Maioria dos brasileiros não aceita se submeter à juristocracia capitaneada pelo 'consórcio Loola-STF'
Jair Bolsonaro está em silêncio. Exceto por um brevíssimo pronunciamento para debelar uma greve de caminhoneiros potencialmente danosa, o presidente, famoso por suas mitadas no cercadinho do Alvorada e por suas lives às quintas, está quieto e recolhido há longos vinte dias. Naturalmente a misteriosa quietude desperta as mais prosaicas, tresloucadas e às vezes perversas especulações. Afinal de contas, o que explicaria essa opção do tagarela Bolsonaro pelo silêncio?
Antes de registrar alguns dos vários motivos para o silêncio presidencial, deixe-me acrescentar mais um complicador a este cenário estranho. Acontece que Jair Bolsonaro, ao longo de três décadas, fez carreira política e chegou ao cargo máximo da Nação por meio do confronto. E não foi um confronto qualquer. Bolsonaro sempre gostou e foi gostado por seus discursos enérgicos, aparentemente capazes de restaurar a ordem no país, e por sua linguagem simples, de uma simplicidade que muitas vezes ofendia ouvidos mais sensíveis.
Agora, contudo, Jair Bolsonaro opta pelo silêncio. Da mesma forma que, nas últimas semanas de campanha, optou pela mansidão. Opções louváveis num país conflagrado, mas que curiosamente não pacificam nada. Pelo contrário, até aqui o silêncio e a mansidão de Bolsonaro (esta última representada pelo famoso "respeito às quatro linhas") só têm servido para criar tensão e alimentar a fantasia de milhões de brasileiros que, não sem razão, se sentem injustiçados ou não reconhecem a legitimidades das eleições ou não aceitam se submeter à juristocracia capitaneada por Alexandre de Moraes.
Enquanto isso a esquerda, incapaz de vislumbrar o aspecto humano dos líderes políticos (nem do próprio Lula), tripudia. Mas não apenas pela perversidade que lhe é característica. À esquerda interessa muito provocar Jair Bolsonaro e, dessa forma, tornar real a profecia de golpe que eles repetem desde 2019. Mais do que isso, a esquerda quer a volta do Bolsonaro falador para manter viva a ideia de que passamos os últimos quatro sendo governados por um monstro para lá de indecoroso.
Me dê motivo
Convivem em permanente tensão a Teoria do Silêncio Estratégico, a Teoria do Silêncio Resignado e a Teoria do Silêncio Deprimido. A primeira é a tese preferida dos que acreditam na tal de bala de prata (também chamada de “carta na manga”), numa reviravolta eleitoral ou num golpe ou contragolpe. A segunda, como o próprio nome diz, é a tese dos resignados, para os quais a eleição pode ser ilegítima (e, cá entre nós, é), mas não há nada a fazer. Não dentro das tais quatro linhas. Por fim, a Teoria do Silêncio Deprimido é a melhor explicação tanto para quem tripudia quanto para quem conserva um olhar humano e concreto sobre os envolvidos no abstrato debate político.
Das três, a Teoria do Silêncio Estratégico é a que menos me seduz. Me parece que ela evoca uma sensação de heroísmo e de sacrifício que, embora nobres, parecem não dialogar com a realidade política mais ampla de um Senado omisso e um Judiciário comprometido com o petismo. Sem falar na inação da sociedade civil organizada e na cumplicidade abjeta da imprensa. Em outras palavras, não acredito que o silêncio seja estratégico porque não vejo nenhuma possibilidade de um objetivo revolucionário (ou contrarrevolucionário) prosperar.
A ideia de um silêncio resignado talvez seja a menos popular. Justamente porque “reduz” o herói ou o "mito" à sua dimensão humana. É, ela faz mesmo isso e nos obriga também a nos confrontarmos com uma realidade assustadora: a de que até o atual presidente pode ser esmagado por essa força aparentemente imparável que nasce do conluio entre o Estado e o capital corrompidos. Ao mesmo tempo, o silêncio resignado de Bolsonaro expõe a farsa de uma elite histérica que passou quatro anos dizendo que ele implantaria uma ditadura militar ao Brasil.
Por fim temos a teoria mais incômoda: a de que Jair Bolsonaro, depois da derrota para Lula numa eleição contaminada por todos os tipos de mentiras e trapaças imagináveis, se recolheu ao silêncio porque estaria deprimido. Convenhamos: não é uma possibilidade tão remota assim. Você não ficaria deprimido ao se ver cercado por uma maioria (democraticamente questionável) que prefere o profeta da corrupção, Lula? Você não ficaria deprimido ao contemplar a possibilidade de prisão no curto prazo? Ora, tenhamos compaixão não pelo mito (que é uma invenção da guerra política), e sim pelo homem.
O outro silêncio
Seja lá qual for o motivo do silêncio de Jair Bolsonaro, no momento me preocupa mais o silêncio dos deputados e senadores de alguma forma associados ao conservadorismo, ao antipetismo e ao antiativismo judicial. São eles, entre os quais há muitos “campeões de voto”, que no momento dispõem de um enorme capital político e já poderiam estar enfrentando Lula e seus cúmplices no Senado e no STF. E, no entanto, à exceção do deputado Marcel van Hattem, estão todos quietos.
Onde está a ex-ministra Damares Alves para expor a tragédia progressista representada por alguns nomes da equipe de transição? Cadê também ex-ministra Tereza Cristina para defender veementemente as empresas ligadas ao agronegócio e que tiveram suas contas ilegal e inconstitucionalmente bloqueadas por Alexandre de Moraes? Cadê o ex-ministro Sérgio Moro para atacar duramente as decisões absurdas em série do STF? Ou será que estão todos esperando que a imunidade parlamentar seja respeitada no governo Lula-Alexandre de Moraes?
Mais do que a voz do presidente, cuja sobrevivência política depende hoje de um milagre, gostaria de estar ouvindo a voz daqueles que foram eleitos defendendo pautas direitistas. Nem que seja para ocupar espaço. Nem que seja para fazer oposição antecipada a Rodrigo Pacheco & Cia. Nem que seja para espernear. Nem que seja para dizer o que Bolsonaro talvez não possa dizer. Nem que seja para arriscar e, assim, precipitar um erro fatal de Alexandre de Moraes.
Nem que seja para nos dar um pouco de esperança de que o jogo “dentro das quatro linhas” de alguma forma prevalecerá e resultará na punição dos usurpadores e na restauração de uma ordem verdadeiramente democrática.
Gazeta do Povo