque o Ministério Público diz que os investigados se articularam em contratos da Petrobras para prometer e pagar propina inclusive a parlamentares, que têm foro privilegiado e só podem ser processados na Corte de Brasília.
A defesa dos empreiteiros do petróleo
Prisões para forçar delações
A tese de que o juiz Sergio Moro estaria renovando a prisão de empresários para forçar que eles colaborem com a Justiça ganhou corpo após um parecer do procurador regional da República Manoel Pastana, em novembro de 2014, defender a necessidade da prisão preventiva de empreiteiros como uma forma de “influenciá-los na vontade de colaborar". Confrontado com a tese de que estaria endossando prisões para coagir investigados no petrolão, Pastana alega que os advogados recorrem às mais variadas estratégias para “defender a impunidade” e diz que não utilizou a hipótese de prisão para estimular delações premiadas como a principal linha de argumentação a favor da prisão dos empreiteiros. Desde o final do ano passado, após a controvertida manifestação, o representante do Ministério Público está afastado da Operação Lava Jato.
Ilegalidade de escutas telefônicas
As defesas dos investigados na Lava Jato são unânimes em contestar a legalidade dos grampos telefônicos utilizados pelos investigadores. O argumento é endossado até pela Defensoria Pública da União no Paraná, que representa o empresário Carlos Alberto Pereira da Costa, administrador da empresa de fachada GFD Investimentos e laranja de Youssef. Além de criticarem as prorrogações nos grampos, os advogados contestam o uso de monitoramento contra pessoas que não haviam sido previamente identificadas – os doleiros se tratavam por apelidos, por exemplo – ou que não eram investigadas. Dizem ainda ser ilegal o fato de investigadores terem encaminhado diretamente à companhia canadense RIM, que controla o sistema Blackberry, os pedidos de quebra de sigilo telefônico. A contestação da legitimidade dos grampos é uma das teses que recentemente permitiram a anulação de provas de operações policiais como a Castelo de Areia.
Legitimidade da delação premiada
Na linha de defesa dos empresários, os advogados também questionam a legitimidade dos acordos de delação premiada. Afirmam que os empresários estão sendo vítimas de “terror penal” e especulam se os principais delatores, o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, foram ou não coagidos a ajudar nas investigações. Tentam ainda desqualificar as delações premiadas para questionar violações à ampla defesa dos demais investigados – que não tiveram acesso à íntegra das revelações de Costa e Youssef – e a falta de paridade de armas entre a acusação, responsável por celebrar as delações, e os empreiteiros suspeitos. O objetivo final da tese é cabalar votos em tribunais superiores e abrir espaço para futuros recursos.
Afastamento do juiz Sergio Moro
Considerado implacável na condução dos processos da Lava Jato, o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, é um dos alvos prediletos das defesas dos empreiteiros investigados na Operação Lava Jato. Entre os argumentos para afastar o magistrado está a tese de que ele teria tomado para si dois processos diferentes, um envolvendo as suspeitas de lavagem de dinheiro do ex-deputado José Janene, e outro específico sobre crimes de Alberto Youssef apenas por ambos terem o doleiro como investigado em comum. Com isso, Moro teria atraído para si todas as futuras ações envolvendo Youssef. Outro argumento para afastá-lo seria a suposta falta de conexão entre as investigações iniciais da Lava Jato, que apuravam atos ilícitos do doleiro Carlos Habib Chater no Distrito Federal, com o desdobramento envolvendo os empreiteiros e fraudes na Petrobras. O critério da conexão, aceito pelo juiz, forçou o envio de todos os autos para o Paraná.
Violação do princípio do juiz natural
Os advogados delinearam diversas linhas argumentativas para justificar por que as ações penais do petrolão deveriam ser discutidas no Supremo. Uma delas tenta vincular o atual esquema na Petrobras ao escândalo do mensalão e alega que um antigo inquérito que tramitava na Justiça Federal do Paraná em 2006 investigava possíveis crimes de lavagem de dinheiro cometidos pelo ex-deputado José Janene, morto em 2010, e o doleiro Alberto Youssef. Janene era um dos réus do mensalão e utilizava os serviços do doleiro para camuflar o dinheiro recebido como mensaleiro. Essa situação, segundo os advogados, obrigaria que o caso, “por conexão” com o mensalão, fosse encaminhado ao STF. Outra tese é a que a investigação envolvendo os empreiteiros deveria tramitar no Supremo, não especificamente por causa de Janene, mas porque o Ministério Público diz que os investigados se articularam em contratos da Petrobras para prometer e pagar propina inclusive a parlamentares, que têm foro privilegiado e só podem ser processados na Corte de Brasília.




























