O fato de você nunca ter ouvido falar de nenhum político suíço explica bem o sucesso daquele país
Ignazio Cassis (quem?). Esse é o nome do atual presidente da Suíça.
Mas nem se preocupe em decorar esse nome: ano que vem o presidente já terá mudado. Assim como era outro presidente no ano passado.
Sim, a Suíça muda seu presidente anualmente.
Aliás, há algo de muito interessante sobre a política suíça: você simplesmente nunca ouviu falar de nenhum político suíço em nenhum momento da história.
Você certamente conhece nomes — atuais ou do passado — de políticos da França, da Alemanha, do Reino Unido, da Itália, da Áustria, de Portugal, da Espanha, da China, do Japão, e dos principais países da América Latina. Uma simples pesquisa no Google irá lhe apresentar toda a equipe do atual chefe de governo de cada um desses países.
Mas você absolutamente nada sabe sobre a política da Suíça. Você simplesmente nunca ouviu falar de nenhum político da Suíça, nem atual nem do passado. Com efeito, você sequer sabe ao certo qual é o sistema político vigente na Suíça.
(Há uma piada antiga que diz que não há corrupção na Suíça porque as pessoas simplesmente não sabem onde estão os políticos que elas devem tentar subornar para conseguir favores.)
A questão é: como é que um país tão famoso (e tão invejado) no cenário internacional possui um executivo totalmente desconhecido?
Os suíços se opuseram a um governo central desde o início de sua história
O começo da confederação suíça nunca esteve relacionado à busca pelo poder.
Do século XIV em diante, enquanto toda a Europa estava dilacerada ou por conflitos territoriais ou por conflitos religiosos (como Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648), os originariamente 8 cantões da Antiga Confederação Helvética eram um microcosmo de paz e prosperidade.
Sim, dentro desses cantões também havia diferenças religiosas, mas sua população, em vez de guerrear entre si, preferiu um acordo: fizeram um pacto de mútua assistência militar para proteger a neutralidade da região e sua paz.
O Sacro Império Romano-Germânico havia concedido a essa comunidade de cantões a imediatidade imperial, o que significava que os cantões estavam livres do domínio do Império (eram autônomos) ao mesmo tempo em que faziam parte dele. Considerando-se que as realezas européias extraíam volumosas quantias de impostos de seus súditos para financiar suas guerras que duravam décadas, ser um suíço àquela época era comparável a viver no primeiro genuíno paraíso fiscal da história.
Mais ainda: por qualquer ângulo que se olhe, as seguidas destruições que ocorriam em toda a Europa faziam com que as eventuais diferenças que havia entre os cantões suíços parecessem totalmente insignificantes.
Posteriormente, as diferenças religiosas começaram a crescer também na Suíça, gerando conflitos entre os cantões católicos e os cantões protestantes. Cada um desses conflitos teve seus vencedores, mas, mesmo assim, nenhum deles conseguiu impor uma verdadeira mudança de regime, uma vez que os cantões eram diversos demais para serem governados centralizadamente. Os governos cantonais simplesmente se recusavam a cooperar entre si. Um governo cantonal não seguia ordens de nenhum outro governo cantonal. A única política com a qual todas concordavam era a política externa de neutralidade, a qual acabou por poupar o país de todas as guerras.
Em 1798, porém, o Exército Revolucionário Francês invadiu a Confederação e estabeleceu a República Helvética. A Suíça deixava de ser uma confederação e se tornava um estado centralizado. A soberania cantonal foi abolida e os cantões foram reduzidos a distritos administrativos, tudo à imagem da França revolucionária. A República Helvética, "Una e Indivisível", foi proclamada e as forças de ocupação estabeleceram um estado centralizador baseado nas idéias da Revolução Francesa.
Mas essas idéias "progressistas" sofreram ampla resistência e foram abolidas 5 anos depois, pois a população suíça se recusava a cooperar com quaisquer tentativas de centralização. A República Helvética era simplesmente incompatível com a mentalidade suíça: os indivíduos exigiam que todas as decisões governamentais fossem feitas em nível cantonal, e não em nível federal.
A centralização e a Guerra Civil da Suíça
A República Helvética acabou em 1803 com a Ata de Mediação, promulgada por Napoleão Bonaparte. O estado centralizado foi abolido.
Mas ainda havia uma pendenga sobre a legitimidade de se ter um governo federal. Após décadas de desavença quanto a essa questão, uma guerra civil acabou por encerrar a querela.
A Guerra de Sonderbund ("aliança separada", em alemão), de novembro de 1847, foi uma batalha originada por sete cantões católicos conservadores que se opunham à centralização do poder e que, por isso, se rebelaram contra a Confederação que estava em vigor desde 1814. Esta foi provavelmente uma das menos espetaculares guerras da história do mundo: com duração de 26 dias, o exército federal perdeu 78 homens e teve outros 260 feridos. Mas saiu vencedor. A Conspiração Sonderbund se dissolveu e a Suíça se tornou, em 1848, o estado que é até hoje.
Apenas pense nisso: a guerra suíça (caracterizada por sua inacreditavelmente baixa violência quando comparada às outras guerras) foi motivada puramente pela rejeição à centralização do poder e pelo ceticismo quanto aos poderes usufruídos por uma entidade grande. E lembre-se de que estamos falando de um país territorialmente pequeno (apenas 41 mil quilômetros quadrados). O resultado foi, e é, um estado relativamente neutro que permite uma maior quantidade de liberdade e prosperidade que praticamente todas as outras nações européias.
O Conselho Federal, impotente por natureza
Mas então, qual é oficialmente o governo da Suíça?
O executivo do país é representado por um órgão chamado Conselho Federal. Ele é composto por 7 membros, sendo cada membro responsável por um dos sete ministérios da Suíça (que lá são chamados de Departamentos). Esses sete membros são nomeados pelas duas câmaras da Assembleia Federal.
A presidência e a vice-presidência do Conselho Federal sofrem um rodízio anual. Já o mandato dos 7 membros é de quatro anos. O atual Conselho é formado por 2 social-democratas, 2 conservadores de centro-direita, 2 conservadores nacionalistas, e um democrata-cristão (Doris Leuthard, que é a atual presidente).
Embora a Confederação da Suíça tenha sido criada para seguir o exemplo dos EUA no que diz respeito ao federalismo e aos direitos dos estados, os suíços conseguiram evitar que o poder executivo se concentrasse em apenas uma pessoa.
É interessante notar que, embora cada país europeu tenha feito (e ainda faça) constantes alterações em sua forma de governo, o formato do Conselho suíço é o mesmo desde 1848. A única mudança política já ocorrida no Conselho Federal foi a recente reversão da Fórmula Mágica, também conhecida como o "consenso suíço", que é o costume político de repartir os 7 assentos do Conselho entre os quatro maiores partidos: com a chegada do industrial bilionário e opositor da União Europeia Christoph Blocher e seu Partido Popular Suíço, esse acordo político foi chacoalhado. Mais ainda: fez com que uma eventual entrada da Suíça na União Europeia seja ainda mais improvável.
O Conselho demonstra unidade em relação ao povo e a maioria de suas decisões é feita por consenso. E é assim porque seu papel é muito mais decorativo do que funcional, dado que a maior parte do poder é prerrogativa dos cantões. Decisões relacionadas a educação, saúde, assistencialismo e até mesmo criação de impostos são feitas exclusivamente em nível regional. O governo federal não pode editar medidas provisórias e não tem poder de veto.
O presidente da Suíça não tem praticamente nenhum espaço nas discussões políticas e econômicas que ocorrem no país. Portanto, se você não sabia quem é o presidente da Suíça, não se preocupe; vários suíços também não sabem.
O localismo funciona na Suíça
Os cantões suíços são os responsáveis pelo equilíbrio da política: os cantões conservadores são todos aqueles que estão fora das grandes cidades, como Zurique, Genebra e Berna (a capital). A população das comunidades menores rejeita a ideia de ter um governo distante e centralizado em uma capital nacional. Como resultado, os suíços continuamente rejeitam propostas progressistas, como a de abolir a energia nuclear e a de usufruir uma renda garantida de 2,5 mil francos suíços mensais para cada cidadão. Mais de 75% dos suíços foram contra a medida.
Essa propensão ao localismo seria consideravelmente mais difícil não fosse o sistema de democracia direta, muito comum na confederação.
Todas as leis federais são submetidas às quatro etapas abaixo:
1. Um projeto de lei é preparado pelos especialistas na administração federal.
2. Esse projeto de lei é apresentado para um grande número de pessoas por meio de uma pesquisa de opinião: governos cantonais, partidos políticos, ONGs, associações da sociedade civil podem comentar sobre o projeto de lei e propor mudanças.
3. O resultado é apresentado a comissões parlamentares dedicadas ao assunto nas duas câmaras do parlamento federal, é discutido em detalhes a portas fechadas e finalmente é debatido em sessões públicos em ambas as câmaras do parlamento.
4. O eleitorado possui o poder final de veto sobre o projeto de lei. Se qualquer pessoa conseguir encontrar, em três meses, 50.000 cidadãos dispostos a assinar uma petição pedindo um referendo sobre esse projeto de lei, um referendo será marcado. Para que um referendo seja aprovado, o projeto de lei precisa ser apoiado apenas pela maioria do eleitorado nacional, e não pela maioria dos cantões. É comum a Suíça fazer mais de dez referendos em um determinado ano.
Tais referendos explicam por que o Conselho Federal é formado por partidos da situação e da oposição: se não houver consenso, a oposição pode usar a iniciativa popular (referendo) para derrubar qualquer decisão tomada em nível nacional.
O fato é que, entre 1893 e 2014, apenas 22 de 192 iniciativas populares foram aprovadas pelos eleitores. A reticência com que essas iniciativas são recebidas pelos suíços indica prudência da parte dos eleitores e aversão a leis criadas centralizadamente.
E foi esse sistema de pesos e contrapesos, representado tanto pelos cantões agressivamente localistas quanto pela ferramenta da democracia direta, que tornou a Suíça particularmente resistente ao crescimento do poder do governo, e um dos poucos bastiões da liberdade na Europa.
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