Em nome da democracia, Lula propõe punitivismo autoritário e debocha do princípio da presunção de inocência. É o oportunismo irresponsável de sempre, que só alimenta o retrocesso
Deveria ser ponto pacífico,
fora de discussão. Os
ataques e as ameaças
contra o regime democrático
brasileiro, cometidos nos
últimos anos e que
culminaram no 8 de Janeiro,
demandam especial senso
de responsabilidade de
todas as autoridades. São
tempos de acirramento
político-ideológico, de
esgarçamento do tecido
social e de profunda
incompreensão sobre o
exercício das liberdades
individuais. Há quem
confunda, por exemplo,
liberdade de opinião com
direito de agredir os outros.
Tais circunstâncias exigem
maturidade, firmeza e
equilíbrio de todos os
Poderes. Não é hora de
atiçar os ânimos, mas de
aplicar isenta e
imparcialmente a lei.
No entanto, o governo
Lula tem-se mostrado
alheio a esse primário
dever de responsabilidade.
Em vez de fortalecer a
democracia, aproveita-se
das circunstâncias atuais
para difundir um perigoso
e disfuncional populismo,
que distorce o sistema de
Justiça e ignora as garantias
constitucionais mais básicas.
Eis a ironia: o governo Lula,
que se diz progressista,
promove um incontestável
retrocesso civilizatório.
O governo federal debocha
da inteligência alheia.
Apresentado na sexta-feira
passada, o “Pacote da
Democracia”, com
propostas de alteração da
lei penal, poderia ter saído
da pasta da Justiça
chefiada pelo ex-juiz Sérgio
Moro. A mentalidade
constante no documento
elaborado pelo governo Lula
é a mesma que se viu
durante todo o governo
Bolsonaro. Enxerga a
criminalidade no País como
consequência de uma
suposta legislação branda,
que precisaria ser
urgentemente enrijecida.
É desolador. No momento
em que a democracia mais
precisa de proteção
operativa e eficaz, o
governo federal recorre
a velhas fórmulas que
manifestamente têm
fracassado na proteção
dos bens jurídicos. Aumento
desproporcional de pena,
inclusão de novos crimes
hediondos e fortalecimento
dos poderes de ofício ao juiz
– nada disso proporciona a
proteção prometida.
O tal “Pacote da Democracia”
assusta, mas sua resposta
autoritária não é fenômeno
isolado. O destempero e o
desequilíbrio têm sido
constantes, por exemplo,
no falatório de Lula sobre
o caso envolvendo o
ministro Alexandre de
Moraes em Roma. No
domingo, Lula voltou ao
tema. Além de chamar
de “canalha” o suposto
autor de uma agressão
ainda não provada, o
presidente da República
que foi eleito pregando a
união nacional disse que
é preciso derrotar os
bolsonaristas e
generalizou: “Os malucos
estão na rua, ofendendo
pessoas, xingando
pessoas como aconteceu
esses dias com Alexandre
de Moraes”.
Não se defende a
democracia com agressões
ao princípio da presunção
de inocência, tampouco
com a criminalização
indiscriminada dos
apoiadores de determinada
corrente política. Essas
práticas não condizem com
o Estado Democrático de
Direito, sempre plural e
uja defesa requer
temperança e
responsabilidade.
O Congresso tem o dever
de rejeitar o populismo
penal de Lula que, sob
pretexto de reduzir a
criminalidade, desequilibra
ainda mais o sistema de
Justiça. Afinal, Lula
derrotou Jair Bolsonaro
nas urnas com a promessa
de fazer diferente. Não foi
para criar novas penas de
40 anos ou para agredir
opositores com discursos
irresponsáveis.
Estadão