quinta-feira, 7 de julho de 2022

Nova Constituição do Chile pode levar o país a uma ditadura socialista

Advogada explica que texto da Carga Magna estabelece forte intervenção estatal e tem dispositivos legais vagos

Após a posse, novo presidente do Chile, Gabriel Boric, discursou em Santiago | Foto: Reprodução/Redes sociais
Após a posse, novo presidente do Chile, Gabriel Boric, discursou em Santiago | Foto: Reprodução/Redes sociais

Depois de um ano em gestação, o esboço da nova Constituição do Chile foi entregue ao presidente Gabriel Boric no início desta semana. Em setembro, a população vai às urnas para decidir se o texto será aprovado ou não. As mais recentes pesquisas mostram que a proposta de Carta Magna será rejeitada.

O povo chileno tem criticado a medida, vista como distante da realidade e insuficiente para resolver os problemas sociais do país. Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito público administrativo pela FGV, critica o texto, por ser “vago demais”, possibilitar forte intervenção do Estado e suscitar o perigo de uma ditadura socialista no país. “É preocupante”, disse.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

nova constituição do chile
A constitucionalista Vera Chemim | Foto: Divulgação

1 — Quais as principais diferenças entre a atual Constituição chilena e a nova?

Semelhante à brasileira, a Constituição em vigor representa um Estado liberal. Já o esboço da nova Carta chilena tem elementos que remetem à extrema esquerda. Os responsáveis por redigir o texto entregue ao presidente Gabriel Boric priorizaram questões políticas em vez de jurídicas. Isso significa que há clara intenção em transformar o Chile no que chamam de “Estado social por excelência”. Saltam aos olhos as prioridades dadas a “questões sociais”, sobretudo de gênero, e demais minorias, como “indígenas”, com todas as aspas possíveis. Pretende-se assegurar a participação efetiva dessas pessoas na composição da estrutura desse Estado, como Forças Armadas e sistema eleitoral, além de permitir que esse estrato possa criar e derrogar parcial ou totalmente as leis e comparecer a audiências públicas. O texto prevê ainda a realização de referendos, com a finalidade de “ampliar ainda mais a participação popular”. A Carta fala também em estabelecer “uma República solidária, comunitária e participativa”. Pretende-se fazer no Chile um “Estado ideal”, com forte tendência ao socialismo. É aí que mora o problema.

2 — Podemos dizer, então, que uma nova Constituição chilena suscita o perigo de uma ditadura socialista?

Sim. Há muitas evidências que apontam para essa direção e um risco que o Chile corre. Os artigos do projeto se fundamentam em conceitos subjetivos, vagos e abertos. Dessa forma, abre-se caminho para múltiplas interpretações no julgamento de casos concretos, podendo levar a uma situação em que a intervenção do Estado será maximizada. Ressalto um dos artigos: igualdade substantiva. Trata-se de um conceito que remete ao filósofo búlgaro István Meszáros, cuja obra é socialista. Meszáros defende a construção de um mundo com ideais socialistas, apoiado na colaboração de vários cidadãos que se associam livremente a operar naquela nação social. O pensador discorre sobre o eterno debate entre liberdade e igualdade, priorizando essa última ao extremo. Ao fazer isso, evidentemente, cai-se em uma ditadura de esquerda.

3 — Além da “igualdade substantiva”, a nova Constituição tem artigos que tratam da “dissidências sexogenéricas” e “integridade afetiva”. O que são esses termos?

As “dissidências sexogenéricas” escancaram o viés socialista dessa Constituição. Esse termo entende que o masculino e o feminino estão em oposição às múltiplas identidades de gênero que supostamente existem, as quais teriam de ser protegidas pelo Estado. A segunda interpretação é que o masculino estaria em oposição ao feminino e às demais identidades. Isso é uma incógnita. A “integridade afetiva” é um dos mais polêmicos, sobretudo por causa de sua abstração. Ele determina que todas as pessoas têm direito à integridade física, psicossocial, sexual e afetiva, mas o reconhecimento do que seria isso depende de uma definição do Estado, e não de um conceito compartilhado entre todos os cidadãos. Isso leva à moldagem do afeto, que fica submetido a um controle político. Com isso poderia ser regulado? Mais preocupante: haveria risco de um controle político afetivo dos cidadãos.

4 — O novo texto resolve os problemas sociais do Chile?

A julgar pelo esboço, cuja natureza é vaga, aberta, subjetiva e socialista, não. O fato de os constituintes se preocuparem com as minorias (negros, mulheres, LGBTs+, indígenas) é uma atitude nobre, contudo, deve-se equilibrar a vontade da maioria e a da minoria. O texto da nova Carta Magna pode acabar dificultando a ação dos demais Poderes, que têm a função de fiscalizar o Executivo.

5 — O Brasil precisa de uma nova Constituição?

Não podemos ficar tentando mudar a Constituição a cada passo que se dá. Uma nova Carta Magna só se torna viável com uma ruptura, fora isso não há por que alterá-la. Lembro que o documento tem uma emenda que permite modificações pontuais quando algo se manifesta anacrônico. A Constituição de 1988 já sofreu uma revisão constitucional em 1993, justamente com o intuito de resolver problemas. Alimentar ideias sem qualquer fundamento relevante significa sujeitar o Estado Democrático de Direito a riscos de buscas de poder por parte de grupos que queiram mudar de sistema para satisfazer seus interesses.

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Cristyan CostaRevista Oeste