Constitucionalistas e criminalistas consideram que proposta de até 40 anos de prisão para quem ‘atentar’ contra vida de ministros do STF tem ‘mais simbolismo do que eficácia’
- Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO
O ‘Pacote da Democracia’,
lançado pelo governo Lula
nesta sexta-feira, 21 - com a
contra a vida’ de autoridades,
- já causa burburinho no mundo
jurídico. Constitucionalistas e
criminalistas consideram que
as medidas são mais
‘simbólicas’ do que ‘eficazes’,
ressaltando sua ligação com a
hostilização ao ministro
Alexandre de Mores, do STF,
no Aeroporto de Roma.
Os especialistas classificaram
o pacote de projetos de leis que
endurecem as penas para quem
‘atentar’ contra o Estado
Democrático de Direito como
‘exacerbado’, ‘desproporcional’,
‘descabido’ e até
‘inconstitucional’.
Avaliam que a proposta é
legítima, mas destacam que o
Legislativo deve ‘encontrar
equilíbrio’ no texto.
O desembargador aposentado
e ex-presidente do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais
Marco Antônio Nahum considera
‘exacerbada’ a previsão de até
40 anos de prisão para crimes
que atentem contra a vida de
autoridades, entre elas
ministros do Supremo Tribunal
Federal.
“A exacerbação da legislação
penal, em casos semelhantes,
é política criminal que encontra
respaldo no chamado “Direito
Penal do Inimigo”. Trata-se de
um modelo de política criminal
que, logicamente, inspira uma
dogmática penal e processual
penal de combate do
ordenamento jurídico contra
indivíduos especialmente
perigosos, como se o Estado
não falasse com cidadãos que
eventualmente violaram a lei”,
explica.
De outro lado, o Estado
Democrático tem o Direito
Penal ‘como último recurso
ou último instrumento a ser
usado contra seus cidadãos’,
indica. Mas só é possível
acionar esse recurso quando
‘fracassadas outras instâncias
de controle social que possam
resolver o conflito social’.
“Embora não se possa admitir
que ação política de oposição
implique em atividade criminosa
contra as autoridades públicas,
em especial aquelas que
representam o Estado
Constitucional, espera-se que
o Poder Legislativo saiba
encontrar o equilíbrio necessário
para a nova proposta legislativa”,
pondera.
O ex-magistrado pondera que a
ofensa a um dos integrantes da
Corte máxima não pode ser
admitida ‘como uma singela
troca de agravos entre cidadãos
comuns’, considerando que há
um ‘desrespeito decorrente da
função institucional exercida pela
vítima’, mas rememora os
princípios da proporcionalidade
e da razoabilidade. Lembra,
por exemplo, que há uma
diferença entre as imputações
e penas aplicadas em casos
de homicídio tentado e o
consumado.
A criminalista Carolina
Carvalho de Oliveira destaca
que o projeto do governo Lula
‘condiz com a proteção
constitucional de um Estado
Democrático de Direito, mas,
precisa ser revisto pelas Casas
Legislativas’: “seu texto deve
respeitar os limites da justiça
e não pode sofrer pressão
política”.
“As reformas são sempre
bem vindas ao ordenamento
jurídico desde que construam
a dinâmica de um país melhor
no tocante a manutenção da
democracia na balança da
justiça. Assim, necessário se
faz um fortalecimento da
repressão, por óbvio, mas,
sem se esquecer dos problemas
que já existem em nosso
ordenamento jurídico. Devemos
destacar que o caráter
preventivo e a tentativa de
fortalecer os instrumentos
jurídicos disponíveis são
\perspectivas positivas,
entretanto, a mira a
determinadas situações
pode acarretar uma
objetivização da lei”, ressalta.
Já o criminalista Sérgio
Rosenthal considera que
o endurecimento de penas
para quem atentar contra
o Estado Democrático de
Direito, ‘da forma como
proposto’, é ‘temerário e
desproporcional’. O advogado
destaca que trata-se de um
delito ‘cuja definição se
presta a muitas e diferentes
interpretações’.
“Se a proposta de endurecimento
das penas cominadas para quem
atentar contra o Estado
Democrático de Direito tiver
alguma relação com o fato de
turistas brasileiros terem
discutido com o filho de um
Ministro do STF no aeroporto
de Roma, receio que em breve
não viveremos em uma
democracia”, avalia.
O constitucionalista André
Marsiglia pondera que o
aumento das penas, conforme
previsto no pacote divulgado
pelo governo Lula nesta sexta,
21, somado a uma
‘interpretação muito elástica
do que pode ser ameaça ao
Estado’ pode resultar em um
‘encolhimento da crítica aos
agentes públicos’ – “o que,
obviamente não é desejável
em uma democracia”.
Ele destaca como o crime de
atentado ao Estado
democrático ‘tem por objeto
atos extremados e excepcionais,
dignos de momentos de
instabilidade institucional grave’.
“É inclusive contraditório as
autoridades dizerem que
atualmente nossas instituições
estão fortes e são inabaláveis e,
ao mesmo tempo, entenderem
ser necessário um pacote com
penas tão agressivas”, pondera.
O criminalista Conrado Gontijo
avança: não só considera a
proposta de aumento de penas
‘descabida’, mas também
inconstitucional’. Em sua
avaliação considera as penas
para os crimes contra o Estado
de Direito já são ‘especialmente
graves’.
“Aumentá-las, em minha visão,
representa afronta clara ao
princípio constitucional da
proporcionalidade. Mais
importante do que agravar
as penas existentes, é tornar
efetivas as apurações criminais,
de modo a assegurar a
responsabilização de quem
atente contra o Estado
Democrático de Direito”, avalia.
O constitucionalista Aílton
Soares de Oliveira também
vê ‘inconstitucionalidade’ no
pacote. “O texto constitucional
não faz distinção de vidas.
Vidas são vidas, até por isso
o Estado coloca à disposição
dos agentes públicos um aparato
judicial e policial para protegê-los.
É evidente que há um agravante
ou outro a depender do crime e
da incapacidade de resistência
da vítima”, pondera.
Ele ressalta a necessidade
de se discutir a ‘definição de
atentado contra a vida de
agente púbico do alto escalão
dos poderes democráticos’,
além de se especificar quando
haveria cometimento ou
tentativa do crime. “Seria um
novo tipo penal certamente.
Porque o crime não é só o
cometido, ele é também o
tentado, e nesse sentido
depende de ampla discussão”,
explica.
Propostas punitivistas
O criminalista Vinicius Fochi
vê ‘mais simbolismo do que
eficácia’ da proposta feita pelo
governo Lula. Ele diz que,
diante de episódios de grande
repercussão – como o das
hostilidades ao ministro
Alexandre de Moraes no
aeroporto de Roma – ‘não
é incomum os governos
adotarem medidas populares
e, quase sempre, punitivistas’.
“O problema não reside na
ausência de legislação, afinal
ela existe e não é branda.
O enfrentamento deve ter
enfoque no fortalecimento dos
órgãos de persecução,
responsáveis por investigar
os episódios, bem como na
qualificação do debate público,
que está cada dia mais radical
e hostil”, indica.
Na mesma linha, Lucas
Fernando Serafim Alves,
especialista em Direito Penal
econômico, ressalta a tendência
de se endurecer penas em um
momento em que crimes
acontecem, colocando o
‘Pacote da Democracia’ nessa
seara. Em sua avaliação, trata-se
de um projeto legítimo, em que
o endurecimento das penas
visa ‘dar ao ofensores’ o regime
fechado de regime de pena.
No entanto, o advogado
considera que é necessário
trabalhar o tema em esferas,
não apenas na criminal.
“É um projeto válido, porém
que vai tratar um tema que
não se resolverá com prisões.
Atos atentatórios à democracia
devem ser tratados em outras
instâncias, em especial à
preliminar ao acontecimento
desses fatos. Amedrontar
através da norma penal a meu
juízo não inibirá de que pessoas
atentem contra o Estado
Democrático de Direito.
É uma tendência, o projeto é
legítimo, o endurecimento das
penas visa basicamente dá a
a esses ofensores o regime
fechado de regime de pena,
mas penso que devemos
trabalhar isso em outras
esferas também e não
apenas na criminal”, ressalta.
Pepita Ortega, Estadão