domingo, 26 de março de 2023

'O Brasil precisa entender o que o PCC se tornou', por Leonardo Coutinho

 

Imagem de arquivo mostra mensagem do PCC em muro durante rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Natal, em janeiro de 2017| Foto: EFE/Ney Douglas


Como vocês, caros leitores, definiriam uma organização que estacionou um automóvel cheio de explosivos com um detonador remoto em uma instalação da Justiça? E se, além disso, ela preparasse um carro-bomba para realizar um atentado que desestabilizaria o mercado financeiro em seu país sede? Se essa mesma organização, então, empreendesse 293 ataques com a utilização de explosivos, armas pesadas contra prédios públicos, oficiais de segurança e serviços de infraestrutura? Cada um pode chamar isso do que quiser. Mas o nome dessas ações é terrorismo. E a organização que as praticou é o PCC.

Mas, certamente, quem chama de terrorista os velhinhos baderneiros que invadiram e depredaram prédios públicos em Brasília jamais vai se referir ao PCC pelo que de fato a organização é. Muito provavelmente vai dizer que chamar o PCC de organização terrorista é um exagero. Uma idiotice.

A convergência entre o crime transnacional organizado e o terrorismo é algo que vem sendo bastante estudado e finalmente compreendido por vários governos e agências que combatem esse tipo de ameaça, que vai muito além do tráfico de drogas, contrabando, tráfico de pessoas e outras ações típicas de máfias com atividade internacional.

Há tempos, traficantes brasileiros prestam serviços para terroristas e máfias internacionais. Fernandinho Beira Mar chegou a ser hóspede das Farc, quando esteve foragido na Colômbia. Um gesto dos narcoterroristas que ia além da gratidão. Mantiveram seguro um parceiro estratégico, que lhes provia acesso a armas contrabandeadas em troca de cocaína. A união do Comando Vermelho – que é quem decide tudo que acontece no CPX do Alemão e no CPX da Maré – e as Farc rendeu ao grupo criminoso brasileiro o domínio das rotas amazônicas.

O PCC foi muito além. A organização que nesta semana foi pilhada com um plano para sequestrar e matar autoridades brasileiras surgiu como gangue de prisão, mas não pode ser tratada mais como tal. Aquela famosa estratégia da Rede Globo para evitar o nome PCC – “organização criminosa que atua dentro e fora dos presídios”, que passou a ser copiada pela maioria da imprensa e até comunicações oficiais – não só ajuda o PCC, como o subdimensiona no seu potencial de dano à segurança, estabilidade e democracia.

O PCC evoluiu ao longo dos anos e deixou há tempos de ser uma gangue de cadeia. Ou o “blá-blá-blá de dentro e fora dos presídios”. Quem quiser ler mais sobre essa evolução, recomendo clicar neste link.

Os fatos narrados no início desta coluna ocorreram entre 2002 e 2006. Ou seja, há tempos o PCC emprega o terrorismo como elemento de sua ação, que é política. Por falar em política, o PCC entrou com os dois pés na atividade. Financiando partidos e/ou candidatos e muito possivelmente elegendo seus próprios candidatos. A lista de casos é longa.

É preciso destacar que o uso de carros-bomba em 2002 fracassou, no caso do Fórum da Barra Funda, por imperícia dos terroristas, e no da Bolsa de Valores de São Paulo, pela ação bem-sucedida da polícia paulista, que identificou o plano.

Os carros-bomba de 2002 e os ataques a São Paulo em 2006 ocorreram às vésperas das eleições presidenciais e tiveram objetivos políticos, conforme já foi narrado por diversas fontes e reconhecido pelos próprios membros do PCC. Em ambos os casos, a organização tinha interesse direto em ajudar a eleger o candidato que eles julgavam ser o melhor para eles. Se os atos influenciaram no resultado, não dá para saber. Mas o PCC ficou feliz com o que disseram as urnas das duas eleições.

Ao contrário do que muitos pensam, atentados superlativos como os de 11 de setembro de 2001 são excepcionais. Terroristas não precisam matar muita gente. O objetivo é aterrorizar muita gente. Por essa razão, foram absolutamente primárias as declarações de autoridades que classificaram brasileiros presos em 2016 em atos preparatórios de atentados na Olímpiada do Rio de Janeiro como “amadores”.

A detonação de panelas de pressão com explosivos em uma maratona em Boston, ou vans atropelando ciclistas em Nova York e atingindo pedestres em Barcelona não demandaram muito dinheiro, sofisticação ao estilo de filmes de ação. Com muito pouco e matando pouco, os lobos solitários do Estado Islâmico fizeram muito durante a onda de atentados que se alastrou por vários países.

Sequestrar e matar um senador, um promotor estadual, delegado federal, não podem ser vistos como planos de criminosos comuns. Tampouco de uma organização criminosa comum. O PCC queria mandar um recado para cada policial, cada promotor, cada juiz, cada político e sobretudo para todo brasileiro. “Não se meta conosco.” “Quem manda somos nós.” E, por que não?, “O vento virou. Vencemos”.

Sergio Moro tornou a vida dos líderes do PCC mais dura, com a transferência para presídios federais e com a tentativa de contar os canais de comunicação dos líderes com o mundo exterior. Não vou sujar a coluna com a linguagem chula do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas ao que parece o PCC tem, em relação ao ex-juiz da Lava Jato, o mesmo rancor.

O PCC empregou milhões de reais em ações preparatórias, como a aquisição de armas, explosivos, aluguel de cativeiros, viagens, inteligência e monitoramento. Eles chegaram a clonar viaturas da Polícia Federal para tentar capturar e executar o delegado Elvis Secco, que atualmente é adido da Polícia Federal na Cidade do México.

O delegado Secco teve a cabeça colocada a prêmio por ter sido responsável pelas maiores perdas financeiras que o PCC sofreu em sua história, próximo a R$ 1 bilhão, e pela prisão de alguns de seus membros e provedores mais importantes, entre os quais Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho.

Em 2021, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos incluiu o PCC na lista das organizações designadas como de crime transnacional. A medida foi um passo importante para poder ampliar as ações de busca e apreensão dos recursos que o PCC move ao redor do planeta. Muitas vezes disfarçado de empresas legais e reconhecidas. Enquanto isso, autoridades brasileiras se negam a enxergar o PCC na sua real dimensão.

Negam sua associação com terroristas do Hezbollah, como provedor de logística de tráfico para os libaneses em troca do acesso às redes de evasão e lavagem de dinheiro.

Fecham os olhos para a evolução do PCC, sua convergência e transformação em organização terrorista.

Ignoram que, ao planejar sequestro e morte de autoridades, não querem vingança. Mas consolidar-se por meio do medo.

O medo é principal objetivo do terrorismo.


Gazeta do Povo