quarta-feira, 26 de julho de 2023

Roberto DaMatta: 'Vira e mexe, o Brasil revela seu lado sombrio e mostra seu autoritarismo estrutural'

 Batemos boca, namoramos politicamente e vivemos golpes para bloquear mudanças


Roberto DaMatta - Foto Institutomillenium.org.br



Vira e mexe, volta e meia, 

o Brasil, achado por Cabral

 e governado por Dom João 

Fujão e os Pedros, da noite

 para o dia republicou, revela

– nu e cru – o seu lado 

sombrio (da escravidão como

 indústria e estilo de vida) e

 mostra seu autoritarismo 

estrutural. Ele se espreguiça

 no seu berço esplêndido 

somente para surgir nos 

pesadelos dos 

apadrinhamentos, da 

corrupção-brás, da política 

de irracionalidade, do você

 sabe com quem está 

falando e das variadas e

 criativas edições de um 

mandonismo regulado e 

bem-comportado, porém, 

invisível ou inconsciente, 

balizado pelo axioma 

segundo o qual nada se 

nega a um “conhecido” 

ou amigo.


Batemos boca, namoramos 

politicamente e vivemos 

golpes para bloquear 

mudanças. Cabe perguntar: 

mudanças para onde, se o

 sentimento geral é que 

andamos a passos largos 

de volta para um gozoso 

retorno que nos leva a um

 fascinante Nietzsche e à

 vaporosidade dos 

personagens do Kundera o

u ao seu pesado peso? 


A essa afinidade com o

 chumbo da má-fé, da 

hipocrisia e da intriga que 

marcam o nosso ideal de 

esperteza malandra.

Em junho de 2013, 

protestos se espalharam 

pelo País no que ficou 

onhecido como Jornadas 

de Junho, que muitos 

estudiosos classificam 

como um ponto de virada 

na República brasileira. 

Foto: Tiago Queiroz/Estadão


O fato é que não viramos 

ingleses, nem franceses 

como gostariam nossos avós 

mulatos ou pretos 

envergonhados como 

sub-raça. Tampouco fomos

 imperializados pelos 

ianques contentes em nos 

ter como consumidores de

 Coca-Cola, de O Vento 

Levou... e de Madona e 

Sinatra. Dos revolucionários 

russos que hoje se 

envergonhariam de um 

Putin que comprova o elo

 entre gangsterismo e 

política, com o bom tempero

 da guerra imperialista,

 sobra uma tênue tintura 

dita “comunista” que, como 

papagaio, repete chavões 

somente num Brasil 

boçalizado – no qual existe

 dosimetria de mil anos, 

mas não há prisão perpétua

 e os juízes, fantasiados de 

bispos, têm privilégios e 

empreendimentos que eles

 não hesitam em condenar

 nos outros.


Um velho brasilianista 

enfermo e amigo do 

coração me questiona, 

provocador: vocês provam 

o mito do eterno retorno! 

Do horror de viver repetições

 porque vocês colocam o fim 

sem medir os meios e 

odeiam o trabalho rotineiro

 que é o traço distintivo do

 verdadeiro realizar.


Eu furto, você descobre

 e me denuncia. Sou preso.

 O tempo mostra que eu 

fazia o mais razoável do que

 faz o novo escolhido que

 prova ser muito mais 

desanimador que eu. O 

legalismo é ativado e o 

pêndulo retorna. As massas 

falam e tudo volta ao que 

era antes. Todos ficam

 felizes. Happy end? Não. 

Começo de um outro retorno,

 com os mesmos atores e 

suas parcas ideias. Mas 

com a vantagem de que o 

drama é conhecido. Eu sou 

você daqui a pouco. A 

violenta ameaça de 

extirpá-lo ou liquidá-lo 

revela que ainda não 

descobrimos que temos 

mão direita e esquerda... 

e uma cabeça que a 

polarização não deixa 

lembrar Nietzsche ficaria

 perplexo. E nós, 

brasileirinhos que adoramos 

ser enganados porque 

somos muito espertos, 

repetimos. É a vida...

Estadão