Manifestação contra a censura e a falta de lisura do processo eleitoral | Foto: Massis/Shutterstock
Quase um mês depois das eleições, desesperança toma conta de boa parte do país ainda sem rumo e à espera de um Congresso menos covarde
Nas últimas semanas, desde que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decretou a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva pela mais estreita margem de votos já registrada no país, um sentimento comum tem se espraiado por diferentes camadas da sociedade: a desesperança. Para muitos brasileiros, ainda não está claro qual caminho deve ser seguido depois de uma eleição que carrega a marca da indecência e as digitais do ativismo judiciário.
A primeira reação de uma parcela do eleitorado que se sentiu injustiçada foi sair às ruas espontaneamente. Sem liderança ou uma ordem a ser cumprida, muitos bloquearam rodovias e artérias centrais pelo país. Outros permanecem acampados em frente a quartéis do Exército, pedindo por intervenção militar ou algum socorro parecido. Nas redes sociais, a sensação ainda é de que a eleição não terminou.
No caso de estradas e avenidas, a obstrução é inconstitucional e foi desencorajada, numa rara aparição do presidente Jair Bolsonaro, no dia 2 de novembro. “Sei que vocês estão chateados, estão tristes, esperavam outra coisa”, disse. “Também estou tão chateado, tão triste quanto vocês. Mas temos que ter a cabeça no lugar”. A reação ocorreu diante de cenas de confronto entre manifestantes e policiais que atenderam à ordem do presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Houve redução gradual nos bloqueios, mas ainda há interdições em Mato Grosso.
Moraes segue tentando sufocar as ações com punições no bolso de empresários que ele diz ter identificado como supostos financiadores dos protestos. Elaborou uma lista com contas bancárias de 43 pessoas físicas e jurídicas, especialmente do setor de transportes e do agronegócio, para pagar o preço.
Já nos quartéis a dinâmica é outra. A aglomeração aumenta aos fins de semana. O mesmo ocorre com a formação de grupos espontâneos que se juntam na Avenida Paulista, na Esplanada dos Ministérios, na orla de Copacabana e outros pontos do país. Não há convocação oficial nem ações orquestradas.
Judiciário não é o caminho
Aos brasileiros que desconfiam da lisura do processo eleitoral, uma coisa ficou ainda mais clara nesta semana: esse é um assunto proibido. Quem se arrisca a questionar o assunto corre o risco de ser banido das redes sociais, incluído no inquérito perpétuo de Moraes no Supremo e, agora, ser multado.
Foi o que ocorreu com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, nesta semana. O líder da sigla de Bolsonaro apresentou um estudo com 200 páginas elaborado por técnicos sobre supostas falhas em urnas antigas — anteriores ao modelo de 2020. O documento foi contestado por Moraes 13 minutos depois de entrar no sistema do TSE.
Numa jogada política, Moraes intimou o PL a incluir o primeiro turno no documento — a legenda elegeu a maior bancada da Câmara, o que lhe assegurou R$ 1 bilhão do Fundo Partidário, além de governadores.
“Como vamos viver com o fantasma da eleição de 2022?”, disse Valdemar Costa Neto. “O TSE está aí para isso. Por esse motivo, recorremos.”
O pedido de “verificação extraordinária”, com base no artigo 51 da Lei Eleitoral, foi negado no dia seguinte por Moraes. O ministro impôs multa de R$ 22,9 milhões ao partido por “litigância de má-fé”, o que assustou até juristas.
No Brasil, definitivamente, recorrer ao Judiciário não é um caminho.
“Há, no Brasil, uma parcela da nossa sociedade que considera que o processo tem problemas”, avaliou o vice-presidente, general Hamilton Mourão, senador eleito. “Da minha parte, vejo que precisamos ter que dar mais transparência a esse processo”
O que fazer?
Ainda não se sabe até onde os protestos contra a volta do PT ao poder e o ativismo político do Supremo podem chegar — uma multidão nas ruas sem comando pode caracterizar uma insurreição popular. No limite, mobilizações de massas para vingar injustiças já triunfaram pelo mundo, derrubando governos ilegítimos, mas também não terminaram bem, com conflitos entre civis e resultando em ditaduras de diferentes matizes.
Tudo isso ocorre num cenário de absoluta inépcia do Congresso Nacional, em ritmo de fim de mandato. Duas raras exceções são o senador Eduardo Girão (CE) e o deputado Marcel Van Hattem (RS) — o primeiro tem mais quatro anos na Casa, e o segundo foi reeleito.
Van Hattem protocolou na terça-feira 22 um pedido de abertura de CPI para investigar abuso de autoridade de ministros do Supremo Tribunal Federal e do TSE — são os mesmos, já que três deles se revezam na Corte Eleitoral. O pedido tem três eixos: violação de direitos e garantias fundamentais; prática de condutas arbitrárias sem a observância do devido processo legal; e adoção de censura e atos de abuso de autoridade. São necessárias 171 assinaturas na Câmara para ser levado adiante.
No Senado, Eduardo Girão aprovou um convite para levar 18 autoridades a uma sessão, na quarta-feira 30, sobre o processo eleitoral deste ano. “Não precisa ir a Nova Iorque para debater. Vamos fazer isso aqui no Senado”, afirma o parlamentar, em referência ao evento pago por empresários para os ministros do Supremo nos Estados Unidos.
Paralelamente, um grupo capitaneado por Girão, com apoio de Plínio Valério (AM) e Luiz Carlos Heinze (RS), apresentou um pedido de impeachment do ministro Luís Roberto Barroso.
“O ministro Barroso se reuniu com líderes de partidos e, logo em seguida, deputados foram substituídos em comissões na votação sobre o voto auditável. Ele não se declarou suspeito quando fez palestras sobre a legalização das drogas e do aborto. Isso sem falar do jantar privado entre Barroso e o advogado de Lula, Cristiano Zanin”, afirmou Girão. “Essa imagem do jantar é muito forte para o cidadão de bem, porque Barroso votou na anulação dos processos de Lula.”
Novo Congresso
A composição do Legislativo que assumirá em fevereiro é uma das peças no tabuleiro político nacional para restabelecer a normalidade institucional — o sistema de pesos e contrapesos idealizado para a República na Praça dos Três Poderes. Ou seja, as bancadas eleitas, sobretudo os conservadores no Senado, poderão pressionar os ministros do Supremo, ainda que um pedido de impeachment dependa exclusivamente de quem será o presidente da Casa. Se Rodrigo Pacheco (MG) conseguir permanecer na cadeira, a tendência é a cumplicidade com os togados.
Outra opção seria articular a aprovação de uma emenda constitucional (PEC) que conseguisse minimizar o ativismo judicial: em suma, impedir decisões monocráticas de ministros e a interferência em assuntos interna corporis do Legislativo.
“É surreal o que estamos vivendo. Leis complementares não adiantam em nada, porque o STF decide o que quer, os ministros são os donos do Brasil”, afirma o deputado Marcel Van Hattem. “Se o Congresso fizer uma lei, se aprovar uma emenda para alterar a Constituição, um ministro do Supremo pode, em decisão monocrática, suspendê-la. Mesmo com os votos de 513 deputados e 81 senadores, em votação com dois turnos no plenário, com quórum de três quintos das Casas. Sabe quão grave é isso?”, diz. “O STF fechou o Parlamento brasileiro.”
Talvez esse seja o caminho: reabrir o Congresso Nacional.
Revista Oeste