sexta-feira, 31 de março de 2023

Ana Paula Henkel: 'O mundo precisa de homens fortes'

 

Foto: Shutterstock


Homens reais são pessoas com quem os outros podem contar. Seja simplesmente para fazer o que disseram que fariam, seja para estar no lugar certo na hora certa


Milhões de pessoas ao redor do mundo consideram março “o mês da mulher”. Uma bobagem, na minha opinião. Para mim, um dia ou um mês da mulher não passam de uma grande bobagem. Nosso dia é todo dia. Assim como de nossos parceiros. Essa falsa celebração é estratégica e visa à divisão, que vai além de homens vs. mulheres. Hoje, o movimento que finge enaltecer as mulheres não prega a verdadeira contribuição feminina na sociedade, mas empurra uma agenda nefasta que vai da matança de bebês nos ventres de suas mães à demonização do sexo masculino.

É patético, para dizer o mínimo, que durante todo o mês de março, essa gente que “celebra a mulher e seu papel na sociedade” colocou em campanhas publicitárias por todo o mundo mulheres trans, homens que se sentem como mulheres e que querem ser vistos como mulheres. Como cada indivíduo quer viver sua vida é uma prerrogativa pessoal e, claro, tem de ser respeitada na sociedade. No entanto, vamos estabelecer alguns pontos que muitos, aterrorizados com as guilhotinas virtuais dos histéricos jacobinos justiceiros de teclados, têm medo de abordar: mulheres trans são homens que, por razões pessoais, não se identificam com o sexo biológico; todos podem escolher como querem viver suas vidas, mas isso não cria direitos; eu não sou uma mulher “cis” ou uma mulher “biológica”, eu sou apenas mulher.

Um homem não pode se tornar uma mulher diminuindo sua testosterona. E os direitos das mulheres não devem terminar onde os sentimentos de alguns começam. Não tenho nenhum problema ou ressalva em chamar alguém de “ela” ou “ele” se esse acordo foi selado entre a pessoa em questão e eu — e não por que uma turba quer ditar o que todos devem dizer. Não caiam na corrupção da linguagem misógina dos novos jacobinos, que sequestram uma agenda virtuosa de cooperação entre homens e mulheres para empurrar segregação e ódio ao sexo masculino.

Mulheres de burca na Mesquita Azul, em Mazar-e Sharif, no Afeganistão | Foto: Shutterstock

O mais ridículo dessa agenda de “celebração da mulher”, aliada à insana seita do politicamente correto, é o silêncio das feministas com a realidade de mulheres em lugares como Afeganistão e Irã, que sofrem sob um duro regime de opressão com o sexo feminino. O silêncio da turba que enaltece o mês da mulher celebrando ditadores não é exclusivo para o assunto que aborda mulheres que sofrem sob regimes totalitários, mas o feminismo de butique que diz lutar pelo sexo feminino ficou calado durante anos em relação ao avanço de atletas transexuais, homens contemplados com anos de testosterona, competindo, invadindo e espancando mulheres aos aplausos dos seguidores do politicamente correto.

No meio dessa loucura, que vai de meninas perdendo bolsas universitárias para meninos à perda de medalhas e premiações em grandes competições, vimos essa semana um sopro de bom senso e sanidade em relação ao justo e sagrado lugar das mulheres em competições femininas: o Conselho Mundial de Atletismo proibiu transsexuais de competirem na categoria feminina em eventos internacionais. Presidido pelo espetacular ex-atleta e medalhista olímpico Sebastian Coe, a entidade estabeleceu, até que estudos sérios e longos sejam feitos, que nenhum atleta transgênero que passou pela puberdade masculina terá permissão para competir em competições do ranking mundial feminino a partir de hoje, 31 de março. Coe acrescentou que a decisão foi guiada pelo princípio abrangente que é proteger a categoria feminina: “As decisões são sempre difíceis quando envolvem necessidades e direitos conflitantes entre diferentes grupos, mas continuamos a ter a visão de que devemos manter a justiça para as atletas femininas acima de todas as outras considerações”. A lenda do atletismo mundial completou: “Seremos guiados pela ciência em torno do desempenho físico e da vantagem masculina. À medida que mais evidências estiverem disponíveis, revisaremos nossa posição, mas acreditamos que a integridade da categoria feminina no atletismo é fundamental”.

Sebastian Coe | Foto: Wikimedia Commons

Ufa! Finalmente alguém do porte e da importância de Coe para recolocar o assunto no patamar de onde nunca deveria ter saído — da biologia humana, único pilar importante no esporte. E, vejam a ironia, um homem saiu na justa defesa das mulheres no esporte! Em uma sociedade tomada pelo medo de se expressar, pelo medo dos injustos cancelamentos, segurar uma bússola publicamente e apontar onde está o norte virou um ato de coragem. A atual agenda neomarxista não apenas demoniza homens e coloca mulheres em uma covarde espiral de silêncio — ela visa a destruir a relação de confiança entre eles.

Manual de destruição da sociedade

No “mês da mulher”, vimos mulheres trans, homens, dinamitando os lugares de outras mulheres em comerciais e ganhando “menções honrosas” em legislaturas. Não se enganem, a elevação misógina de trans ao posto de “mulheres do ano” e invadindo campanhas publicitárias é apenas mais uma página no manual de destruição da sociedade pela agenda marxista. Em 2019, a Gillette, famosa fabricante de lâminas e produtos de limpeza do gigante Procter & Gamble, soltou uma peça que os produtores provavelmente imaginaram ser a atitude-padrão dos homens (ideia compartilhada pela turba da extrema esquerda mundial): estuprar, assediar, agredir e oprimir. Outras narrativas absurdas são apresentadas no comercial, facilmente encontrado na internet, e profanadas por celebridades desmioladas que precisam de aceitação diária. Ali, a empresa propõe a todos os homens o mantra atual de uma sociedade sem virtudes e que parece não saber do passado: “Barbear sua masculinidade tóxica”. Alguns analistas comportamentais acreditam que a mudança teria começado com os movimentos feministas radicais, como o “Me Too”, o mesmo que demorou 20 anos para se levantar dos sofás das produtoras de Hollywood para gritar contra os assediadores do mundo do entretenimento. Curioso como nunca ocorreu que estuprar, assediar ou agredir era errado na época em que algumas das mesmas atrizes do movimento se empanturravam de dinheiro dos produtores predadores.

Em nossos encontros semanais, tento abordar diferentes assuntos com a perspectiva de uma boa prosa, como diria o meu pai. É claro que, em uma sociedade que parece não ter um norte moral, os dias podem ser desanimadores. Será que entregaremos um mundo tão corrompido e corroído aos nossos filhos? Será que o seio familiar, principal ambiente da formação de caráter, está permanentemente fragmentado? Eu não acredito. E uma pontinha de uma grande esperança veio, nesta semana, de vocês, leitores queridos.

Foram homens bons que lutaram pela liberdade que todos nós temos hoje, inclusive para inundar a sociedade de tanta bobagem e insanidade

Depois de escrever sobre o aniversário de Oeste e os homens maravilhosos de que tive e tenho a sorte de estar rodeada, uma enxurrada de mensagens inundou a área de comentários aqui em Oeste e nas minhas redes sociais. Muitos escreveram palavras emocionantes de como o artigo, escrito pelo coração, havia tocado o cotidiano de alguns. Mas o que de fato inundou nossa comunicação, e essa é a parte mais maravilhosa dessa minha interação com vocês, foi a quantidade de relatos das relações extraordinárias que as pessoas têm ou tiveram com seus pais — homens sábios, marcantes, pilares importantes não apenas da família, mas de uma sociedade saudável e comprometida com a verdadeira relação entre homens e mulheres, aquela que engrandece e fortalece o presente para que um futuro menos caótico seja entregue aos filhos.

Assim como muitos se sentiram tocados e conectados com nosso encontro aqui na semana passada, eu preciso igualmente registrar as minhas lágrimas lendo tantas histórias de amor entre filhos e pais. Há homens bons no mundo! E há muitos frutos de homens bons — e suas mulheres fortes — espalhados pelo mundo. Vamos passar por mais essa tempestade, eu tenho certeza.

Um transe autoindulgente

Vou sempre sair em defesa de homens maravilhosos e honrados, como meu pai, meu marido, meu filho, grandes amigos e mestres, como Augusto Nunes e J.R. Guzzo — e, agora, muitos pais que conheci através das lindas histórias de vocês —, porque sei que são educados demais e ocupados o suficiente para não se engajarem nessa histeria insana de demonizar os homens que pessoas completamente desconectadas da realidade, encapsuladas em seus mundinhos de autorreferências, necessitam para sinalizar virtude. O que essa gente não percebe é que essa atitude, que não passa de um transe autoindulgente, acaba exatamente por facilitar a vida de estupradores, assediadores e agressores, que podem assim alegar que são “homens como todos os outros” e desaparecer na multidão criada pelo “todos os homens são maus”. Se o comportamento abusivo é padrão e natural, como condenar os criminosos por seus crimes? Eles estão apenas “sendo homens” na lógica perversa e pervertida do extremo-feminismo e dos homens geleia, que precisam do aplauso fácil da turba de cabelo azul.

Ana Paula Henkel e o pai, Paulo Monteiro Rodrigues | Foto: Reprodução

É exatamente esse comportamento que empurrou a sociedade para um transe coletivista em que muitos homens acreditam que é preciso pedir desculpas pelo pecado de outros, pelos pecados históricos, sejam lá quais forem, e, inclusive, pedir perdão pelo futuro. Na atual e absurda agenda de destruição de estátuas e reedição de livros clássicos para que sentimentos não sejam machucados, dívidas históricas precisam ser pagas e os homens estão como primeiros da lista por todo o mal que há no mundo — no passado, agora e no futuro —, não há escapatória. Numa sociedade onde o indivíduo e suas responsabilidades viraram coadjuvantes, onde o que vale é o coletivo, machismo e masculinidade foram parar no mesmo balaio. Em vez de vilipendiar a masculinidade, é preciso reforçar o papel histórico dos homens na proteção das mulheres, do lar, na parceria na criação e no cuidado com os filhos, em seu papel como cidadãos honrados defendendo sua família, seu bairro ou o mundo contra ditadores em guerras históricas. É preciso gritar com coragem para que o uso de espantalhos ideológicos preconceituosos para agradar à sanha de meia dúzia de ativistas enlouquecidos e uma turba sedenta por poder e submissão não seja tolerado.

Se olharmos para trás, desde sempre há homens que escolheram seus caminhos como estupradores e agressores, e a maneira mais eficiente de combater esses criminosos passa necessariamente pelo trabalho heroico de homens de bem. Basta folhearmos as páginas da história para entender que, se compararmos as diversas sociedades ao longo da humanidade, é no Ocidente que, sem qualquer dúvida, as mulheres são livres para trabalhar, estudar, criar os filhos e se realizar plenamente em todos os papéis que sonharem. E isso por que homens lutaram para que essa liberdade fosse ampla e plena para todos.

Em 1984, na celebração de 40 anos do desembarque das tropas norte-americanas nas praias da Normandia, na Segunda Guerra Mundial, o presidente norte-americano Ronald Reagan fez um discurso histórico com a presença de alguns dos “Rangers” norte-americanos que sobreviveram àqueles dias: “Vocês eram jovens naquele dia em que tomaram esses penhascos; alguns de vocês eram apenas garotos com os maiores prazeres da vida diante de vocês e mesmo assim arriscaram tudo aqui. Por quê? Por que vocês fizeram isso? (…) Nós olhamos para vocês e de algum jeito sabemos a resposta. Fé e crença. Lealdade e amor”. Isso é força. Isso é caráter.

A histórica evacuação maciça das tropas aliadas das praias e do Porto de Dunquerque, também na Segunda Guerra, que envolveu centenas de embarcações navais e civis e serviu como um ponto de virada para o esforço de guerra dos Aliados, é maravilhosamente retratada no excelente filme Dunkirk, de 2017, dirigido e produzido pelo britânico Christopher Nolan. O trecho que resume a ideia central do filme é quando um piloto de avião abatido, resgatado boiando no mar e traumatizado, grita com o homem comum que segue com seu pequeno barco para tentar resgatar soldados a pedido de Winston Churchill na França ocupada: “Você tem que voltar! Seu lugar é em casa!”, grita o piloto abatido.

Mark Rylance, no filme Dunkirk | Foto: Divulgação

Para o piloto, vivido pelo brilhante ator irlandês Cillian Murphy, o cidadão comum deve deixar a guerra para os profissionais, mostrando que o mais prudente é ausentar-se, omitir-se, proteger-se em sua própria casa, enquanto o destino da nação está sendo decidido por outras mãos. A resposta de Mr. Dawson, interpretado espetacularmente por Mark Rylance, não poderia ser mais definitiva e atual: “Se não ajudarmos, não haverá mais casa, filho”.

Não se esconder. Jamais. Isso é masculinidade, força e proteção. Homens reais são pessoas com quem os outros podem contar. Seja simplesmente para fazer o que disseram que fariam, seja para estar no lugar certo na hora certa. Tornar-se um homem significa ser consistente. Qualquer um pode fazer as coisas certas de vez em quando, mas as chances são de que, se você olhar para os homens que você mais admira, todos eles ganharam seu respeito e confiança por meio da consistência.

E essa é a estirpe de homens que, na caótica histeria que hoje não apenas demoniza homens, mas rebaixa mulheres, ainda existe. Meu pai, seu pai, o pai de um amigo que foi seu mentor, um tio que foi seu guia, um professor que amparou sua existência. Eles estão por aí. E são milhões. Milhões! Regozijemo-nos! O bem vive!

Tenho vergonha, como mulher, por todas almas femininas que são apenas fantoches que costumam relativizar crimes em outras culturas, em que mulheres não têm nenhuma voz na sociedade, em que mulheres são excluídas de seus lugares no esporte e que, ao mesmo tempo, não reconhecem a força de homens bons, que nutrem o companheirismo, a proteção, a consistência e a humildade que englobam a masculinidade, essencial para uma sociedade integrada e bem estruturada. Fica cada dia mais óbvio que o atual feminismo e os engajados pagadores de pedágio ideológico têm muito mais raiva dos homens e de muitas mulheres do que amor por qualquer justa causa feminina.

Tenho poucas certezas na vida, mas aqui deixo uma: a certeza de que falo em nome de muitas mulheres gratas aos bons homens que lutam há séculos por um mundo livre e seguro para todas nós. Foram homens bons que lutaram pela liberdade que todos nós temos hoje, inclusive para inundar a sociedade de tanta bobagem e insanidade.

Esses homens são a regra, não a exceção. E, como frutos desses homens ou do trabalho desses homens, honraremos o legado que deixaram. Nosso agradecimento a homens como Reagan, Churchill, homens espetaculares, sempre. Mas para reconhecermos a importância deles, precisamos de homens igualmente espetaculares, como o meu pai, o seu pai, e tantos Augustos, Guzzos, e “Mr. Dawsons” espalhados pelo mundo.

Cena do filme Dunkirk | Foto: Divulgação

Revista Oeste