sexta-feira, 28 de julho de 2023

'Lula insulta o IBGE', editorial do Estadão

Evidente critério partidário na nomeação de Márcio Pochmann para a presidência do IBGE desrespeita o corpo técnico da instituição, responsável pela produção de dados oficiais do País


Divulgação


A nomeação do economista 

Márcio Pochmann para 

presidir o Instituto Brasileiro

 de Geografia e Estatística 

(IBGE) foi um insulto do 

presidente Lula da Silva à

 instituição. Primeiro 

– e mais grave – por se tratar

 de indicação exclusivamente 

política de um quadro do PT 

para um órgão 

essencialmente técnico, 

ignorando o compromisso 

que o próprio Lula, 

emocionado, assumiu ao 

tomar posse; segundo, 

por apartar do processo 

de escolha o Ministério 

do Planejamento, ao 

qual o instituto é 

vinculado. E tudo isso 

coroa uma inaceitável 

interinidade de quase 

oito meses no comando 

do IBGE, algo 

particularmente grave 

em ano de divulgação 

do Censo Demográfico.


Pochmann é uma escolha

 pessoal, político-partidária

 e ideológica de Lula da 

Silva. Economista de 

incapacidade amplamente 

reconhecida no meio 

acadêmico, optou pela 

atuação política, como 

mostram as duas 

candidaturas derrotadas 

à prefeitura de Campinas 

(2012 e 2016) e o 

comando de órgãos 

ligados ao PT, como o

 Instituto Lula e a 

Fundação Perseu Abramo.


Em 2007, Lula, então em 

seu segundo mandato, 

nomeou Pochmann para 

a presidência do Instituto

 de Pesquisa Econômica

 Aplicada (Ipea). Nos cinco 

anos em que o economista

 esteve na função, 

pesquisadores renomados, 

mas com visão contrária à 

dele, foram afastados. 

Dizendo que o Ipea não

 era operador do mercado 

financeiro, Pochmann 

suspendeu a divulgação 

trimestral do Boletim de 

Conjuntura, com projeções

 das principais variáveis 

macroeconômicas, muitas 

vezes desfavoráveis 

ao governo.


Mas a maior polêmica 

de sua gestão foi um

 concurso para a 

contratação de 62 

pesquisadores cujo 

conteúdo foi duramente 

criticado pelo forte 

direcionamento político. 

Funcionários fizeram, na 

época, carta aberta em 

protesto. A direção do Ipea

 alegou que pretendia 

mudar o perfil de sua 

equipe de pesquisa. 

Funcionários reclamavam

 de aparelhamento político 

e da orientação de estudos 

que respaldassem políticas 

de governo. O papel do 

instituto é exatamente 

o oposto: promover, de

 forma às vezes contrária 

às práticas e convicções 

do governo vigente, 

estudos que possam 

orientar políticas públicas.


Se o aparelhamento do 

Ipea foi ruim para o País, 

a eventual submissão do 

IBGE aos interesses 

petistas seria um desastre. 

Maior fonte de produção e 

análise de dados 

estatísticos oficiais do País, 

o IBGE fundamenta políticas 

públicas adotadas pelos 

governos em todos os 

níveis. Segue os princípios 

da ONU definidos em 1994 

e, há dez anos, fez ampla

 revisão de processos para 

a definição de seu Código 

de Boas Práticas 

Estatísticas. Tem um corpo

 técnico de excelência e 

funcionários dedicados.


A bem da verdade, faz

 anos que o IBGE está 

sendo desrespeitado por 

gestões federais dos mais 

diferentes espectros 

políticos. Sofreu

 enxugamento abrupto de 

pessoal desde o governo 

Collor; viu crescer de forma

 desproporcional o nível 

de terceirização que levou 

a erros em pesquisas 

durante o governo Dilma; 

foi deixado à míngua na

 gestão Bolsonaro. Previsto 

inicialmente para 2020, 

o Censo Demográfico que 

está sendo divulgado neste

 ano teve o orçamento 

decepado na gestão Bolsonaro, 

chegou a ser suspenso e só foi 

realizado no ano passado 

depois da intervenção do 

Supremo Tribunal Federal.


Ao escolher para a 

presidência do IBGE não 

um técnico reconhecido 

na área, mas um fiel sabujo 

do PT, Lula lança sobre o

 instituto a sombra da 

desconfiança. A produção 

de estatísticas oficiais é

 uma atividade que 

depende, acima de tudo, 

de credibilidade. Sobre este 

trabalho não pode haver a 

menor dúvida ou suspeita

 de influência política 

– o IBGE, recorde-se, 

calcula todas as variáveis 

econômicas que servem 

de baliza para tomadores 

de decisão públicos e 

privados e afere mudanças 

de costumes e hábitos da

 população, o que permite

 aos administradores 

conhecer o País em detalhe.


O nível de excelência

 técnica é uma marca do 

IBGE; e a imparcialidade, 

um compromisso 

inquebrantável – tanto que, 

na divulgação das pesquisas, 

técnicos e coordenadores se

 negam a fazer ilações, 

estimativas ou qualquer tipo

 de análise que ultrapasse 

o limite do que mostram 

os dados. Por ora, não 

há razão para duvidar que

 tudo continuará assim. Mas

 melhor mesmo seria se o

 IBGE remunerasse o sr. 

Pochmann para ficar 

em casa.


Editorial do Estadão