sábado, 22 de julho de 2023

'A imprudência do ministro da Justiça', editorial do Estadão

 

O comunista Flávio Dino - Reprodução


Flávio Dino tem alimentado a equivocada impressão de que o Judiciário é uma grande arena política. É preciso respeitar a inteligência dos cidadãos, sem interpretações oportunistas da lei




O Ministério da Justiça tem 

papel fundamental no 

funcionamento do Estado 

Democrático de Direito. 

Responsável, no âmbito do 

Executivo federal, pela 

defesa da ordem jurídica, 

dos direitos políticos e das 

garantias constitucionais, 

ele tem uma importância 

histórica e institucional única, 

expressa na própria 

configuração urbanística e 

arquitetônica de Brasília, que

 conferiu posição de destaque

 ao Palácio da Justiça 

Raymundo Faoro, sede do 

Ministério.


Essa proeminência institucional 

do Ministério da Justiça 

significa uma especial 

responsabilidade dentro da

 administração pública federal 

e nas relações entre os 

Poderes. E, sendo assim 

sempre, essa dimensão de

 responsabilidade tem ainda 

mais relevo nas circunstâncias

atuais, com a forte polarização

 político-ideológica e a 

disseminada incompreensão 

sobre o papel do Judiciário. 

O dever do Executivo federal 

de trabalhar pela distensão e

 pacificação nacional envolve 

ativa e diretamente o 

Ministério da Justiça.


Tem-se visto, no entanto, 

a situação oposta. Em vez 

de contribuir para uma 

compreensão mais serena 

e técnica dos temas 

envolvendo o Supremo 

Tribunal Federal (STF), o 

ministro da Justiça, Flávio 

Dino, tem contribuído para

 acentuar tensões políticas. 


Sua atuação recente tem 

alimentado a equivocada 

impressão do Judiciário 

como uma grande arena 

político-partidária, na qual 

o importante seria apoiar 

os partidários, não raro à 

revelia da lei.


Uma coisa é defender o STF

 dos diferentes ataques e 

ameaças que ele sofreu nos 

últimos anos e que 

culminaram no 8 de Janeiro. 

Outra, bem diferente, é 

tomar partido imediatamente

 a respeito de toda medida 

decretada pelo Supremo, 

servindo-se, para tanto, de 

interpretações expansivas e, 

às vezes, manifestamente 

equivocadas. Para piorar, 

essa atuação partidarista, 

em tom de torcida, é feita nas 

redes sociais, sem os 

necessários matizes, sem as

 respectivas fundamentações.


Na quinta-feira passada, 

advertiu-se neste espaço o 

profundo equívoco, 

disseminado por Flávio Dino,

 de enquadrar eventual 

agressão contra um ministro 

do STF e sua família como 

possível crime contra o 

Estado Democrático de 

Direito (ver A distorção que 

enfraquece a democracia

20/7/2023). Misturar a 

proteção do Estado e a 

proteção das autoridades 

significaria transformar a Lei 

de Defesa do Estado 

Democrático de Direito 

(Lei 14.197/2021) numa

 reedição da Lei de Segurança

 Nacional (Lei 7.170/1983), e a 

lei de 2021 veio justamente 

revogar a de 1983.


Mas não foi esse o único caso 

em que, sob pretexto de 

defender o STF, o ministro da 

Justiça abandonou o prudente

 distanciamento institucional, 

envolvendo-se em questões 

de duvidosa constitucionalidade.


 Flávio Dino utilizou sua conta 

no Twitter para dizer que a 

diligência de busca e apreensão 

na residência da família envolvida 

em confusão em Roma com o 

ministro Alexandre de Moraes 

“se justifica pelos indícios de 

crimes já perpetrados” e que

 “tais indícios são adensados 

pela multiplicidade de versões 

ofertadas pelos investigados”. 

E completou: “Sobre a 

proporcionalidade da medida, 

sublinho que passou da hora 

de naturalizar absurdos”.


A rigor, as palavras de Flávio 

Dino em nada justificam a 

medida, até porque o inquérito

 está sob sigilo. Pelo que se 

sabe até agora, a busca e a 

apreensão foram notoriamente 

desproporcionais. Dessa forma, 

em vez de gerar tranquilidade, 

a manifestação do ministro 

despertou mais dúvidas.


Muitas vezes, a melhor 

defesa que se pode fazer do

 Judiciário, especialmente por

 parte do Executivo federal, é 

manter-se distante dos atos 

judiciais concretos, que podem

 depois ser revistos e corrigidos 

pelo próprio Judiciário. Não faz 

nenhum sentido um alinhamento

 acrítico e automático, que, em

 tempos de polarização política, 

desperta ainda mais 

desconfianças sobre a Justiça.


A autoridade do STF deve ser

 fruto da fundamentação das 

decisões, e não do apoio do 

governo de plantão. 


Precisamente por seu papel

 institucional de defesa da 

ordem jurídica, o Ministério da

 Justiça não pode fazer com que

 sua interpretação da lei esteja 

em função das cores políticas 

dos envolvidos.


Editorial do Estadão