sábado, 22 de julho de 2023

‘Punitivista’ e até ‘inconstitucional’: o que dizem juristas sobre ‘Pacote da Democracia’ de Lula

Constitucionalistas e criminalistas consideram que proposta de até 40 anos de prisão para quem ‘atentar’ contra vida de ministros do STF tem ‘mais simbolismo do que eficácia’


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Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO


O ‘Pacote da Democracia’, 

lançado pelo governo Lula 

nesta sexta-feira, 21 - com a

 proposta de até 40 anos de 

prisão para quem ‘atentar 

contra a vida’ de autoridades, 

como o presidente da 

República e os ministros do 

Supremo Tribunal Federal 

- já causa burburinho no mundo 

jurídico. Constitucionalistas e 

criminalistas consideram que 

as medidas são mais 

‘simbólicas’ do que ‘eficazes’, 

ressaltando sua ligação com a

 hostilização ao ministro 

Alexandre de Mores, do STF, 

no Aeroporto de Roma.


Os especialistas classificaram

 o pacote de projetos de leis que

 endurecem as penas para quem

 ‘atentar’ contra o Estado 

Democrático de Direito como 

‘exacerbado’, ‘desproporcional’, 

‘descabido’ e até 

‘inconstitucional’. 

Avaliam que a proposta é 

legítima, mas destacam que o 

Legislativo deve ‘encontrar 

equilíbrio’ no texto.


O desembargador aposentado 

e ex-presidente do Instituto 

Brasileiro de Ciências Criminais 

Marco Antônio Nahum considera

 ‘exacerbada’ a previsão de até 

40 anos de prisão para crimes 

que atentem contra a vida de

 autoridades, entre elas 

ministros do Supremo Tribunal 

Federal.


“A exacerbação da legislação 

penal, em casos semelhantes, 

é política criminal que encontra

 respaldo no chamado “Direito 

Penal do Inimigo”. Trata-se de 

um modelo de política criminal 

que, logicamente, inspira uma 

dogmática penal e processual 

penal de combate do 

ordenamento jurídico contra

 indivíduos especialmente 

perigosos, como se o Estado 

não falasse com cidadãos que

 eventualmente violaram a lei”, 

explica.


De outro lado, o Estado 

Democrático tem o Direito 

Penal ‘como último recurso 

ou último instrumento a ser 

usado contra seus cidadãos’,

indica. Mas só é possível 

acionar esse recurso quando

 ‘fracassadas outras instâncias

 de controle social que possam

 resolver o conflito social’.

“Embora não se possa admitir 

que ação política de oposição

 implique em atividade criminosa

 contra as autoridades públicas, 

em especial aquelas que 

representam o Estado 

Constitucional, espera-se que

 o Poder Legislativo saiba 

encontrar o equilíbrio necessário

para a nova proposta legislativa”, 

pondera.


O ex-magistrado pondera que a 

ofensa a um dos integrantes da

 Corte máxima não pode ser 

admitida ‘como uma singela 

troca de agravos entre cidadãos 

comuns’, considerando que há 

um ‘desrespeito decorrente da 

função institucional exercida pela

 vítima’, mas rememora os 

princípios da proporcionalidade

 e da razoabilidade. Lembra, 

por exemplo, que há uma 

diferença entre as imputações 

e penas aplicadas em casos 

de homicídio tentado e o 

consumado.


A criminalista Carolina 

Carvalho de Oliveira destaca 

que o projeto do governo Lula 

‘condiz com a proteção 

constitucional de um Estado 

Democrático de Direito, mas, 

precisa ser revisto pelas Casas 

Legislativas’: “seu texto deve 

respeitar os limites da justiça 

e não pode sofrer pressão 

política”.


“As reformas são sempre 

bem vindas ao ordenamento 

jurídico desde que construam 

a dinâmica de um país melhor

 no tocante a manutenção da 

democracia na balança da 

justiça. Assim, necessário se 

faz um fortalecimento da 

repressão, por óbvio, mas, 

sem se esquecer dos problemas 

que já existem em nosso 

ordenamento jurídico. Devemos

 destacar que o caráter

preventivo e a tentativa de 

fortalecer os instrumentos 

jurídicos disponíveis são 

\perspectivas positivas, 

entretanto, a mira a 

determinadas situações 

pode acarretar uma 

objetivização da lei”, ressalta.


Já o criminalista Sérgio 

Rosenthal considera que 

o endurecimento de penas

 para quem atentar contra 

o Estado Democrático de 

Direito, ‘da forma como 

proposto’, é ‘temerário e 

desproporcional’. O advogado

 destaca que trata-se de um

 delito ‘cuja definição se 

presta a muitas e diferentes

 interpretações’.


“Se a proposta de endurecimento

 das penas cominadas para quem

 atentar contra o Estado 

Democrático de Direito tiver 

alguma relação com o fato de 

turistas brasileiros terem 

discutido com o filho de um 

Ministro do STF no aeroporto 

de Roma, receio que em breve

 não viveremos em uma 

democracia”, avalia.


O constitucionalista André

 Marsiglia pondera que o 

aumento das penas, conforme

 previsto no pacote divulgado

 pelo governo Lula nesta sexta, 

21, somado a uma 

‘interpretação muito elástica

 do que pode ser ameaça ao 

Estado’ pode resultar em um

 ‘encolhimento da crítica aos 

agentes públicos’ – “o que, 

obviamente não é desejável 

em uma democracia”.


Ele destaca como o crime de

 atentado ao Estado 

democrático ‘tem por objeto 

atos extremados e excepcionais, 

dignos de momentos de 

instabilidade institucional grave’. 

“É inclusive contraditório as 

autoridades dizerem que 

atualmente nossas instituições 

estão fortes e são inabaláveis e, 

ao mesmo tempo, entenderem 

ser necessário um pacote com 

penas tão agressivas”, pondera. 

O criminalista Conrado Gontijo

 avança: não só considera a

 proposta de aumento de penas

 ‘descabida’, mas também 

inconstitucional’. Em sua 

avaliação considera as penas

 para os crimes contra o Estado 

de Direito já são ‘especialmente

 graves’.


“Aumentá-las, em minha visão, 

representa afronta clara ao 

princípio constitucional da 

proporcionalidade. Mais 

importante do que agravar 

as penas existentes, é tornar 

efetivas as apurações criminais, 

de modo a assegurar a 

responsabilização de quem 

atente contra o Estado 

Democrático de Direito”, avalia.


O constitucionalista Aílton 

Soares de Oliveira também 

vê ‘inconstitucionalidade’ no

 pacote. “O texto constitucional

 não faz distinção de vidas. 

Vidas são vidas, até por isso

 o Estado coloca à disposição 

dos agentes públicos um aparato

 judicial e policial para protegê-los. 

É evidente que há um agravante 

ou outro a depender do crime e 

da incapacidade de resistência 

da vítima”, pondera.


Ele ressalta a necessidade 

de se discutir a ‘definição de 

atentado contra a vida de 

agente púbico do alto escalão

 dos poderes democráticos’, 

além de se especificar quando

 haveria cometimento ou 

tentativa do crime. “Seria um 

novo tipo penal certamente. 

Porque o crime não é só o 

cometido, ele é também o 

tentado, e nesse sentido 

depende de ampla discussão”, 

explica.


Propostas punitivistas

O criminalista Vinicius Fochi 

vê ‘mais simbolismo do que 

eficácia’ da proposta feita pelo

 governo Lula. Ele diz que, 

diante de episódios de grande 

repercussão – como o das 

hostilidades ao ministro 

Alexandre de Moraes no 

aeroporto de Roma – ‘não 

é incomum os governos 

adotarem medidas populares

 e, quase sempre, punitivistas’.


“O problema não reside na 

ausência de legislação, afinal 

ela existe e não é branda. 

O enfrentamento deve ter 

enfoque no fortalecimento dos 

órgãos de persecução, 

responsáveis por investigar 

os episódios, bem como na 

qualificação do debate público, 

que está cada dia mais radical 

e hostil”, indica.


Na mesma linha, Lucas 

Fernando Serafim Alves, 

especialista em Direito Penal 

econômico, ressalta a tendência

 de se endurecer penas em um

 momento em que crimes 

acontecem, colocando o 

‘Pacote da Democracia’ nessa 

seara. Em sua avaliação, trata-se 

de um projeto legítimo, em que

 o endurecimento das penas 

visa ‘dar ao ofensores’ o regime 

fechado de regime de pena. 

No entanto, o advogado 

considera que é necessário 

trabalhar o tema em esferas, 

não apenas na criminal.


“É um projeto válido, porém 

que vai tratar um tema que 

não se resolverá com prisões. 

Atos atentatórios à democracia 

devem ser tratados em outras 

instâncias, em especial à 

preliminar ao acontecimento 

desses fatos. Amedrontar 

através da norma penal a meu 

juízo não inibirá de que pessoas

 atentem contra o Estado 

Democrático de Direito. 

É uma tendência, o projeto é 

legítimo, o endurecimento das

 penas visa basicamente dá a

a esses ofensores o regime

 fechado de regime de pena, 

mas penso que devemos 

trabalhar isso em outras 

esferas também e não 

apenas na criminal”, ressalta.


Pepita Ortega, Estadão