segunda-feira, 21 de novembro de 2022

'Se liga, Mané!', por Guilherme Fiuza

 

O aloprado Pacheco, presidente do Senado -  Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE


Como você já reparou - e se não reparou, repare logo antes que seja tarde - a moda é pisotear a democracia fingindo defendê-la. No Brasil, o TSE deixou de ser um tribunal eleitoral (o que já era exótico) e virou um comando policial, com poderes especiais que ninguém lhe conferiu, mas ele exerce assim mesmo. A apoteose dessa democracia de mentirinha foi a decisão solitária (e suficiente) do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, de bloquear recursos bancários de vários dos maiores produtores agrícolas do país.

A justificativa da autoridade para essa medida extrema sem precedentes foi a necessidade de coibir atos antidemocráticos. No novo direito brasileiro, ainda não escrito mas já praticado a pleno vapor, antidemocrático é tudo que não está na prateleira de vontades dos atuais integrantes do Supremo Tribunal Federal. O ministro Alexandre de Moraes, que não precisa de ninguém para mandar e desmandar no que bem entende, alegou que os caminhões relacionados às empresas punidas pela sua caneta estavam atentando contra a ordem democrática por participar de uma manifestação contra a falta de transparência da eleição.

Entendeu como a banda toca? Essas empresas que carregam o país nas costas não foram impedidas de acessar seus próprios recursos por alguma barricada ou ato de bloqueio viário. Elas tiveram suas contas bancárias trancadas porque o imperador do TSE interpretou como ilegítimo o desejo delas de fazer uma crítica. Deve ser a tal da “segunda geração de desordem informacional” - uma dessas pérolas linguísticas que os seres supremos têm colocado no lugar do direito.

E que crítica era essa, expressa através da movimentação dos caminhões? Era a crítica ao processo eleitoral brasileiro - esse que com um sistema imune à devida auditagem consagrou o impoluto, enxaguado e sacrossanto Luís Inácio da Silva como o novo velho presidente da República. O imperador do TSE disse que não pode. Ele mesmo, baseado nas fundamentações da sua própria vontade, decidiu abolir o direito à dúvida e à controvérsia, porque quem sabe o que é certo é o imperador.

Parece estranho? Não tem problema. De noite o William Bonner capricha na entonação com suas melhores caras e bocas para dizer que está tudo normal. Normal, não. Para dizer que está tudo ótimo, perfeito, lindo de morrer nos arroubos alexandrinos, porque isso é só um corretivo merecido contra o fascismo imaginário e o gabinete do ódio. Aí vale bloquear contas, jogar a polícia contra o povo, ameaçar e barbarizar geral por um mundo melhor.

Como diria Luís Roberto Barroso: perdeu, mané. Eles deram todas as mostras de que iriam sobrevoar as leis, agindo de forma politicamente ostensiva, usando a toga para fazer oposição aberta ao presidente da República, para descondenar um criminoso e para impedir o aprimoramento da segurança eleitoral. Jogaram isso na cara de todo mundo. O povo foi às ruas de forma gigantesca várias vezes para mostrar que estava vendo tudo. Não foi ouvido, muito menos atendido. Agora tem que ouvir “perdeu, mané”.

Os que estão satisfeitos com essa patente acham que o jeito é seguir a vida assim mesmo. Os que não querem ser condecorados como manés vitalícios estão deixando isso claro nas ruas. Esses não fazem previsões. E o que ocorre quando se tenta subjugar uma população consciente é mesmo imprevisível.


Com Gazeta do Povo