domingo, 20 de novembro de 2022

'Trapaça sem fim', escreve J.R. Guzzo

O STF mantém intacto o mecanismo que montou para mandar na vida pública brasileira e escrever leis que só poderiam ser feitas pelo Congresso

J.R. Guzzo: "Moraes, a propósito, anda encantado com as suas multas de 100.000 reais por hora, uma estupidez que não existe em lugar nenhum no mundo, nem em tempo de guerra"
J.R. Guzzo: "Moraes, a propósito, anda encantado com as suas multas de 100.000 reais por hora, uma estupidez que não existe em lugar nenhum no mundo, nem em tempo de guerra" | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A eleição já acabou. O STF ganhou. 

Os “manés” perderam. 

Lula, que três anos atrás estava preso num xadrez da Polícia Federal, torna-se o primeiro condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro a ocupar a presidência da República neste país. 

Jair Bolsonaro não existe mais. 

A “democracia” está “salva”. 

Porque, então, continuar com a repressão neurótica, rancorosa e ilegal que o ministro Alexandre Moraes e seus colegas do Supremo aplicam há quatro anos contra quem se opõe a eles e ao regime de exceção que impuseram ao Brasil? 

Porque eles querem. 

O jogo acabou. Mas o STF mantém intacto o mecanismo que montou para mandar na vida pública brasileira, escrever leis que só poderiam ser feitas pelo Congresso e meter a polícia em cima de quem não está de acordo com essas aberrações.

O Brasil continua a ser governado, assim, não pela ação equilibrada dos Três Poderes, mas por um inquérito policial — esse que o ministro Moraes conduz desde março de 2019, não descobriu até agora rigorosamente nada que tivesse um mínimo valor jurídico e já foi adiado cinco vezes. 

A Constituição proíbe o STF de abrir investigações criminais, mas há mais de três anos os ministros desrespeitam sem nenhum pudor esse mandamento; inventaram uma teoria frouxa e velhaca para justificar sua conduta e não pararam mais. 

O inquérito ilegal e perpétuo de Moraes e do STF se destina, oficial e hipocritamente, a apurar “atos antidemocráticos”. 

É falso. 

A investigação nunca defendeu democracia nenhuma; apenas utiliza a ideia de “democracia” para servir aos interesses da ditadura judiciária que o Supremo criou no Brasil. 

Qual é a novidade? 

Tudo o que o governo faz em Cuba, por exemplo, ou na Rússia, ou na China, também é para defender a “democracia” — “democracia popular”, como dizem. 

Igual a eles, o STF expropriou o significado objetivo da palavra “democracia” e fez dela um instrumento de perseguição política, de repressão aos direitos individuais e de violação sistemática da lei. 

Por conta dessa trapaça, censuram a imprensa, prendem gente, multam, bloqueiam contas bancárias, calam as redes sociais e mandam em tudo.

Para que vai servir o inquérito a partir de agora: para perseguir quem discorda do governo Lula? 

É o que está acontecendo na prática — manifestar oposição, pelo jeito, vai ser um “ato antidemocrático”. 

Moraes, a propósito, anda encantado com as suas multas de 100.000 reais por hora, uma estupidez que não existe em lugar nenhum no mundo, nem em tempo de guerra — não há multa de 100.000 por hora na Ucrânia, por exemplo, para se ter uma ideia da demência dessa coisa toda. 

É o Brasil da democracia.

Publicado originalmente O Estado de S.Paulo 

Revista Oeste