Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em soluções imediatistas e atalhos para resolver questões complexas na economia foi um dos marcos dos três primeiros meses de governo. Uma prática que tende a manter o país nos níveis medíocres de crescimento das últimas quatro décadas, quando o país se acostumou a "voos de galinha", em que breves surtos de expansão mais forte são seguidos de longas temporadas de quase estagnação ou mesmo recessão.
Fernando Veloso, pesquisador sênior em economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), diz que essa tem sido a tônica do crescimento brasileiro, à exceção de um pequeno período nos anos 2000.
Para este ano, as projeções do boletim Focus, do Banco Central, sinalizam para uma alta de apenas 0,9% do PIB. Embora mais otimista, até a projeção da equipe econômica é de baixo crescimento: 1,6%. Para os técnicos do Ministério da Fazenda, o ano de maior expansão deste mandato será 2025, com PIB avançando cerca de 2,8%.
Essas perspectivas só aumentam a tentação por medidas populistas para acelerar o PIB a qualquer custo. Lula se elegeu prometendo mais crescimento e, quando o IBGE divulgou aumento de 2,9% no PIB do de 2022, disse que "a economia não cresceu nada".
Se a busca pelo crescimento econômico sustentado fosse uma corrida, o Brasil estaria lá atrás. Desde 1980, o país cresceu ao ritmo de 2,3% ao ano, perdendo participação no PIB mundial, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). De lá para cá, a economia global avançou ao ritmo médio de 3,4% ao ano. O Brasil é apenas o 92.º colocado no ranking de 135 países para os quais há dados completos desse período.
Crescimento sustentado, diz Veloso, exige sacrifícios presentes em troca de ganhos no futuro. “Aumentos permanentes de produtividade também dependem de um ambiente de negócios que facilite a expansão das empresas mais eficientes, o que pressupõe um grau adequado de competição. Também é fundamental assegurar estabilidade macroeconômica e previsibilidade regulatória, para que indivíduos e empresas tenham um ambiente propício para a tomada de decisões de investimento”, diz o economista.
Na contramão dessa necessidade, o governo petista opta por uma visão de curto prazo, frequentemente populista, como atestam medidas adotadas ou estudadas pelo governo desde o início do ano. São medidas que, quando aplicadas, tendem a gerar distorções, privilégios e impactos contrários aos esperados. Entre os exemplos estão:
a redução “na marra” da taxa de crédito consignado dos aposentados e pensionistas do INSS;
a ideia de suspender o saque-aniversário do FGTS para supostamente “proteger” o trabalhador;
o plano de retomar a política de juros subsidiados no BNDES; e
o programa de venda de passagens aéreas a R$ 200.
Essa lógica imediatista busca capturar votos ou apoio para o governo, diz Cláudio Shikida, professor do Ibmec-MG. O resultado é que potenciais benefícios são distribuídos no curto prazo e o ônus em geral só aparece em prazos mais longos, muitas vezes repassado para futuros governantes. “Há uma lógica de cooptação das instituições por parte de pequenos grupos”, afirma.
Na mesma linha, Veloso, do Ibre/FGV, diz que o imediatismo leva o governo a gastar muito em benefícios que são focados em uma minoria. Segundo ele, as medidas planejadas pelo novo governo refletem rês práticas típicas do populismo:
a tendência de simplificar problemas complexos, que exigem coordenação;
a busca por benefícios rápidos; e
a procura por benefícios visíveis e concentrados, cujo custo é distribuído entre toda a sociedade.
Para o economista, há uma tendência geral no Brasil a esse comportamento. Ele lembra que, apenas entre 2021 e 2022, três emendas à Constituição violaram as regras fiscais: a PEC dos Precatórios, a PEC Kamikaze e a PEC Fura-Teto, que o governo eleito chamava de PEC da Transição.
Somente esta última permitiu gastos adicionais de quase R$ 170 bilhões neste ano, parte para programas sociais do governo e parte para atender demandas de parlamentares, depois que as emendas de relator foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O resultado apareceu sob a forma de aumento do risco fiscal e de taxas de juros mais altas. Os juros das NTN-B, título público indexado à inflação, vem aumentando desde 2021. As taxas dos títulos com vencimento em agosto de 2026 passaram de 2,18% em janeiro de 2021 para 5,66% neste mês segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Canetada no juro do consignado empurrou aposentados para linhas mais caras
A canetada do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) na redução dos juros sobre o consignado para beneficiários do INSS é um exemplo de medida populista que gerou efeitos negativos – neste caso, imediatos.
Por considerarem as novas taxas inviáveis, bancos privados e até públicos, como Caixa e BB, suspenderam a oferta dessa modalidade de crédito, empurrando aposentados e pensionistas, muitos em situação vulnerável, para linhas de crédito mais caras.
O governo foi obrigado a voltar atrás. Depois de derrubar o teto do juro do consignado de 2,14% para 1,70% ao mês, o CNPS fixou um novo teto, de 1,97% ao mês, na última terça-feira (28).
Acabar com o saque-aniversário do FGTS eliminaria linha de crédito barata
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, sugeriu acabar com a modalidade de saque-aniversário do FGTS, ou seja, a retirada anual de recursos do fundo por parte dos trabalhadores. Segundo ele, esse resgate desvirtua a função do FGTS de ser uma garantia aos trabalhadores em caso de demissão ou para ajudar a comprar um imóvel.
“É um dinheiro que rende pouco nas mãos do governo”, lembra Cláudio Shikida, professor do Ibmec-MG. A remuneração equivale à TR, hoje zerada, mais 3% ao ano. Enquanto isso, uma aplicação no Tesouro Direto, por exemplo, pode render juros mais próximos da taxa Selic, hoje em 13,75% ao ano.
O saque-aniversário também serve como garantia de empréstimos – e as taxas dessa modalidade estão entre as menores do mercado. Instituições financeiras cobram a partir de 1,49% ao mês. Enquanto isso, a taxa média de um empréstimo pessoal, que não exige garantias, estava em 5,34% em fevereiro, segundo o Banco Central.
Ou seja, o mesmo governo que quer baixar os juros a todo custo – seja pressionando o BC a reduzir a taxa básica ou promovendo canetadas no teto do consignado – pode levar ao fim de uma das modalidades de crédito mais baratas do mercado.
A decisão final deverá ser do Congresso. O governo prometeu, no início de março, que encaminharia uma proposta solicitando a extinção, oferecendo alternativas.
Uma das possibilidades estudadas pelo governo é usar esses recursos para financiar o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Segundo Shikida, com isso os recursos seriam transferidos do fundo dos trabalhadores para grupos específicos, como empreiteiras e construtoras.
Estudo do banco Inter aponta que R$ 28 bilhões em recursos do FGTS que antes estavam retidos foram parar nas mãos dos trabalhadores em 2022. “O crescimento na adesão mostra que o trabalhador identificou esses benefícios e, ao mesmo tempo, o impacto no fundo não foi significativo”, destaca relatório assinado pela economista-chefe, Rafaela Vitória.
Volta de juros subsidiados no BNDES pode elevar custo dos outros empréstimos
Outra ideia do governo para baixar juros "na marra" é mudar a Taxa de Longo Prazo (TLP), usada como referência nos empréstimos do BNDES.
O histórico mostra que, ao forçar mais crédito direcionado (caso do BNDES), que é mais barato para alguns, o governo acaba elevando o custo do dinheiro para os demais – isto é, a maioria das empresas e consumidores.
Isso ocorre porque quanto maior a parcela dos empréstimos direcionados no crédito total, menor é o alcance da taxa Selic, usada pelo BC para controlar a inflação e que atua principalmente sobre o crédito livre. Assim, o BC acaba mantendo a Selic num nível mais elevado do que seria necessário, encarecendo o crédito para quem não tem acesso às linhas do BNDES.
A participação do crédito direcionado no total do saldo das operações de crédito perdeu força desde o governo Temer, quando foi instituída a TLP. Em dezembro de 2015, correspondia a 50,4% do total. Em fevereiro, de acordo com o BC, correspondiam a 40,9%.
Os riscos são grandes. O alerta foi dado pelo BC na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 21 e 22 de março, que enfatizou que a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas, como a liberação de crédito direcionado por parte de bancos públicos, tem o potencial de elevar a taxa neutra de juro e reduzir o alcance da política monetária.
Passagens de R$ 200 para servidores e aposentados pode elevar preço para os demais
Outra medida em estudo é a proposta de venda de passagens aéreas a R$ 200 para pessoas que não viajaram nos últimos dois anos. A medida beneficiaria principalmente aposentados e servidores públicos e seria viabilizada por uma espécie de empréstimo consignado do BB e da Caixa.
O valor proposto pelo Ministério dos Portos e Aeroportos equivale a menos de um terço da tarifa média praticada pelas três maiores empresas do país no ano passado, que juntas detêm 99,6% do mercado. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o valor médio foi de R$ 650,82, 39% mais do que em 2021.
Os estudos para implantação da medida estão nas mãos da Secretaria da Aviação Civil (SAC) e devem contar com a participação de companhias aéreas e de entidades de classe como a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear).
O risco desse tipo de medida é conhecido e pode ser observado na expansão indiscriminada do "meio ingresso". Quando o preço é reduzido para determinados grupos, tende a ser compensado por um aumento no preço "normal", cobrado dos demais.
Mercado recebeu arcabouço fiscal com alívio, mas há dúvidas sobre viabilidade
Em meio ao populismo e à busca por atalhos na economia, uma das maiores preocupações do mercado financeiro e de especialistas em contas públicas era sobre o arcabouço fiscal desenhado pelo governo.
Depois de Lula ordenar o adiamento da apresentação da proposta, no que foi interpretado como uma pressão por regras mais frouxas, o arcabouço foi finalmente apresentado na quinta-feira (30).
Embora preveja superávits primários a partir de 2025 e uma trajetória relativamente estável da dívida pública nos próximos anos, o que fez o mercado receber a proposta com algum alívio, o plano depende de uma forte expansão nas receitas do governo, que por sua vez exigirá, mais do que o mero crescimento econômico, a colaboração do Congresso – na revisão de renúncias fiscais, por exemplo.
Além disso, a regra abre margem para crescimento da despesa pública mesmo em momentos de queda na arrecadação, o que pioraria a situação das finanças federais.
Vandré Kramer, Gazeta do Povo