Batemos boca, namoramos politicamente e vivemos golpes para bloquear mudanças
Vira e mexe, volta e meia,
o Brasil, achado por Cabral
e governado por Dom João
Fujão e os Pedros, da noite
para o dia republicou, revela
– nu e cru – o seu lado
sombrio (da escravidão como
indústria e estilo de vida) e
mostra seu autoritarismo
estrutural. Ele se espreguiça
no seu berço esplêndido
somente para surgir nos
pesadelos dos
apadrinhamentos, da
corrupção-brás, da política
de irracionalidade, do você
sabe com quem está
falando e das variadas e
criativas edições de um
mandonismo regulado e
bem-comportado, porém,
invisível ou inconsciente,
balizado pelo axioma
segundo o qual nada se
nega a um “conhecido”
ou amigo.
Batemos boca, namoramos
politicamente e vivemos
golpes para bloquear
mudanças. Cabe perguntar:
mudanças para onde, se o
sentimento geral é que
andamos a passos largos
de volta para um gozoso
retorno que nos leva a um
fascinante Nietzsche e à
vaporosidade dos
personagens do Kundera o
u ao seu pesado peso?
A essa afinidade com o
chumbo da má-fé, da
hipocrisia e da intriga que
marcam o nosso ideal de
esperteza malandra.
Em junho de 2013,
protestos se espalharam
pelo País no que ficou
onhecido como Jornadas
de Junho, que muitos
estudiosos classificam
como um ponto de virada
na República brasileira.
Foto: Tiago Queiroz/Estadão
O fato é que não viramos
ingleses, nem franceses
como gostariam nossos avós
mulatos ou pretos
envergonhados como
sub-raça. Tampouco fomos
imperializados pelos
ianques contentes em nos
ter como consumidores de
Coca-Cola, de O Vento
Levou... e de Madona e
Sinatra. Dos revolucionários
russos que hoje se
envergonhariam de um
Putin que comprova o elo
entre gangsterismo e
política, com o bom tempero
da guerra imperialista,
sobra uma tênue tintura
dita “comunista” que, como
papagaio, repete chavões
somente num Brasil
boçalizado – no qual existe
dosimetria de mil anos,
mas não há prisão perpétua
e os juízes, fantasiados de
bispos, têm privilégios e
empreendimentos que eles
não hesitam em condenar
nos outros.
Um velho brasilianista
enfermo e amigo do
coração me questiona,
provocador: vocês provam
o mito do eterno retorno!
Do horror de viver repetições
porque vocês colocam o fim
sem medir os meios e
odeiam o trabalho rotineiro
que é o traço distintivo do
verdadeiro realizar.
Eu furto, você descobre
e me denuncia. Sou preso.
O tempo mostra que eu
fazia o mais razoável do que
faz o novo escolhido que
prova ser muito mais
desanimador que eu. O
legalismo é ativado e o
pêndulo retorna. As massas
falam e tudo volta ao que
era antes. Todos ficam
felizes. Happy end? Não.
Começo de um outro retorno,
com os mesmos atores e
suas parcas ideias. Mas
com a vantagem de que o
drama é conhecido. Eu sou
você daqui a pouco. A
violenta ameaça de
extirpá-lo ou liquidá-lo
revela que ainda não
descobrimos que temos
mão direita e esquerda...
e uma cabeça que a
polarização não deixa
lembrar Nietzsche ficaria
perplexo. E nós,
brasileirinhos que adoramos
ser enganados porque
somos muito espertos,
repetimos. É a vida...
Estadão